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2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3. Saberes Docentes e Formação de Professores de Música

A ideia entremeada nas concepções de alguns cursos de formação musical no Brasil ainda consiste no domínio máximo das habilidades técnicas, o virtuosismo, bem como no caráter individual e subjetivo da interpretação da performance artística, o modelo técnico- científico europeu do século XIX, as quais expressam claramente o pensamento do Romantismo em Música – domínio da técnica instrumental e do individualismo exacerbado. Tais constatações foram detectadas em pesquisa sobre a formação inicial dos professores de música em Pernambuco que realizamos no curso de Especialização em Formação de Recursos Humanos para Educação (PEREIRA; AGUIAR, 2010).

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No âmbito dos cursos de formação de professores de música, vivemos uma época de mudanças nas concepções curriculares das licenciaturas em música em suas diversas habilitações (instrumento, canto, educação musical, entre outros) em nosso país. Várias universidades brasileiras, como a UFRGS e UFMG, por exemplo, já promoveram reformas em seus cursos de música, superando antigos modelos nos cursos de formação. Com a publicação da Lei n.º 11.769/2008, que trata da obrigatoriedade do ensino de música na educação básica, intensificam-se os debates sobre a formação de professores de música e sobre o papel da educação musical nas escolas regulares, apontando cada vez mais para a necessidade de romper com os velhos paradigmas europeus e promover uma formação musical que alie saberes pedagógicos e saberes específicos, num diálogo coerente e indispensável. Entendemos ser esse um caminho sem volta. Acerca disso, Penna (2010, p. 149, grifo nosso) afirma que:

De fato, a escola de educação básica – especialmente a escola pública – apresenta inúmeros desafios para o educador musical, na medida em que oferece condições de trabalho distintas da escola especializada em música (quanto ao tamanho das turmas, recursos, instalações, etc.), e seus alunos trazem para a sala de aula vivências musicais diferenciadas e variadas expectativas em relação à aula de música. Assim,

o contexto escolar da educação básica se diferencia (ou mesmo se opõe) ao modelo tradicional de ensino de música, de caráter técnico-profissionalizante, que ainda marca a formação da maioria dos professores de música.

Diante da proposição da autora, perguntamo-nos: como o professor de música vai dar conta das peculiaridades do ensino de música na escola básica se a sua formação foi marcada pelo caráter técnico-profissionalizante, como ainda hoje acontece no estado de Pernambuco? É uma questão complexa e que não possui uma única resposta, muito menos de caráter definitivo, devido à complexidade relacionada ao ensino e à provisoriedade do conhecimento no mundo de hoje. Sobre a formação de professores de música, Del Ben (2003, p. 29-30) também nos adverte da necessidade da superação do modelo da racionalidade técnica, em que o formador se torna um transmissor de conteúdos e metodologias que serão aplicados pelo futuro professor em sala de aula, independentemente do seu contexto de ensino. A autora acrescenta que o desafio para os formadores de professores é aprender a incorporar os saberes da experiência e a admitir a prática como lugar de produção e crítica dos saberes docentes. Dessa forma, destacamos, mais uma vez, a necessidade do diálogo entre formação e prática profissional, principalmente levando em consideração a atuação do professor de música nas escolas básicas, a qual é diferente nas escolas profissionalizantes e livres de ensino musical.

Em Pernambuco, verificamos que existem lacunas significativas na formação inicial do professor de música. Analisamos o currículo do curso de Licenciatura em Música da

UFPE, única instituição que oferece formação inicial para professores de música na região metropolitana do Recife, e constatamos que existem omissões na estrutura curricular que vão de encontro às diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em música e às diretrizes curriculares nacionais para professores da educação básica. Confirmamos essas ausências curriculares por meio das falas de cinco egressos, as quais podem comprometer a qualidade do ensino se o professor não refletir sobre a sua prática, procurando, através da pesquisa e da formação continuada, suprir as suas necessidades educacionais. Constatamos ainda que a universidade está atenta a essas questões e que já promoveu uma reforma no referido curso (PEREIRA; AGUIAR, 2010). A reforma curricular entrou em funcionamento no primeiro semestre letivo de 2013. De acordo com uma professora do curso de música da UFPE, “ainda trilharemos alguns caminhos até definirmos qual subsidiará a reforma total. Nessa caminhada, o diálogo deve ser priorizado.” (ALMEIDA, 2003, p. 223).

É tranquilizador saber que a universidade está atenta a essas questões e que está agindo de maneira efetiva a fim de proporcionar uma formação que contemple as demandas contemporâneas para o ensino de música, quer nas escolas básicas, lócus desta pesquisa, quer nas escolas profissionalizantes ou em espaços não formais de ensino de música – todos esses espaços de atuação profissional do licenciado em música. É uma tarefa complexa, que demanda esforços, investimentos e pesquisas que promovam o diálogo com os diversos atores sociais envolvidos.

As pesquisas que tratam da temática de saberes de professores de música são escassas nos programas de pós-graduação brasileiros de educação e de música, como vimos no capítulo que tratou do estado do conhecimento. Localizamos um total de seis dissertações e duas teses na área de música e somente uma dissertação na área de educação. Dessas produções, somente uma pesquisa tratou dos saberes de professores de música que atuam na educação básica – Godoy (2009). Não encontramos nenhuma pesquisa que tratasse dos saberes de professor de canto coral para adolescentes, seja na educação básica, na educação profissional ou em espaços não formais de ensino de música.

Acerca das pesquisas sobre saberes docentes de professores de música, Del Ben e colaboradores (2006, p. 657, grifo da autora) afirmam que:

[...] para avançarmos na definição e no entendimento dos saberes necessários à docência de música, parece ser relevante investigar como se configuram os saberes pedagógicos em diferentes situações de ensino e aprendizagem de música, partindo de práticas reais e diversificadas, adotando uma perspectiva de “dentro para fora” e assumindo os saberes pedagógicos como saberes específicos da educação musical.

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É fato que a temática de saberes é apenas uma das possibilidades de investigação na linha de pesquisa de formação de professores. Entretanto, entendemos ser relevante o desenvolvimento de mais pesquisas sobre a formação e a atuação dos professores de música nas escolas regulares, uma vez que a educação básica se constitui como maior campo de atuação profissional dos licenciados em música. A educação musical precisa conquistar o seu espaço dentro das escolas brasileiras, contribuindo para a formação artística de crianças e adolescentes.

No estudo de caso que realizamos nesta pesquisa, buscamos compreender como uma professora de música constrói saberes relacionados à prática docente de canto coral para adolescentes na educação básica. As diferentes especialidades da profissão de professor de música permitem investigações de diferentes repertórios de saberes devido à multiplicidade de possibilidades da prática profissional docente em música. De acordo com Hentschke, Azevedo e Araújo (2006, p. 57):

[...] Estudar essas especialidades e especificidades da profissão de professor de música é relevante para reconhecer os saberes profissionais necessários à atuação docente, e contribuiria não apenas com a orientação profissional, mas também com a discussão epistemológica sobre a formação e atuação profissional do professor de música.

Entendemos que o professor constrói, na sua prática profissional, um corpo de saberes que servirão de suporte para sua atuação docente. Esses saberes não podem ficar restritos ao professor e às instituições de ensino onde trabalha. Esses saberes precisam ser investigados a fim de serem socializados, com o intuito de contribuir para a construção da profissionalidade na docência em música. No caso de nossa pesquisa, investigamos saberes construídos por uma professora de música na prática de canto coral para adolescentes na educação básica – algo que pode contribuir para os estudos da área de formação de professores de música. No capítulo seguinte, trataremos do percurso metodológico efetuado para a realização da investigação.