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6 A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

6.1 HABILIDADES, SABERES OU COMPETÊNCIAS?

6.1.2 Saberes

Outros autores preferem usar a palavra “saberes”. Paulo Freire é um exemplo.

Freire (1996, p. 22-23), escrevendo sobre os “Saberes Necessários à Prática Educativa”, diz:

(...) É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.

(...) quem forma se forma e re-forma ao reformar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro.

Para Paulo Freire, ensinar exige rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento e assunção da identidade cultural, consciência do inacabamento, reconhecimento de ser condicionado, respeito à autonomia do ser educando, bom senso, humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores, apreensão da realidade, alegria e esperança, convicção de que a mudança é possível, curiosidade, segurança, competência profissional e generosidade, comprometimento, compreender que a

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educação é uma forma de intervenção no mundo, liberdade e autoridade, tomada consciente de decisões, saber escutar, reconhecer que a educação é ideológica, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos educandos.

Outro autor que prefere a expressão “saberes” é Edgar Morin (2003). Morin classificou “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, explicando que sua obra não é um tratado sobre o conjunto das disciplinas que são ou deveriam ser ensinadas. Morin pretende expor problemas centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos e que são necessários para se ensinar no próximo século.

Morin aborda “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro” em exatamente sete capítulos. São eles:

1º. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;

2º. Os princípios do conhecimento pertinente;

3º. Ensinar a condição humana;

4º. Ensinar a identidade terrena;

5º. Enfrentar as incertezas;

6º. Ensinar a compreensão;

7º. A ética do gênero humano.

Para Morin, somos “cegos” sobre a forma como se dá o conhecimento, que mecanismos fazem com que o cérebro aprenda, que conexões mentais, culturais, psíquicas podem nos levar ao erro e às ilusões. Precisamos ter o conhecimento sobre o conhecimento. Também podemos ficar cegos de ódio, raiva, por amor, amizade, paixões. Estes sentimentos nos levam a erros e a ilusões e devemos estar preparados para enfrentá-los.

O autor também repudia o conhecimento fragmentado e que, de acordo com as disciplinas, impede freqüentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituído por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto.

Segue Morin, dizendo que o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Sendo assim tão complexo, deveria ser ensinada a condição humana para que, se conhecendo o homem, se pudesse entender a diversidade de tudo que é da natureza humana.

Pelos mesmos motivos, deveria ser ensinada a história planetária para, assim, mostrar que todos os seres humanos partilham um destino comum.

Para Morin, é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza. A partir desta afirmação, o autor defende a idéia de que estar consciente das incertezas faz com que o ser humano desenvolva estratégias que permitam enfrentar o inesperado.

Ensinar para a compreensão exige a reforma do pensamento e das mentalidades. Ensinando a compreensão entre os seres humanos teríamos o fim do racismo, da xenofobia, do desprezo. O efeito prático seria o mesmo daquele obtido com a educação para a paz.

Afirma o autor que “a educação deve conduzir à antropo-ética, levando em conta o caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie”. Assim, para o terceiro milênio é necessário estabelecer uma relação de controle mútuo entre a sociedade e os indivíduos pela democracia e conceber a humanidade como comunidade planetária.

O “desafio dos desafios”, segundo Morin,

(...) é a reforma do pensamento que permitirá o pleno emprego da inteligência para responder a estes desafios e que permitirá a ligação das duas culturas afastadas. Trata-se de uma reforma, não programática, mas paradigmática, que diz respeito à nossa aptidão para organizar o conhecimento (...).

A reforma do ensino deve conduzir à reforma do pensamento e a reforma do pensamento deve conduzir à reforma do ensino.

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Um outro estudo sobre “Saberes Docentes, Identidade Profissional e Docência” (ENRICONE; GRILLO, 2005) menciona que, entre os docentes surgem, com freqüência, estas interrogações: O que o professor precisa saber para ensinar? Porque o professor faz o que faz em sala de aula? E lança uma provocação: você gostaria de se ter como professor?

Seguem as citadas autoras:

Tais questões, embora recorrentes no cotidiano, são preocupantes e estão indicando indefinições em relação à docência. Revelam o desconhecimento de um núcleo de saberes específicos que constituem o cerne da profissão docente, bem como a fragilidade da identidade profissional. Nestes casos, o professor ensina sem ter clareza sobre o que é ser professor e, como conseqüência, muitas vezes age com autoritarismo ou como refém do aluno, pela insegurança na tomada de decisões que a identidade profissional autoriza.

Dois professores espanhóis, Ariza e Toscano, ao estudarem “El saber prático de los profesores especialistas: aportaciones desde las didáticas específicas” (MOROSINI, 2001) relatam que estão trabalhando em um projeto curricular com uma série de hipóteses sobre o conteúdo de novos saberes desejáveis ao professor. Entendem que:

1. El profesor de una disciplina específica debería conocer en profundidad el objeto de estúdio, los problemas, las leyes e las teorias fundamentales de dicha discplina, así como los conceptos “puentes” con otras próximas, de las cuales debería participar en proyectos interdisciplinares con profesores de otras especialidades. 2. Debería conocer la história de la ciência, centrándose en su disciplina, pero estableciendo conexiones en cada período histórico con el estado de la cuestión en otras ramas del saber (...)

3. (...) debería haber sido iniciado en la investigación, de manera que tuviera cierta comprensión prática de lo que significa la metodologia científica, tanto en sus aspectos más generales, como en aquellos otros más relacionados con la disciplina en que está especializado.

4. (...) debería una cierta concepción epistemológica acerca de la ciência, del método científico y de las otras formas de conocimiento, según la cual el conocimiento científico-disciplinar no fuera un da Universidade de São Paulo conocimiento neutral, absoluto y superior, sino relativo, evolutivo y condicionado histórica y socialmente, con un determinado contexto de producción y de aplicación, dentro del cual posee un cierto rasgo de validez.

Estes saberes retirados de um rol de dez, mapeados pelos professores acima referidos, são, como todos os citados anteriormente, perfeitamente desejáveis ao professor do ensino jurídico.