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DIAGRAMA 8 Processo de análise dos dados

1 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA: A FÍSICA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO

4.1 Os saberes pessoais dos professores

Iniciaremos nossas discussões sobre os saberes pessoais dos professores com as narrativas, dentro dessa categoria do saber, das professoras P1 e P2:

“Desde criança tinha interesse na área biomédica, sempre brincando com animais e plantas. Jamais imaginava que seria professora, ainda no curso de Biologia.” P1 (entrevista presencial)

“Brincava muito dando aulas. Tive professores marcantes e excelentes. Gostava muito deles e tínhamos um vínculo.” P1 (entrevista presencial)

“Eu dava aulas para as minhas bonecas escrevendo no muro. Tudo o que a professora me passava, eu passava para as minhas bonecas.” P2 (entrevista presencial)

Encontramos em nossos sujeitos uma paixão pela profissão que remonta à sua infância, o que indica a importância para o seu ofício dos saberes pessoais. Entretanto, essa é a categoria de saber da qual percebemos uma menor ligação com a construção de saberes físicos em nossos sujeitos. Isso era esperado devido às limitações da memória, pois se tratam de saberes oriundos da história de vida e da socialização primária, saberes adquiridos através da família, do ambiente de vida e da educação no sentido lato, conforme Tardif (2012). Entretanto, o fato de não se lembrarem ou de não apresentarem fatos da infância e da vida familiar relacionados aos saberes físicos já nos diz muita coisa, denota que não foram tão marcantes ou importantes para traçar a sua identidade pessoal e profissional, pois, segundo Moita (2013, p. 116), “uma história de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos”. Além disso, Tardif, ao falar sobre a temporalidade dos saberes docentes, acrescentou:

Essa inscrição no tempo é particularmente importante para compreender a genealogia dos saberes docentes. De fato, as experiências formadoras vividas na família e na escola se dão antes mesmo que a pessoa tenha desenvolvido um aparelho cognitivo aprimorado para nomear e indicar o que ela retém dessas experiências. Além de marcadores afetivos globais conservados sob a forma de preferências ou de repulsões, o indivíduo dispõe, antes de mais nada, de referenciais de tempo e de lugares para indexar e fixar essas experiências na memória [...] A temporalidade estruturou, portanto, a memorização de experiências educativas

marcantes para a construção do Eu profissional, e constitui o meio privilegiado

Desse modo, a memória atua seletivamente, trazendo à tona as experiências relacionadas aos saberes pessoais que foram marcantes.

Quanto a esse tipo de saber, sobressaiu o professor P3, pois seu pai era professor de Física e exerceu uma influência profunda na sua relação com a Física como professor de Ciências Naturais, conforme os comentários abaixo:

“Na verdade, eu escolhi ser professor porque era a profissão dos meus pais. Meu pai era professor de Física e a minha mãe era professora de Biologia, em Uberaba...”P3 (entrevista

presencial)

“Na graduação, em relação à Física, isso ((o conhecimento obtido antes da graduação)) pôde me ajudar um pouco, nas questões de laboratório, quando mexia com instrumentos,

coisa que eu também já fazia quando o meu pai era professor de Física. Eu mexia com osciloscópio, com rodinhas e outros serviços auxiliares nas salas dele...”P3 (entrevista

presencial)

“Nós, que somos biólogos, podemos até conhecer outros conteúdos de outras áreas, podemos

ter um histórico com eles, como no meu caso, desde a época em que aprendi com o meu pai.” P3 (entrevista presencial)

Esses trechos da entrevista corroboram as pesquisas de Tardif, que mostraram que “muitos professores [...] falaram da origem familiar da escolha de sua carreira, seja porque vinham de uma família de professores, seja porque essa profissão era valorizada no meio em que viviam” (TARDIF, 2012, p. 76).

Percebemos também nessas declarações do professor P3, não apenas a origem da paixão e da sua opção pelo ofício de professor ainda na infância, algo observado também nos discursos das professoras P1 e P2, ou um recrutamento ligado à tradição oral, conforme Tardif (2012), mas também que o contato e a familiaridade com objetos e conceitos ligados à Física, quando acompanhava seu pai, contribuiu posteriormente para os estudos universitários, durante a graduação. Ele reconheceu que tinha um “histórico” com o conteúdo de Física, desde a época em que aprendeu com seu pai.

Além disso, as experiências infantis que o professor P3 obteve com o conhecimento físico, nas atividades de laboratório com seu pai, podem ter contribuído para reforçar seus

conceitos sobre a importância das atividades práticas em laboratório para a aprendizagem, pois ele disse:

“Eu acho que, na verdade, deveria se investir mais, muito mais, nessas questões de

laboratório. Acho que a medida que o estado tomou, de abolir os laboratórios, foi péssima.”

P3 (entrevista presencial)

Percebemos aqui uma relação entre o saber pessoal e a maneira em que vê as práticas experimentais, realizadas no âmbito do laboratório de Ciências. Além disso, ele também mostrou que as atividades de laboratório tornaram-se importantes para a sua prática:

“Eu tentei desenvolver, no colégio particular em que trabalho, aulas de laboratório, que durou por três anos, mas, infelizmente, por falta de recursos, o projeto não engatilhou, porque é muito caro manter esse laboratório.”P3 (entrevista presencial)

Portanto, constatamos a partir dos discursos dos professores, a origem da sua paixão pela docência na infância. No caso específico do professor P3, verificamos a origem familiar da sua opção e como as influências do seu pai e o envolvimento nas atividades dele, na sua infância, condicionaram suas concepções e práticas docentes quanto ao ensino de Física.

A análise dos saberes pessoais dos professores é um indicativo de que na infância, no seio familiar, há muitas possibilidades, com projeções futuras, de desenvolvermos uma relação desde bem cedo, da criança com determinado tipo de saber, pensando do ponto de vista de Charlot (2005).

Nesse sentido, com base na concepção de que diversos saberes plantados durante a infância permanecem, acreditamos que um meio de fomentarmos o interesse das crianças pelo saber científico, no contexto de uma educação informal e não formal, é através da exploração de temas científicos em jogos, filmes, desenhos, músicas e, também, através de investimentos em museus e centros de Ciências, abertos para visitas de famílias. Não esperamos com isso que se tornem futuros cientistas ou professores, mas que, desde bem cedo, desenvolvam uma relação amistosa com os saberes das Ciências Naturais.