• Nenhum resultado encontrado

3.1 CATEGORIAS DE ANÁLISE DAS TESES DE 2009 ENCONTRADAS NO

3.1.3 Saberes e práticas docentes

Dentre as teses analisadas, cinco delas puderam ser classificados nessa categoria por serem trabalhos voltados à análise das práticas docentes e saberes dos professores sobre letramento. Dois desses trabalhos não foram aqui analisados, pois, como anteriormente já dito, não foram disponibilizados de forma integral. As três demais teses são analisadas a seguir.

A pesquisadora Maria Angélica Olivo Francisco Lucas, doutoranda da

Universidade de São Paulo, nos estudos que culminaram na tese “Os processos de

alfabetização e letramento na Educação Infantil: contribuições teóricas e concepções de professores”, teve como objetivo refletir sobre o modo como professoras da Educação Infantil de escolas públicas de Maringá compreendem as produções bibliográficas sobre os temas alfabetização e letramento.

Através de questionários e entrevistas com 14 professoras, Lucas (2009) questionou-as sobre suas interpretações sobre alfabetização. As respostas, em sua maioria, foram de que alfabetização é um processo amplo, que vai além da codificação e decodificação. Se por um lado isso pode ser visto como algo positivo, pois as entrevistadas, mesmo não citando o termo letramento, fazem referência ao uso social da linguagem, por outro lado, corre-se o risco de que pensem que tudo o que fizerem com as crianças as levará a aquisição da leitura e da escrita, agindo, assim, sem intencionalidade pedagógica.

Ao serem questionadas sobre os significados de letramento, as professoras expressaram dúvidas e falta de clareza sobre esse conceito, utilizando expressões como: “eu acho”, “não sei responder”, “tenho muitas dúvidas ainda” e “seria mais ou

menos assim”. Isso evidencia que este conceito ainda está pouco esclarecido entre os professores de crianças pequenas. E, na verdade, parece que elas o confundem com o conceito de alfabetização.

A autora percebeu, também, que as professoras possuíram dificuldades em diferenciar alfabetização e letramento. Algumas afirmaram que os dois processos são iguais, outras disseram que são diferentes, porém possuíram dificuldades em defini-los. Em relação aos autores e textos lidos por essas professoras sobre a Educação Infantil e sobre os processos de alfabetização e letramento, somente quatro pesquisadas, entre 14, lembraram-se de autores já lidos. Sônia Kramer, Zilma R. de Oliveira, Philippe Ariès, Emília Ferreiro, Ana Teberosky e Vygotsky foram os autores que essas professoras citaram. Sobre seus estudos ou suas teorias, praticamente não conseguiram mencionar, o que demonstra a superficialidade das leituras feitas.

Nesse sentido, essa tese nos remete ao tema da formação de professores e à necessidade de realização de estudos e investigação, nesse caso, especificamente sobre letramento. No caso das entrevistadas, a grande maioria possuía curso superior e muitas, cursos de especialização. A não clareza sobre os processos de alfabetização e letramento e a superficialidade com que trataram os aportes teóricos deixa claro que existem problemas na formação básica e que este é um tema importante a ser refletido.

Também com o objetivo de compreender as concepções de professoras sobre alfabetização e letramento e, além disso, de perceber quais conceitos estão imbricados nas práticas pedagógicas de duas professoras consideradas “bem- sucedidas” no trabalho com alfabetização, Kely Cristina Nogueira elaborou a tese “As concepções de alfabetização e letramento nos discursos e nas práticas de professoras alfabetizadoras: um estudo de caso em uma escola municipal de Belo Horizonte”, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse estudo, a pesquisadora observou a prática docente e realizou entrevistas com duas professoras de escola pública de Minas Gerais. As professoras foram escolhidas por

terem sido recomendadas pela Secretaria de Educação como boas professoras alfabetizadoras.

Com relação ao processo de formação das professoras entrevistadas, ambas afirmaram que a graduação não atendeu suas expectativas e necessidades, o que fez com que sentissem necessidade de complementar sua formação. Nesse sentido, evidenciaram outras modalidades de formação que se tornaram mais significativas do que a própria graduação. Para as entrevistadas, a troca de experiências entre colegas se constitui como rica oportunidade de formação. Outro aspecto que foi citado diz respeito à formação que acontece na prática, a formação decorrente da experiência, momento em que é possível avaliar, rever, repensar, refazer a prática.

Assim, Nogueira (2009) afirma que são vários os fatores que influenciam as concepções de alfabetização e letramento, ou seja, eles não se limitam a conhecimentos advindos da academia. Em relação à prática como alfabetizadoras, apareceu a dimensão intuitiva do trabalho. Nesse sentido, as professoras revelam uma autoria no fazer e no saber, pois realizam práticas não sustentadas em outras fontes, mas sim, algo novo, que não se configura como uma reprodução ou repetição. Nas observações realizadas em sala de aula, foi possível constatar que as professoras realizavam práticas ora com objetivo de compreender e apropriar-se do sistema de escrita, ora com objetivo de perceber os usos da leitura e da escrita. Também realizaram atividades em que tiveram os dois objetivos, vinculando alfabetização e letramento em um mesmo momento.

O uso de diferentes tipologias textuais foi identificado como estratégia para práticas de letramento e de análise da microestrutura da língua. Sobre esse aspecto, Nogueira (2009, p. 229) conclui:

Esta pesquisa leva à reflexão e à problematização de que garantir a presença de gêneros textuais na sala não significa assegurar a alfabetização na perspectiva do letramento. Isso porque os gêneros textuais podem se apresentar numa sala de aula com objetivos diversos e se desvincular do conceito de letramento quando da referência desse conceito aos usos sociais da escrita. Considero, também, que ações voltadas para apropriação do sistema de escrita não necessariamente precisam se vincular diretamente aos gêneros textuais, e isso não quer dizer que a prática pedagógica não seja letrada, mas que para a garantia da prática do

letramento é preciso que o professor assegure, em momentos diversos e de modo sistemático, o uso e a reflexão dos gêneros em sala de aula. Teríamos, então, uma alfabetização na perspectiva do letramento, ou a alfabetização com letramento, ou, ainda, um alfabetizar letrando.

Desta forma, é importante assegurar o uso de diferentes tipologias textuais, refletindo sobre elas para que os alunos possam perceber e vivenciar os usos sociais da escrita. Ao fim das suas considerações, a pesquisadora afirma que a relação entre práticas, conceitos de alfabetização e letramento e a formação de professores é um campo muito amplo e necessita de estudos.

A tese “Prática pedagógica nos processos de alfabetização e de letramento: análises a partir dos campos da sociologia e da linguagem”, de Luciana Piccoli, realizada pelo programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, se propôs a descrever e analisar a prática pedagógica de uma professora alfabetizadora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, tomando como referência o modelo da pedagogia mista, proposto por Morais e Neves (2003), a partir da teoria de Bernstein. Como o objetivo deste levantamento foi analisar os enfoques dados ao tema letramento, não foi aprofundada a teoria de Bernstein e nos detivemos a analisar os fenômenos ligados ao letramento que foram descritos na tese.

A autora analisou a prática de uma professora e pode observar que o trabalho dessa professora priorizava um clima harmonioso em sala de aula, estimulando valores ligados à solidariedade, afeto e valorização dos alunos através das suas participações. Segundo Piccoli (2009), o equilíbrio no discurso regulador da professora, entre aspectos de afetividade e compreensão e aspectos de firmeza, com os alunos foi o que, juntamente com as outras dimensões da prática pedagógica propiciasse a aprendizagem daquelas crianças.

Na entrevista, a professora soube distinguir e caracterizar os processos de alfabetização e letramento e marcou a importância desses dois processos. Na observação, a pesquisadora percebeu que os processos ocorreram de forma simultânea. Dos 80 eventos observados pela autora, 45 deles foram de alfabetização, 27 de letramento e 8 de alfabetização e letramento. Os eventos de

alfabetização priorizaram a análise de unidades linguísticas como, palavras, sílabas e letras. Já os eventos de letramento priorizaram a análise de textos e frases. A oralidade sempre esteve presente nos eventos, o que estimulou a consciência fonológica para auxiliar o processo de aquisição da leitura e da escrita. O conhecimento escolar foi selecionado a partir de conhecimentos escolares e não escolares que surgiram na turma, considerando, assim, os interesses das crianças.

As teses analisadas nesta categoria apontaram aspectos importantes ligados

ao letramento, no que diz respeito ao seu conceito e a sua prática em sala de aula. No primeiro trabalho percebeu-se a falta de embasamento teórico para justificar as práticas docentes, bem como a incerteza quanto aos conceitos de alfabetização e letramento. Já nos outros dois trabalhos, que tiveram como sujeitos de pesquisa professoras bem-sucedidas em suas práticas de alfabetização, percebeu-se maior clareza em relação aos conceitos e uma atitude de coerência entre seus discursos e práticas.