• Nenhum resultado encontrado

Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira

Doutora em Letras. Professora na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Assis

D15 – Conteúdos e Didática de Língua Portuguesa e Literatura

Introdução

Aprender a ler não é muito diferente de aprender outros procedimentos ou conceitos. Exige que a criança possa dar sentido àquilo que se pede que ela faça, que disponha de instrumentos cognitivos para fazê-lo e que tenha ao seu alcance a ajuda insubstituível do seu professor, que pode transformar em um desafio apaixonante o que para muitos é um caminho duro e cheio de obstáculos. (SOLÉ, 1998, p. 65).

Durante a formação do leitor, a escola objetiva apresentar a leitura de textos literários, inserida em uma situação de aprendizagem que favoreça à formação do leitor. Mas como atingir este objetivo, se os alunos muitas vezes se recusam a ler, pois não associam essa atividade ao prazer e ao ludismo? Como despertar o interesse do pequeno leitor para os textos poéticos? De que forma abordá-los em sala de aula?

Em diálogo com a epígrafe, em busca de se pensar a leitura de forma apaixonante, apresenta-se a seguir um poema do paranaense Almir Correia (1964-), retirado de sua obra Poemas malandrinhos (CORREIA, 1991, p. 5), o qual explora, por meio da poeticidade: ludismo, oralidade e humor. Justamente, essas características chamaram a atenção da crítica, conforme Nelly Novaes Coelho (1995), pois a obra recebeu, em 1992, a menção Altamente Recomendável, pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil – FNLIJ:

Doido varrido TodoDOIDO

(deita no chão e) querser

VARRIDO

O efeito de humor provém do reconhecimento da expressão popular “doido varrido”, a qual se atribui a indivíduos que expressam comportamento alienado, extravagante, conotando que foram pacientes de uma ação: tiveram seu juízo “varrido”, retirado de sua cabeça. Em sentido divergente e cômico, o poema manifesta essa expressão de forma subversiva, paródica, pois o “doido” deixa de ser paciente da loucura e se apresenta como agente. Assim, de forma denotativa, deita no chão e aguarda pela vassoura, ou seja, pela ação de ser literalmente “varrido”. Pode-se notar que a palavra “vassoura” não aparece no poema, mas pode ser subentendida pelo leitor por analogia com o termo “varrido” e com a ação do “doido de deitar no chão”.

A paródia no poema representa, segundo Affonso Romano de Sant’ Anna (2007), maneiras diferentes de se ler o convencional, o que leva à consciência crítica. A paródia atua como meio de desautomatização da língua e ativação da memória transtextual, pois evoca o reconhecimento pelo

leitor da dialogia entre textos, ao mesmo tempo que a nega pela subversão. Esse processo ocorre, porque a intertextualidade, conforme Linda Hutcheon (1991), substitui o relacionamento entre autor e texto, pelo entre leitor e texto, situando o lócus do sentido textual dentro da história do próprio discurso.

Pela forma, o poema suscita várias leituras. Assim, se a criança centralizar sua atenção às palavras em caixa alta, lerá “DOIDO VARRIDO”. Se, pelo contrário, focar as letras em caixa alta e baixa, verá: “Todo [...] deita no chão e quer ser [...]”. Para interpretar o texto, ela precisa preencher as lacunas dispostas na estrutura de apelo do texto. Essa estrutura pressupõe, de acordo com Wolfgang Iser (1999), um leitor implícito. Contudo, na sala de aula, durante a recepção do texto, nota-se que os leitores empíricos realizam essa tarefa de preenchimento, a qual implica interação. Desse modo, a atualização da leitura se faz presente como um processo comunicativo que, justamente por isto, pode conferir prazer ao leitor.

Assim, pela leitura do poema de Correia (1991), o leitor precisará buscar quem é o sujeito de

“todo”, no caso, verificará que é o “DOIDO”. Ao se indagar sobre o que “todo doido” quer; deduzirá que “ser varrido”. Observará, então, que “Todo” doido faz isso. Sua produtividade é requerida pelo texto sob a forma de um jogo. Em síntese, o poema projeta um leitor implícito inteligente que se diverte durante a leitura, pois percebe que seus conhecimentos prévios – de mundo – são considerados.

Neste capítulo, pretende-se refletir acerca da formação do leitor crítico ou estético e da mediação da leitura, a partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção (ISER, 1999, 1996; JAUSS, 1994). Busca-se, ainda, apresentar sugestões de atividades a serem desenvolvidas em oficinas de leitura, realizadas em âmbito escolar. Para a consecução dos objetivos, opta-se neste texto pela abordagem do texto escrito, mais especificamente, dos literários. Justifica-se essa eleição porque, por meio da escrita, conforme Maria Helena Martins (1994), o próprio ato de ler pode ser pensado, uma vez que podemos voltar ao texto inúmeras vezes, testando nossa memória, incitando nosso imaginário, deixando sentidos, emoções e pensamentos serem permeados pela variedade de significados que pode possuir uma única palavra.

Concebe-se literatura, neste texto, conforme Pound (1990), como linguagem carregada de significado, e segundo Candido (1985), como constituída por diálogos vivos entre obras. Essas obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores, vivem na medida em que estes as vivem, decifrando-as, aceitando-as, deformando-as. Assim, a obra não é um produto unívoco ante qualquer público, nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São estes dois termos que atuam um sobre o outro e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, que configuram a realidade da literatura atuando no tempo.

No trabalho pedagógico voltado para a formação do leitor, objetiva-se: a ampliação do conhecimento do aluno sobre o texto e a produção literária, em um processo constante de construção e desconstrução do sentido; o desenvolvimento da observação, da análise e da crítica, por meio da exposição a diferentes formas de expressão artística; o estabelecimento de relações

entre diferentes textos de autores diversos, entre textos do mesmo autor em diferentes momentos históricos, entre gêneros textuais de diversas épocas, entre a linguagem utilizada pelo autor e outras linguagens. Enfim, nesse trabalho, almeja-se incentivar uma leitura plurissignificativa do texto, para que, por meio deste, haja uma reapropriação, em sala de aula, de seu papel produtivo.

Em consonância com Luís Antônio Marcuschi (2010), entende-se, neste capítulo, gênero textual como dotado de função social, pois se refere a um determinado texto materializado em situações comunicativas recorrentes, como carta comercial, romance, conferência, entre outros.

Para atingir os objetivos, opta-se, neste texto, pelo caminho da dialogia, a partir da hipótese de que uma estratégia para incentivar a leitura plurissignificativa é o diálogo entre textos, que se instaura no interior de cada texto e o define. Acredita-se que a explicitação do diálogo entre obras torna a leitura mais saborosa para os pequenos leitores, pois eles, conforme Umberto Eco (2003), percebem a citação intertextual, presente no jogo ficcional. Justamente, esta percepção forma o leitor estético que, para Eco (2003), é capaz de realizar analogias entre textos e perceber que dialogam entre si.

Durante o processo de leitura, este tipo de leitor aciona sua biblioteca vivida, seu lastro de leituras e assume uma postura crítica perante o discurso que lhe é apresentado, pois não o aceita como verdade, antes reflete sobre seus julgamentos.

Mais especificamente, neste texto, pretende-se apresentar uma proposta de formação do leitor que o leve a compreender a literatura como discurso social que emancipa e liberta, pois configura e expressa a experiência humana. Assim, os textos literários, como possuem viés social, satisfazem a necessidade do leitor de conhecer os sentimentos humanos e a sociedade em que vive, auxiliando-o a tomar posição em face deles (CANDIDO, 1995).

Para Hans Robert Jauss, a função social da leitura “[...] somente se manifesta na plenitude de suas possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu comportamento social” (JAUSS, 1994, p. 50). Desse modo, acredita-se, que o contato com textos literários ativa nos alunos o que Candido entende por humanização, favorecendo a reflexão, “[...] a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor” (CANDIDO, 1995, p.

249).

A seguir apresentam-se propostas de atividades. Faz-se necessário enfatizar que estas não são impositivas e podem ser modificadas, conforme a realidade que cada mediador perceber em sua sala de aula.

No documento Anos Iniciais do Ensino Fundamental PEDAGOGIA (páginas 145-148)