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5 MODOS E ESPAÇOS DA ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

5.2 O espaço da arte no Colégio Nossa Senhora da Conceição

5.2.4 As salas de aula e o “beco da arte”

Vale registrar que todas as salas de aula do CNSC possuem o cantinho da arte, também chamado na escola comunitária “beco da arte”, espaço reservado para se expor ou guardar os trabalhos artísticos dos alunos e alunas (Figura 55). Esse é o único espaço de exposição de composições apresentadas pelos alunos da escola. Todas as outras imagens (painéis, cartazes entre outras) são apresentadas pelos docentes. Como explica Souza (1977, p. 84)

Uma sala de aula funcionalmente organizada e equipada é necessária para que alunos e professor possam trabalhar com conforto e eficiência, sendo também de grande valia para a criação de uma atmosfera conducente ao trabalho criador. Embora o aspecto físico possa variar de uma sala a outra e de acordo com o nível de escolaridade, cada uma delas deverá dispor do mínimo seguinte [...] local (armários e estantes) para guardar trabalhos não concluídos, pastas individuais dos alunos com os trabalhos executados e material destinado as atividades artísticas [...].

Figura 55: Becos da arte

Em todas as salas de aula, dou-me conta também da presença de painéis e palavras acolhedoras, de boas vindas, escritas e pintadas nas paredes como “Sejam bem vindos” associados a pequenos animais, por exemplo, pássaros voadores (Figura 14).

Figura 56: Painéis de boas vindas e amarelinha

Por sua natureza volátil o pássaro sempre constela com o alto, com a transcendência celeste (LEXIKON, 1990). E, tal como eles aparecem na arquitetura da escola, aparecem nas composições apresentadas pelos

participantes da pesquisa como visto anteriormente. O mesmo acontece com a “amarelinha” exposta na parede de uma das salas da escola (exposta na Figura acima). Lembremos que eles nos remetem a ascensão.

Mas, é importante observar ainda os vários painéis pintados nas paredes das salas de aula do colégio (um em cada sala) em que os símbolos ascensionais (elevação), e também os espetaculares (luz, sol) e os diairéticos (divisão) estão fortemente presentes (Figura 57).

Os símbolos ascensionais aparecem em representações de imagens como o céu, as montanhas, os pássaros e o arco Iris. Já os símbolos espetaculares aparecem, na forma da luz solar, ou melhor, na representação do sol presente na maioria dos painéis e nas cores, sobretudo o azul celeste utilizado para a representação do céu. Os símbolos diairéticos, por sua vez, aparecem ligados a todas essas imagens. Pois, toda a transcendência acompanha-se de métodos de distinção e purificação. Ou melhor, “Todos os símbolos que gravitam em torno da ascensão ou da luz são sempre acompanhados de uma intenção de purificação (DURAND, 1997, p.169). Essa purificação na comunidade escolar comunitária como foi possível perceber acontece, sobretudo através de imagens onde figura o “ar” como: o céu, as montanhas, os pássaros, o arco Iris, o sol, fazendo a purificação escolar tender para elevação, ou ascensão. O que me faz crer na busca de uma purificação moral dos usuários da escola.

Na perspectiva durandiana, todos esses símbolos ascensionais fazem parte do “esquema da elevação” ou “esquema axiomático da verticalização”. Como já foi visto na introdução desse estudo, onde explorei a Teoria do Imaginário de Durand (1997), essas imagens representam o imaginário da fuga humana diante do tempo, da vitória sobre a morte, portanto, da vitória sobre o destino.

Existem outras representações percebidas na pesquisa como “astronautas” e “brinquedos voadores” (Figura 58). Elas podem ser acrescentadas a essa gama de imagens do esquema da elevação, pois, tanto um quanto o outro nos remete a lugares altos. O próprio Durand (1997, p.137) explica que,

A freqüentação dos lugares altos, o processo de gigantização ou divinização que toda a altitude e toda a ascensão inspiram dão conta do que Bachelard chama judiciosamente uma atitude de ‘contemplação monárquica’ [...] ligada ao arquétipo psicossociológico da dominação soberana. ‘A contemplação do alto dos cimos dá a sensação de uma súbita dominação do universo.’ [...] A sensação de soberania acompanha naturalmente os atos e posturas ascensionais. […] a atitude imaginativa da elevação, originariamente psicofisiológica, não só faz tender para a purificação moral, para o isolamento angélico ou monoteísta, como também se liga à função sociológica dos processos de elevação.

Figura 58: Pipa e crianças astronautas

Vemos, assim, como os painéis do CNSC propiciam uma espécie de ascensão do imaginário de seus usuários. As paredes da escola são, com efeito, verdadeiros suportes de imagens e elementos que se manifestam de diferentes maneiras como: a imaterialidade do ar que movimenta a pipa, sua ligeireza aparente, a luz de cometas e de estrelas, sobretudo a luz solar que “[...] significa antes de tudo luz, e luz suprema” (DURAND, 1997, p.149). Como explica Durand um notável isomorfismo une a ascensão à luz.

A ascensão é imaginada contra a queda e a luz contra as trevas. […] acompanhado por um sentimento de contemplação monárquico e que diminui o mundo para melhor exaltar o gigantesco e a ambição das fantasias um belicoso dogmatismo da representação (DURAND, 1997, p.158-59).

No painel com a representação das crianças vestidas de astronautas (Figura 58), é possível perceber essa diminuição do mundo, não apenas para exaltação do gigantesco, mas como uma forma de reconstrução desse mundo, representado no painel como um verdadeiro “quebra-cabeças” que as duas crianças “astronautas” buscam montar. Mas, notável ainda, do ponto de vista dessa reconstrução é um painel que retrata o planeta Terra sobre um grupo de crianças (oriundas de diversas partes do mundo) (Figura 59). É oportuno ressaltar que a criança é “Símbolo da simplicidade natural [...] [e] também o começo e a plenitude de possibilidades” (Lexíkon, 1990, p. 68). Todavia, o

primeiro aspecto a ser reconhecido neste painel é a valorização da convivência em grupo. Outros desenhos apontam para esta prática, por exemplo, os painéis da Figura 57 em que até mesmo os pássaros são representados em pares.

Figura 59: A casa mundo e a pluralidade cultural

Outro aspecto que merece atenção é a associação dessas imagens à imagem da casa. Elas evidenciam o animal em seu refúgio, como o ser humano em sua grande morada que é o planeta Terra, a casa-mundo (Figuras 58 e 59), cujo grande arquétipo nada mais é do que o ninho do pássaro, a “casa-ninho” (Figura 57). De acordo com Bachelard

Com o ninho [...] encontraremos toda uma série de imagens [...] primordiais, como imagens que despertam em nós uma primitividade [...] o ninho recebe uma valorização extraordinária. Queremos que ele seja perfeito, que traga a marca de um instinto bastante seguro [...] o ninho passa facilmente por uma maravilha da vida animal [...] como toda imagem de repouso, de tranqüilidade, associa-se imediatamente à imagem da casa simples [...] A casa-ninho nunca é nova. Poderíamos dizer, de modo pedante que ela é o lugar natural da função de habitar [...] Nas imagens aproximadas do ninho e da casa repercute um componente íntimo de fidelidade. Nesse âmbito, tudo acontece em toques simples e delicados [...] Se aprofundarmos um pouco os devaneios em que nos vemos diante de um ninho, não tardaremos a deparar com uma espécie de paradoxo da sensibilidade. O ninho – compreendemos imediatamente – é precário e, no entanto, desencadeia em nós um devaneio de segurança. Como é que evidente precariedade não põe termo ao devaneio? A resposta a esse paradoxo é simples [...] Revivemos, numa espécie de ingenuidade, o instinto do pássaro. Comprazemo-nos em acentuar o mimetismo do ninho [...] Esse centro de vida animal [...] Participa da paz vegetal. É um ponto no ambiente de felicidade das grandes árvores. Assim, contemplando o ninho, estamos na origem de uma confiança no mundo [...] O pássaro construiria seu ninho se não

tivesse seu instinto de confiança no mundo? Se escutarmos esse apelo, se fizermos desse abrigo [...] sob o próprio impulso da imaginação - um refúgio absoluto voltaremos às fontes da casa onírica. Nossa casa, captada em seu poder de onirismo, é um ninho no mundo. Nela vivemos com uma confiança nativa se de fato participarmos, em nossos sonhos, da segurança da primeira morada [...] Tanto o ninho como a casa onírica [...] não conhecem a hostilidade do mundo [...] A experiência da hostilidade do mundo – e consequentemente nossos sonhos de defesa e de agressividade – são posteriores. Em seu germe, toda vida é bem estar. O ser começa pelo bem estar [...] Traduzindo então na linguagem dos metafísicos de hoje a absoluta ingenuidade de seu devaneio, o sonhador pode dizer: o mundo é o ninho do homem (BACHELARB, 1998, p.104). Percebe-se assim como as imagens da casa são representadas na estrutura física da escola – a casa-ninho, a casa-mundo ou “ninho dos homens”, ou melhor, a casa dos homens e das mulheres representada pelo globo terrestre.

Do ponto de vista da arquitetura moderna a casa propriamente dita composta por paredes, portas e janelas também pode ser vista em uma das salas da escola, a chamada Brinquedoteca como veremos a seguir e no “Portal da Sabedoria” na parte superior das estantes com livros (Figura 47).