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Como visto, embora o volume de comércio e aproximação econômica da China para a África tenha sido efetivamente vertiginoso, em termos estruturais segue sendo uma parcela minoritária. O crescimento expressivo, proporcionalmente ou em termos absolutos, deu-se em razão do acintoso crescimento chinês, e não propriamente por uma ação orquestrada de “dominação” econômica ou política sobre uma região. Por essa razão, em que pese o argumento de Michael Mann e o aporte militarista de Tilly apresentados no capítulo 1, a visão ora defendida compreende que o termo imperialismo é inadequado para a análise da projeção chinesa para a região.

Ainda que houvesse uma posição política de dominação declarada, um esforço econômico deliberado para constranger e restringir as opções dos atores da África subsaariana – o que efetivamente não existe, para ambos –, ainda faltaria um aspecto fundamental para que o conceito de Imperialismo pudesse ser evocado: a projeção e/ou o constrangimento militar.

Já no que concerne a posição da África no sistema internacional e a melhora nos indicadores econômicos, ressalta-se que é imperioso analisar esse evento em sua longa duração, pois muito embora esses números sejam bastante positivos, são insuficientes para considerar algum prenúncio de alteração estrutural do quadro periférico da região. Nesse sentido, enfatiza-se a contribuição de Ouriques:

“Os bons resultados conjunturais de algumas economias africanas, principalmente aquelas dotadas de recursos considerados estratégicos, parecem apenas recolocar as economias locais exatamente onde se encontravam há pouco mais de trinta anos atrás. Dadas as características fundamentais da economia mundo capitalista, isto é, a desigualdade espacial e a polarização, é pouco provável que o continente africano como um todo, que novamente se apresenta como uma terra de renovadas e lucrativas oportunidades para velhos (EUA e Europa) e novos competidores no mercado mundial (China), consiga efetivamente

ascender na hierarquia global de riqueza” (OURIQUES, 2014).

Alguns estudos salientam que a África já teve participação em torno de 5% a 8% do comércio global no início do século passado, tendo esse número gradativamente diminuído em razão dos conflitos de dominação, guerras mundiais, independências e consequentes guerras civis, sem mencionar as rígidas políticas condicionantes de ajuda em troca de ajustes e medidas liberalizantes, impingidas pelas instituições financeiras multilaterais, como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, como grandes vacinas que causam mais sofrimento que as doenças em si.

Assim, muito embora mereça o reconhecimento positivo, o que tem ocorrido é apenas uma reversão inicial do processo de quartelização assinalado por Castells, que seria uma categoria criada justamente para abarcar zonas completamente dísparas em relação até mesmo aos países periféricos – em passado recente, usualmente tratados como de terceiro mundo. Na medida em que estudos como o apresentado pelo Fórum Econômico Mundial já sugerem estarmos vivendo uma quarta revolução industrial, em que um indicador importante seria o acesso a internet a partir de dispositivos móveis em número superior ao de computadores, a região subsaariana ainda vive um momento bastante inferior no que tange a atingir patamares de outros países nesses itens de tecnologia.

A partir da leitura da vasta bibliografia utilizada para a elaboração da pesquisa, foi elaborado um quadro que serviu como importante exercício analítico na decomposição dos vetores e instrumentos de ação dos atores (região subsaariana e China), bem como enxergar e categorizar a posição relativa desses atores frente ao outro. A metodologia é bastante comum e consiste em um quadro-matriz de Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças (FOFA) de cada envolvido. Cabe mencionar que a categorização, embora embasada em ampla leitura e pesquisa, é discricionária e expõe, obviamente, o ponto de vista – e subjetivamente as preferências teóricas e de abordagem – deste autor acerca da relação China-África. Claramente, muitos outros pesquisadores podem discordar dessa categorização e, por isso, o objetivo não foi uniformizar ou sedimentar o padrão de análise, tampouco ensejar uma espécie de ingenuidade, senão facilitar a análise por meio de uma “dissecação” da relação.

Há claramente elementos que podem ser considerados mutuamente tanto forças, como fraquezas, por exemplo, a depender do aporte teórico e viés analisado, estando em um dos campos por questões

didáticas. Ademais, os itens elencados não compõem um rol exaustivo, sendo outros elementos passíveis de serem incorporados à matriz. Assim, a figura 4 representa a conclusão do estudo acerca do relacionamento China e África. Além dos quatro quadrantes, há zonas intermediárias compreendidas como intersecção no relacionamento entre eles, sendo tanto forças quanto oportunidades, ou fraquezas quanto ameaças. Eis a classificação:

No lado positivo, quesito FORÇAS: Por parte da China:

- Going out policy: maior disposição em fazer IEDs a partir da promoção das empresas nacionais em território estrangeiro;

- All directional, all rounds: inserção internacional em todas as direções; sem fomentar concentração específica em alguma região ou privilégio de região específica, muito embora seja sabido que a China tem, naturalmente, o sudeste asiático elencado como sua área de projeção preferencial;

- Maior mercado consumidor do mundo;

- Cooperação sul-sul: contribuição em infraestrutura e desenvolvimento humano sem condicionantes estruturais nos mesmos níveis que os impostos por países da OCDE e instituições financeiras multilaterais;

Por parte da África:

- Abundância de recursos naturais e minerais;

- Exército de mão-de-obra barata- com perspectiva de crescimento demográfico;

Em COMUM:

- Pujança econômica recente e menos turbulência frente à crise financeira internacional de 2008;

- “Sem condicionalidades políticas”, desde que respeitado a política chinesa da “China única”;

- Compartilham passado colonial de exploração e jugo por parte das principais potências ocidentais;

No lado positivo, quesito OPORTUNIDADES: Por parte da China:

- Inserir internacionalmente suas empresas e ampliar concertação política para seus projetos globais;

- Criar reserva de mercado para seus produtos industrializados, bem como garantir fornecedores de produtos primários;·.

- Diplomacia do pêndulo à vista: possibilidade de barganhar entre China e as potências centrais, ou mesmo demais países semiperiféricos, em um contexto crescente de mudança de forças no ciclo sistêmico de acumulação e da "cesta de recompensas";

- Desenvolvimento congênito: África para os africanos; oportunidade de pensar o desenvolvimento a partir de suas ideias, a despeito dos recursos e interesses estrangeiros.

Em COMUM:

- Fórum de concertação política e suporte econômico: FOCAC;

No lado negativo, quesito FRAQUEZAS: Por parte da China:

- Espoliação de recursos naturais e minerais;

- Multiplicação de manufaturas chinesas e o grau assimétrico de competição com as africanas, em relação ao custo de produção;

Por parte da África: - Baixo poder de barganha;

- Baixo grau de assimilação de inovação tecnológica;

- Exportador de commodities e produtos de baixo valor agregado; alto grau de assimetria na relação,

Em COMUM:

- Alto grau de mão-obra e componentes chineses nos principais projetos;

- Investimentos com condicionantes econômicos às empresas chinesas;

No lado negativo, quesito AMEAÇAS: Por parte da China:

- Potencialidade de causar conflitos sociais: tensões laborais; sobre o aproveitamento e uso do solo; e controle dos principais setores produtivos;

Por parte da África:

- Fortalecimento de elites locais pouco comprometidas com o desenvolvimento nacional, senão com seus próprios negócios: quebra do compromisso de classes;

- Instabilidade política com possível fortalecimento de grupos insurgentes a partir do pouco compromisso em acomodar divergências políticas;

Em COMUM: - Racismo;

- Migração de nacionais e controle de firmas;

- Baixa institucionalização da África e tendência à corrupção;

Figure 4. Matriz FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) – ou, no inglês SWOT (Strength, Weakness, Opportunities and Threats) – da relação China-África. Elaborada pelo autor.