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A salga é um passo essencial na produção de queijo. O sal (NaCl) é utilizado como conservante alimentar no queijo por contribuir para o controlo do crescimento e atividade microbiana, mediante o decréscimo da atividade da água que conduz à minimização da esporulação e prevenção do desenvolvimento de patogénicos no alimento. Adicionalmente, influencia acentuadamente a velocidade e a intensidade da maturação através do controlo de diversas atividades enzimáticas no queijo, de efeitos específicos na sinérese dos grãos da coalhada e na redução concomitante dos níveis de humidade e nas alterações que imprime na estrutura da rede proteica, sendo que estas últimas influenciam a textura, a solubilidade proteica e provavelmente a sua conformação. A terceira característica fundamental do uso de cloreto de sódio é a sua contribuição direta no sabor, uma vez que ajuda a mascarar sabores indesejáveis de baixa intensidade. Contribui também para o início da formação da crosta do queijo. É prática comum, na indústria queijeira, adicionar o sal nos grãos da coalhada ou no queijo no momento em que este atinge uma acidificação adequada promovida pelos fermentos lácteos, ao invés da salga no leite, uma vez que a salga antes da adição do coalho compromete, em muito, a formação do coágulo e a sinérese da coalhada, por afetar a atividade

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enzimática e a qualidade das ligações micelares responsáveis pela coagulação, e por inibição das bactérias do ácido láctico inicialmente adicionadas (Guinee & Fox, 2004).

No que concerne aos tipos de salga, existem quatro métodos. São eles: no leite, na massa, a seco e em salmoura. À exceção do primeiro método, temos como pré-requisito comum para a absorção de sal pelo queijo a existência de um gradiente de sal na fase aquosa entre o queijo e o meio da salga.

1.5.1 Tipos de Salga

NO LEITE: Este tipo de salga é utilizado parcialmente nos queijos Ricotta e Domiati, onde em geral não se ultrapassa c. 2% de sal sobre o volume de leite, para não comprometer a força do coalho, e na sua totalidade (15 a 25 g.L-1 leite) no queijo de ovelha tradicional de Azeitão (DOP), no qual é usado o cardo como agente coagulante. Apresenta a vantagem da obtenção de uma boa distribuição de sal no queijo, porém, a perda de sal no soro é extremamente elevada. Como desvantagens, temos: o aumento do tempo de coagulação devido a uma inibição parcial das enzimas do coalho; o aumento da hidratação das proteínas, que retêm mais soro no queijo; uma maior fragilidade da coalhada; e o aumento do tempo de agitação e corte da massa, uma vez que a saída de soro da massa do queijo é dificultada (Guinee & Fox, 2004).

NA MASSA: Este tipo de salga é realizada antes do encinchamento por adição direta e mistura do sal seco razoavelmente distribuído nos grãos da coalhada por redução da sua dimensão, fator que se traduz no aumento da retenção do sal. A quantidade de sal adicionada varia em função do teor desejado no produto final, tendo em conta que em queijos mais húmidos existe perda de sal no decurso do esgotamento do soro. Este método é utilizado em queijos Cheddar, Cottage, etc. (Guinee & Fox, 2004); no caso particular do queijo de São João do Pico são adicionados c. 4 kg de sal para 1000 litros de leite trabalhado, obtendo-se, em média, 2,0% de sal expresso em cloretos, no produto final.

Quando a salga é distribuída sobre a superfície da coalhada ou grãos da coalhada, algum NaCl dissolve-se na água da superfície e difunde-se lentamente para o interior do grão a partir de muitas superfícies, em simultâneo. É gerado um movimento de difusão contracorrente do soro a sair do grão da coalhada para a superfície, o qual dissolve os cristais de sal restantes e, de facto, cria-se uma solução de salmoura sobressaturada à volta de cada partícula, fazendo com que a mistura da massa da coalhada com o sal seja apropriada (Guinee & Fox, 2004).

Neste tipo de salga, o tempo requerido para a absorção de uma quantidade adequada de sal na salga na massa (10-20 min) é menor, comparativamente à salga por imersão de queijos inteiros em salmoura (0,5 a 5 ou mais dias, dependendo das dimensões) (Guinee & Fox, 2004).

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A SECO: É realizada por aplicação de cristais de sal à superfície de queijos enformados, tendo aplicação em queijos azuis. Neste caso, o queijo enformado pode ser visualizado como um bloco de coalhada, que por sua vez, pode ser visto como uma partícula muito grande, sendo que uma solução de sal seco na camada de humidade à superfície é um pré-requisito para a absorção de sal neste método. O movimento de difusão contracorrente de humidade, a partir do interior de queijo para exterior, cria uma camada de salmoura sobressaturada à superfície do queijo que provoca a migração do sal para o interior. Devido ao facto da superfície estar em contacto com uma salmoura concentrada durante um grande período de tempo (vários dias), há uma perda de humidade relativamente elevada da superfície e subsequentemente uma redução da mobilidade do sal para o interior do queijo, o que leva com que a velocidade de absorção de sal por este método seja menor do que a salga em salmoura, sendo que a consecução do equilíbrio de sal e humidade na fase aquosa de toda a massa do queijo após o momento da salga apresenta uma probabilidade quase nula de ser atingido, devido à existência de enormes gradientes de concentração entre diferentes regiões no queijo (adaptado de Guinee & Fox, 2004).

Este tipo de salga, em queijo desenformado, é muito habitual em queijos tradicionais portugueses, como por exemplo, o queijo Serra da Estrela DOP.

SALMOURA: A salmoura trata-se de uma solução salina de cloreto de sódio com uma composição típica de, por exemplo, 18-22% NaCl (m/m) e 0,5% CaCl2 (m/m), sendo caracterizada por pH entre

5,2 e 5,3. Deste modo, os queijos ficam imersos na solução de salmoura até adquirirem a quantidade de sal necessária e um grau ótimo de dissolução da para-caseína (Guinee & Fox, 2004; Perry, 2004). Este tipo de salga é mais aplicado em queijos semiduros como Edam, Gouda, Provolone, Saint Paulin, entre outros (Guinee & Fox, 2004).

Uma vez o queijo colocado em salmoura dá-se a difusão das moléculas de NaCl, dissociada nos seus iões Na+ e Cl-, da salmoura para o queijo como consequência da diferença de pressão osmótica entre a humidade do queijo e a salmoura. O soro, conjuntamente com outras substâncias dissolvidas (lactose, lactato, fosfato de cálcio, proteínas, péptidos solúveis e minerais), difunde-se através da matriz do queijo para a salmoura de modo a restaurar o equilíbrio da pressão osmótica. Neste tipo de salga, o queijo perde água, resultando na perda de peso líquido do produto (Guinee & Fox, 2004). No início do processo, a superfície do queijo fica mais concentrada em sal que o seu interior, sendo que, posteriormente, o sal difunde-se lentamente pela matriz para a região do interior, menos concentrada neste soluto. Também, durante o processo da salga, ocorre um aumento da hidratação da caseína com NaCl que pode ser atribuído à ligação da caseína ao Na+, em substituição do cálcio ou fosfato de cálcio da para-caseína. De facto, a adição do NaCl parece gerar um efeito de permuta iónica sódio- cálcio com a para-caseína, que se traduz numa massa mais macia (Guinee & Fox, 2004; Perry, 2004). Este efeito é dependente do pH da salmoura. Assim, para pH inferior a 5,0, haverá um maior número de protões (H+) ligados à molécula de para-caseína comparativamente a iões Ca2+ e,

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de massa quebradiça. O inverso, em que o pH da salmoura é superior a 5,8, resulta em queijos extra macios devido à incorporação excessiva de iões Na+ na molécula para-caseína relativamente a iões

Ca2+, os quais também se encontram em excesso (Perry, 2004).

À semelhança do método anterior, este tipo de salga apresenta a desvantagem de o equilíbrio de sal e humidade ser lento ou raramente atingido, devido ao enorme gradiente de sal na superfície para a região do interior centro do queijo (Guinee & Fox, 2004).

1.6Funções do Sal nos Queijos