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Durante a gestão de Kubistchek, adentramos na fase do capitalismo monopolista. Acentua-se a transferência de excedentes da periferia do capital para o centro, por meio da introdução de novos padrões de planejamento, concorrência e controle das economias dependentes pelos interesses estrangeiros. A ideologia desenvolvimentista de JK atuou como ferramenta estratégica na cooptação de trabalhadores de baixa qualificação e considerados descartáveis, uma vez que após a inauguração de Brasília, todas as ocupações consideradas irregulares situadas no entorno dos canteiros de obras seriam erradicadas. Esta fase de grandes projetos de infraestrutura urbana, e de expansão de Brasília coaduna com a criminalização de trabalhadores ocupantes de vilas irregulares.

No cenário internacional, entre o início da década de 1940 e o início da década de 1970, o mundo capitalista vivencia o ápice da hegemonia norte-americana, em razão da forma de condução de seu poder e da aceitação desse poder pelas principais nações capitalistas. Os EUA criaram instituições econômicas, políticas e militares, como forma de promover o desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo no mundo. Este comportamento dos EUA também pode ser explicado em virtude do fortalecimento da União Soviética e do desenvolvimento da Guerra Fria, já que todo o investimento tecnológico, ideológico e militar consistia em compor estratégias para conter o comunismo (SANTOS, 2007).

A hegemonia norte-americana apoiou-se em três condicionantes, que não podem ser compreendidos separadamente, de acordo com Furtado (1987). Primeiro, o desenvolvimento de um sistema de segurança militar no contexto da Guerra Fria, legitimado por meio de algumas alianças militares com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como forma de combater a expansão dos ideais soviéticos. Segundo, a formulação do acordo de Bretton Woods, que estabeleceu o padrão ouro-dólar como referência monetária mundial, criando as instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Mundial (BM) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Terceiro, a expansão das grandes corporações norte-americanas, com a difusão dos padrões de produção, consumo e financiamento estadunidenses (FURTADO, 1987).

Durante a década de 1950 a sociedade ainda se mantem predominantemente rural, contemplando na estrutura social do campo a oligarquia latifundiária, empregadores de trabalho assalariado (médios proprietários ou pequenos capitalistas) e a pequena propriedade familiar. No referido período, o país está assolado por uma desigualdade extraordinária e atravessará o movimento de uma forma de configuração de vida para outra: da sociedade rural tradicional para o duro universo da concorrência da grande cidade (MELLO; NOVAIS, 2009).

O governo JK foi amparado por uma política nacional desenvolvimentista, que combinava uma forte intervenção estatal no setor de transporte, energia e comunicação, como formas de incentivar a industrialização nacional e atrair o capital externo com concessão de facilidades fiscais (SANTOS, 2012). É nesse período que JK elabora o plano de metas, anunciando as principais áreas de investimento. O avanço nas metas foi possibilitado pelos investimentos provenientes do setor público nas áreas de eletricidade, transporte, alimentação, indústria de base e educação (ARAÚJO; BARRETO; HELBORN, 2010).

Para Campos (2009), analisando o caso do setor de transporte, simbólico na gestão de JK, esse padrão de desenvolvimento demasiado comprometido com a esfera privada fez emergir os interesses das empresas multinacionais e associados, que estabeleceram uma agenda cada vez mais voltada aos interesses dos centros decisórios externos. Destarte, continua o autor, os rumos da administração estatal eram influenciados crescentemente pela articulação de interesses da empresa multinacional com a empresa privada nacional e alguns quadros burocráticos.

A política desenvolvimentista de JK teve como substrato, a elevação dos gastos públicos e uma ampla emissão de moeda. Esta dinâmica gerou um grave processo inflacionário e a desvalorização da moeda brasileira. A classe trabalhadora foi duramente prejudicada, com o rebaixamento de seus salários e a instauração da carestia, condições que desencadearam a ocorrência de greves e mobilizações sociais (LACERDA ET AL, 2010).

A concentração de grandes porções de terra permanecia nas mãos dos latifundiários. Este monopólio do latifúndio orquestrado pelos grandes proprietários de terra culminava no agravamento das condições de vida dos trabalhadores do campo, consequentemente, estes transferiam a tentativa de sobrevivência para a vida urbana. Todavia, o inchaço urbano acabou por promover o crescimento de favelas e subúrbios. Conforme Araújo; Barreto e Heilborn (2010), a fase da “bossa nova” do governo JK apenas beneficiou os setores médios da população, não houve uma política de redistribuição de renda e o rompimento da aliança com a elite fundiária. A maioria do contingente deslocado do campo para as cidades continuou sendo representada por negros, representantes do trabalho rural. Seu deslocamento para o meio urbano continuava o impelindo a ocupar as periferias.

Em 1959, o preconceito racial fora mencionado pelo “O Jornal do Rio de Janeiro”, como o principal fator do desemprego (NASICMENTO, 1978).

Com efeito, candidato de cor, mesmo com habilitação, para o comércio, escritórios, cinemas, consultórios, portarias, bares, hospitais, firmas estrangeiras e outros estabelecimentos que exigem pessoas de “Boa aparência”, não conseguem trabalho. (...) É o preconceito de cor que se encontra em primeiro lugar como fator de desemprego, em seguida vem a idade e a nacionalidade (NASCIMENTO, 1968, p. 29).

Ainda utilizando-se das formulações de Nascimento (1978), frisamos que após 1950 os censos sobre a raça da população não foram elaborados, entretanto, desde aquela década a estrutura racial permanece sendo majoritariamente composta por negros. A fase desenvolvimentista de JK combinava grandes investimentos em setores estratégicos com a continuidade dos tratamentos espúrios aos negros e demais trabalhadores de baixa qualificação.

A população de trabalhadores das vilas e invasões surgidas a partir dos canteiros de obras situados em Brasília criou movimentos sociais que pressionaram o governo por direitos de ocupação do solo urbano, e contribuíram para o surgimento das

primeiras cidades satélites complementares ao núcleo central, em condições de carência de infraestrutura, trabalho e serviços básicos (FONSECA, 2001). Isto confirma o nefasto planejamento urbano desencadeado durante a gestão de JK e a negação da ocupação do solo urbano pelas massas.

No período de vigência do projeto desenvolvimentista de JK, ocorreram desocupações de comunidades tradicionais de seus territórios, em benefício dos empreendimentos da iniciativa privada. No caso capixaba, segundo Ferreira (2010), há que se destacar a experiência da Companhia Aracruz Celulose, que dizimou vastos territórios de áreas verdes para o plantio de eucalipto. A população prejudicada por esse processo de desterritorialização integrava comunidades quilombolas e residia nas regiões que compreendem o Sapê do Norte, a qual se estende do Rio Cricaré até o Rio Itaúnas, nas regiões de São Mateus e Conceição da Barra.

De acordo com Ferreira (2010), o Estado desempenhou papel fundamental nesse processo, classificando as terras de uso comum em terras devolutas, ou seja, passíveis de serem negociadas como mercadorias. Aos moradores, desprovidos de documentação comprovatória da posse de terra, o Estado passaria a exigir comprovação da regularização como propriedade privada. Essa desapropriação legitimada pelos cartórios e institucionalizada pelo Estado concorreu para a “exclusão, privação e/ou precarização do território enquanto recurso ou apropriação (material e simbólica)” (HAESBAERT, 2004, p. 315).

Tendo o capital estrangeiro como base e o investimento na indústria automobilística a marca do desenvolvimentismo, o governo JK acaba dando origem as primeiras cidades industriais e com elas, os primeiros núcleos operários, que viriam a constituir a base do movimento operário brasileiro. A disputa pelos postos de trabalho industrial situava-se entre os trabalhadores já habituados à sociedade competitiva, tendo o negro, enorme dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho.

A agitação dos anos 1960, período de intensificação da guerra fria, com a Revolução cubana e a contra-ofensiva dos EUA com a lei de segurança nacional, irrompeu a cena do país com uma crise política instalada pela renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart. Este último, muito ligado ao movimento sindical e às classes subalternas das forças armadas, assume o controle do país nessa época de

efervescência social, tanto no campo, com as ligas camponesas24, quanto nas cidades, com os sindicatos e os estudantes. Desse amálgama político, econômico e social, de acordo com Ianni (1981, p. 43), originar-se-á uma saída autoritária que conduzirá o Brasil para a “ditadura do grande capital”.

1.6 A OFENSIVA DITATORIAL DE 1964 E A PERMANÊNCIA DOS FLAGELOS