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Sanção

No documento Gyordano Kelton Alves Luz (páginas 135-142)

CAPÍTULO 5 MÍNIMO IRREDUTÍVEL DA IMUNIDADE – MIRIM

5.3 Estrutura da norma tributária imunizante

5.3.3 Sanção

A doutrina pátria divide as leis ou atos que “afrontam” as proposições constitucionais em duas espécies: inconstitucionais e ilegais. Os primeiros trazem ditames jurídicos contrários ao texto constitucional e os segundos são contrários ao ordenamento infraconstitucional.

Com base na doutrina norte-americana, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco fazem um importante esclarecimento sobre a inconstitucionalidade e da legalidade:

O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do Direito brasileiro. A teoria da nulidade tem sido sustentada por

291 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno

Sudatti. 3. ed. rev. Bauru, SP: EDIPRO, 2005, p. 160-161.

292 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

praticamente todos os nossos importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual ‘the inconstitutional stature is not Law at all’, significativa parcela da doutrina brasileira

posicionou-se em favor da equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirma-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de

qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.293 (negrito nosso).

Explicando: caso um legislador infraconstitucional produza uma norma tributária que institua imposto que tribute os templos religiosos (art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal), a norma será inconstitucional (nula); e será declarado nulo o ato de um agente fiscal lançar um tributo declarado inconstitucional ou decorrente de um “fato” ou “coisa” imune (art. 150, VI, “c” e “d” da Constituição da República).

A nulidade decorre da essência (conteúdo) das normas tributárias imunizantes que estão na cúspide do ordenamento jurídico (são normas de estrutura). As suas ordens são balizas para os Poderes Públicos (Poder Legislativo, Judiciário e Executivo) na elaboração ou na exigência das demais normas tributárias.

Interessante é a metáfora de Alfredo Augusto Becker para explicar os efeitos nocivos do ato jurídico nulo: “a nulidade é um defeito congênito”294; “a desconstituição do ato jurídico nulo ou anulável tem um poder superior ao da desintegração atômica – no mundo jurídico”295. Tácio Lacerda Gama também foi preciso ao enfrentar o tema:

A sanção pelo exercício ilícito da competência é a nulidade da norma. A conseqüência da nulidade é, conforme o caso, a suspensão da

vigência (nas decisões que prescrevem efeitos gerais) ou a eficácia (nas decisões individuais) da norma criada ilicitamente.”296 (negrito nosso).

A norma de imunidade proíbe qualquer tributação sobre os bens jurídicos contidos no antecedente da norma tributária. O gráfico demonstra o processo sancionatório da relação tributária imunizante:

293 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1419-1420.

294 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 457. 295 Ibid., p. 459.

296 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos de uma teoria da nulidade. São Paulo:

Na norma que prescreve a imunidade tributária, a sanção será a desaprovação (censura jurídica) do ato jurídico que será declarado nulo por um órgão competente.

Essa nulidade evidência a importância jurídica da norma imunizante. Essa espécie de norma tributária traz um direito fundamental do contribuinte ou responsável tributário, respectivamente, de não ser tributado ou de não ser exigido deveres instrumentais que limitem as benesses imunizantes.

Sanção Agente Fiscal Legislador Inconstitu- cionalidade Nulidade Nulidade Responsabilidade Administrativa Indenização

O Poder Judiciário, no caso de lei inconstitucional ou ato ilegal, ou órgão administrativo superior, no caso dos atos ilegais, têm a capacidade de produzir norma competente para sancionar os efeitos dos atos hipoteticamente tidos como nulos. As anotações de Pontes de Miranda não poderiam ficar de fora das questões mais delicadas do trabalho. Palavras do mestre alagoano:

Há qualidade da pessoa, ou do bem, que se erige versus Estado. O ato de imposição seria contrário a direito, podendo, por isso, dar ensejo, não só às sentenças declaratórias da inexistência da relação jurídica de imposto, ou desconstitutivas da lei fiscal, como também a sentenças que condenem o Estado pelo dano causado pela imposição.(negrito nosso)297

Para Pontes de Miranda qualquer norma tributária que seja contrariasse os elementos imunizados (“fato” ou “coisa”) faria surgir, para os particulares (sujeitos ativos da relação imunizante), não apenas o direito a uma sentença declaratória da inexistência da relação jurídica se o ato fosse advindo do Poder Legislativo ou se o ato tivesse a sua origem do Poder Executivo, mas, também, o dever do Estado em indenizar o particular por algum prejuízo decorrente do ato nulo. A indenização e a responsabilidade administrativa têm a gênese no ato nulo. Geraldo Ataliba instrui sobre a responsabilidade constitucional dos Administradores:

Parece de clareza mediana que tal rigorosa disciplina tem em mira proteger os bens jurídicos mais fundamentais do regime, de modo especial contra aquele que mais poderes e meios tem de feri-los: o chefe do Executivo. Daí a contrapartida desses poderes; esta especial e acentuada responsabilidade.

É importante sublinhar que crime de responsabilidade é figura constitucional sui generis que cerca não só as funções do chefe do Executivo e seus ministros; alcança também os ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da república [e o advogado-geral da União] (art. 52, II). As instituições republicanas levam os preceitos garantidores de sua eficácia a todos os quadrantes do sistema, dispondo em toda e qualquer circunstância. A noção de responsabilidade

embebe todo o texto constitucional. Ela é inerente à república.298

(negrito nosso)

297 MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1967: com a emenda nº 1 – Tomo II (arts. 8º -

31). 2. ed., rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 407-408.

Destarte, que a nulidade é uma sanção jurídica, assim, como a indenização e a responsabilidade administrativa decorrem do ato considerado nulo. Detalhe: a indenização somente ocorrerá se o particular comprovar que sofreu um prejuízo econômico (comercial).

Com relação à sanção das normas constitucionais, Norberto Bobbio tem um posicionamento jurídico. Para o mestre italiano, as normas constitucionais seriam “não- sancionatórias”, conforme trecho da sua obra:

Este segundo caso, isto é, das normas superiores na hierarquia normativa, como são as normas constitucionais, merece uma consideração particular, porque é um pouco ‘o cavalo de batalha' dos não-sancionistas, para quem parece estranho, para não dizer absurdo, que careçam de sanções justamente as normas mais importantes do sistema. Na realidade, para nós, esta ausência de sanções no vértice

do sistema não parece absurda, mas, ao contrário, de todo natural.”299 (destaque nosso).

Data máxima vénia, mas isso não habilita afirmar que elas não prescrevem uma sanção. O nosso texto constitucional possui artigos que comprovam a sanção constitucional (sanção política):

Art. 103-A.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. 300 (destaque nosso)

No artigo supracitado a sanção é explicita: ato administrativo301 ou decisão que

contrariar súmula será anulada (a sanção será a nulidade do ato ou da decisão). Outros artigos a sanção é implícita:

299 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno

Sudatti. 3. ed. rev. Bauru, SP: EDIPRO, 2005, p. 168.

300 VADE MECUM. Obra de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo

Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspede. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

301 Geraldo Ataliba define “ato administrativo”: “Ato administrativo – trata-se de ato jurídico subordinado e

versando matéria inserida no âmbito da administração pública. Portanto, matéria constitucionalmente entregue ao Poder Público.” (ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed., 3 tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 136).

Art. 62.

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional,

ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.302

(destaque nosso)

Nesse artigo a sanção é direcionada a Casa legislativa (Câmara dos Deputados ou o Senado Federal) que caso não aprecie a medida provisória no prazo constitucionalmente estabelecido as demais deliberações ficaram suspensas.303

Art. 64.

§ 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais

deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. 304 (destaque nosso)

A urgência na apreciação dos projetos de iniciativa do Presidente da República no prazo de quarenta e cinco dias faz com que a sanção imposta seja o sobrestamento na Casa legislativa das demais votações, exceto as medidas provisórias.305

A sanção política tem o escopo de defender a produção normativa. Portanto, as sanções que advêm das normas constitucionais são reprovações do próprio sistema. Dessa forma, o mecanismo de defesa do ordenamento jurídico para a norma tributária imunizante é o reconhecimento da nulidade de um determinado ato jurídico.

O ordenamento jurídico argentino prescreve uma atitude semelhante, pois considera o ato nulo como sinônimo de “ato jurídico inválido” e como espécie de ato ilícito.306 Mais intenso é o pensamento jurídico de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:

302 VADE MECUM. Obra de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo

Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspede. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

303 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.

152.

304 VADE MECUM. Obra de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo

Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspede. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

305 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.

156.

306 GRINOVER, Ada Pellegrini; ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2007, p. 364-365.

Igualmente, os órgãos superiores da Administração Pública podem determinar o não-cumprimento, pelos inferiores, de leis ilegais ou inconstitucionais, mediante instruções de serviço. E assim deve ser, porquanto a lei inquinada de nulidade absoluta, por ilegalidade ou

inconstitucionalidade, equivale a um nada jurídico, inexiste.

[...]

Certamente, tal só ocorrerá, como se disse, se manifestar a inconstitucionalidade ou ilegalidade. Então, poderão os tribunais decretá-las de ofício, negando-lhe aplicação, na espécie. Os

particulares ou agentes públicos, por seu turno, poderão negar cumprimento ao ato administrativo que padeça de tais vícios. Certo,

impõem-se sejam indiscutíveis, para não virem, ao depois, a sofrer as conseqüências jurídicas de sua desobediência, uma vez posteriormente declarado constitucional ou legal pelos tribunais.307 (negrito nosso).

O ato inconstitucional ou ilegal não são atos inexistentes, eis que, para ser declarado inconstitucional ou ilegal, o ato tem que existir. Não se pode declarar, modificar ou anular um ato jurídico que não existe.

Não é aconselhável que o particular, beneficiário do instituto da imunidade tributária, descumpra uma obrigação tributária, por apenas achar que a norma jurídica é inconstitucional ou determinada ato é ilegal (abusivo).

Deve o sujeito cumprir a norma tributária e recorrer ao Poder Judiciário, para que o órgão competente declare a inconstitucionalidade da Lei, e, assim, desconstitua o viciado ato. Qualquer empecilho na efetivação da norma tributária imunizante será além de inconstitucional, um atentado contra a República Federativa do Brasil

O mínimo de negligência, de imprudência ou de imperícia na efetivação dos preceitos da norma tributária imunizante é muito mais grave, pois o prejudicado maior é a sociedade brasileira, a República Federativa do Brasil (enfraquece os seus fundamentos – art. 1º da CRFB - e os objetivos – art. 3º da CRFB - podem ser aniquilados).

O grand finale é de Lourival Vilanova: o jurista é o ponto de intersecção entre

a teoria e a prática, entre a ciência e a experiência308. No próximo tópico será aplicado o MIRIM:

307 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Vol. I:

introdução. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 659.

308 VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p,

No documento Gyordano Kelton Alves Luz (páginas 135-142)