• Nenhum resultado encontrado

PARTE II: CATÁLOGO: “Narrativas de sítios arqueológicos de arte africana”

SANGA E KATOTO Sanga

Sanga

Escavação: 1957 e 1958. Arqueólogos: J. Nenquin, J. Hiernaux e J. De Buyst Escavação: 1974-1975. Arqueólogo: Pierre de Maret

Datação do sítio: entre séc. VII e IX. Katoto

Escavação: 1959. Arqueólogos: J. Nenquin, J. Hiernaux e J. De Buyst Datação do sítio: entre séc. VII e IX.

Mapa de alguns sítios arqueológicos da África central: Depressão de Upemba e região Interlacustrine.

Localização da Depressão de Upemba e seus sítios principais. Fonte: DE MARET, 1985, p.18.

Estes sítios arqueológicos localizam-se em uma região que possui um rico depósito de minérios conhecida como “Cooperbelt” (cinturão de cobre), fronteira da

República Democrática do Congo com a Zâmbia. Foram mais de trezentas

sepulturas escavadas em seis sítios arqueológios nessa região da África central, que foi palco de consideráveis desenvolvimentos de ordem econômica, social e política. A maior parte dos sítios dos últimos 1.500 anos tem depósitos não apenas pouco profundos, mas também muito danificados pela ação humana subsequente.

Numerosos sepultamentos da mesma época encontram-se agrupados em cemitérios situados nas proximidades dos assentamentos.

Narrativas sobre Sanga e Katoto

A falta de um trabalho arqueológico mais sofisticado tem colaborado para que os sítios com estruturas de pedra sejam mais estudados que sítios com estruturas mais frágeis, e embora a situação esteja mudando, problemas políticos e econômicos dificultam as análises (CONNAH, 2001, p.264).

As poucas pesquisas arqueológicas realizadas na África central são muito

importantes e os estudos nos sítios arqueológicos da Depressão de Upemba, região sudoeste da República Democrática do Congo e na Região Interlacustrine em Uganda, têm contribuído para o conhecimento do desenvolvimento socioeconômico e político do último milênio (CONNAH, 2001, p.264-265; PHILLIPSON, 2005, p.254).

Embora a mais de 500 metros acima do nível do mar, a depressão de Upemba é uma área relativamente baixa flanqueada por montanhas. Essa região é composta por uma série de lagos e pelo rio Lualaba, um dos grandes formadores do rio Congo. Este local é considerado a origem do Estado Luba, que existiu entre os séculos XVIII e XIX. É uma região pantanosa dentro da savana constituída de lago,

possibilitando que a pesca fosse um meio de subsistência muito importante quando os europeus chegaram (CORNEVIN, 1998, p. 286-288; CONNAH, 2001, p. 267- 268).

O solo aluvial bem regado, fértil, e o acesso a pastagens das montanhas permitiram uma agricultura variada (milho, mandioca, amendoim, batata doce), além da caça e criação de animais domésticos. Estas condições excepcionais de subsistencia, além de outros recursos, possibilitaram o crescimento da população resultando em um farto material arqueológico (CORNEVIN, 1998, p.286-288; CONNAH, 2001, p. 267-268; 270).

J. Nenquin e J. Hiernaux arqueólogos belgas foram os primeiros a realizarem em 1957 e 1958 escavações no sítio arqueológico em Sanga, situado às margens do Lago Kisale. E no ano de 1959 em Katoto, um cemitério situado à margem direita do rio Lualaba, perto de Bukama, a cerca de 130 km de Sanga (CORNEVIN, 1998, p. 286; VAN NOTEN, p. 701-702 in MOKHTAR, 2011).

Durante o período de seca em 1957, esses arqueólogos empreenderam junto ao Musée Royal du Congo Belge e a Université Officielle du Congo Belge e Ruanda – Urundi, escavações arqueológicas em 47 tumbas em Sanga e recolheram amostras de outras 09 sepulturas descobertas nos vilarejos (DE MARET, 1985, p. 37). Os estudos nestas 56 tumbas, principalmente das cerâmicas, permitiu a Nenquin distinguir três culturas em tempos subsequentes: Kisaliense; Mulongo e Red Slip (DE MARET, 1985, p. 37).

Porém, a turbulenta situação política da década de 1960 impossibilitou a

continuidade dos estudos que só foram retomados em 1974, por uma equipe dirigida por Pierre de Maret, sob a égide dos Musée Royal de l’afrique Centrale de Tervuren (Bélgica) e l’institute des Musées Nationaux du Zaïre (CORNEVIN, 1998, p. 287- 288).

A importância das descobertas nos sítios arqueológicos vizinhos a Sanga e antes que os traficantes de arte começasse uma pilhagem para fins comerciais, fez com que Maret decidisse retomar as escavações em 1974 (MARET, 1985, p.43). Inicialmente os trabalhos arqueológicos estavam focados nas escavações de sepultamentos encontrados em torno dos lagos.

O excelente estado de preservação de muitas sepulturas encorajou a continuidade dos trabalhos e contribuiu para o estudo sobre os usos simbólicos dos objetos encontrados nos cemitérios, bem como em informações sobre a estrutura social, política e do comércio (DE MARET, 1996, p.50).

Com base nas escavações realizadas em 1958, a equipe de Maret reconheceu três grupos de cerâmicas entre os quais poderia ser possível estabelecer uma cronologia. O grupo Kisaliense (o mais abundante) foi considerado o mais antigo, seguido pelo grupo Mulongo, nome de um local a nordeste de Sanga, e por ultimo, o mais recente, o grupo de cerâmicas de engobe vermelho (red slip ware). As escavações de 1958 revelaram que os grupos eram parcialmente contemporâneos, pelo menos em parte (VAN NOTEN, 702 in MOKHTAR, 2011).

Nenquin chamou de “Kisalian” a cultura material encontrada nas sepulturas escavadas, datadas entre os séculos XII ao XIX e que indicam riqueza. Eram cerâmicas e trabalhos sofisticados em metal, entre eles o ferro e o cobre. Posteriormente, Maret revisou esta datação estabelecendo uma cronologia que permitiu situar o surgimento do Estado Luba no período anterior ao declarado. As escavações forneceram uma sequência cultural completa do século X ao início do século XIX, indicando o surgimento de uma sociedade hierárquica até o final do primeiro milênio corroborado pela datação de radio-carbono (CONNAH, 2001, p. 271).

Entretanto, as evidências disponíveis consistiram inteiramente de sepultamentos em cemitérios agrupados na região da Depressão de Upemba, nas margens do Lago Kisale e na parte superior do rio Lualaba.

Os sítios (necrópoles) são conhecidos, mas parecem apenas depósitos que tem sido extensivamente perturbado em contínuas ocupações e cultivos e não estão sendo escavados/ estudados. Os 265 túmulos que foram estudados estão localizados em Sanga, Katongo, Kamilamba, Kikulu e Malemba Nkulu (CONNAH, 2001, p.271). A imagem que se tem de Sanga é de uma civilização que dava mais importância à caça e à pesca do que à agricultura. Porém, encontraram nos túmulos enxadas e mós fixas, além de restos de cabras e aves.

O grau de refinamento do mobiliário mostra a grande habilidade dos artesãos de Sanga, que trabalhavam com ossos, pedra e madeira e trefilavam o ferro e o cobre fundindo-os a céu aberto (VAN NOTEN, 646 in MOKHTAR, 2011).

Em Sanga os mortos foram encontrados em posição estendida ou curvada usando colares, braceletes, cinturões trançados, fabricados em cobre, ferro e marfim. Junto a eles havia um número grande de cerâmicas (CORNEVIN, 1998, p.286).

Os pesquisadores estavam interessados nos pequenos lingotes de cobre em forma de cruz ou cruzetas, o que levou a supor a existência do comércio com o ‘Copperbelt’ do Zaire/ Zâmbia, situado a 400 km de Sanga (DE MARET, 1996, p.55;

(moeda), adornos pessoais, símbolos de status e objetos de culto, poder e riqueza (CONNAH, 2001, p.273).

No coração dessa área produziam cobre intensamente, muitos processados em barra localmente e comercializado nessa forma ou em pequenas cruzetas, trazido em conjuntos para venda como souvenir naquela época, na região que era Katanga. Na Depressão de Upemba não existe evidência deste material no período

Kamilambiam (séc. V), entretanto, no início do período Kisalian (final do séc. VIII), começaram a surgir alguns objetos em cobre principalmente em forma de pequenas barras.

No período Kisalian Clássico (séc. XI) esses artefatos eram muito comuns,

utilizados tanto para adornos pessoais como para objetos funcionais, indicando que o cobre significava status, poder e riqueza (CONNAH, 2001, p. 272-273).

Abaixo temos uma dessas cruzetas do período do século XVI.

Shaba: cruzetas de cobre do séc. XVI.

Foto de uma tumba kisaliense clássica (172) e na sequencia um detalhe da mesma, onde se pode ver os dentes limados em pontas e um colar em cobre (DE MARET, 1985).

Vemos cerâmicas dispostas em torno do corpo e círculo em metal no pescoço.

Tumba kisaliense clássica – T172.

Documentos relacionados