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CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

SANTO INÁCIO VISITA 17.03

Já há um tempo organizando e reunindo os dados para dar início ao processo de pesquisa de campo, parti para o primeiro contato formal com a comunidade de Santo Inácio. Dessa vez a viagem foi rápida, equivalendo a uma manhã, onde foram estabelecidos os primeiros contatos com as pessoas de lá, o reconhecimento do local. Cheguei a Alcântara por volta das 8h40 e fui encontrar com Biné, quilombola de Manival, com quem combinei de me levar até Santo Inácio. Por volta das 9h20 saímos e antes das 10h chegamos a Santo Inácio. Tinha estado lá, em 2008, quando do trabalho pro NEP e Secretaria de Agricultura, tinha mais cinco anos e já não lembrava do todo da comunidade. Da entrada para a sede deve ter uns dois quilômetros de estrada de chão, e no meio, um córrego, onde algumas pessoas lavam roupa e levam os cavalos e gado para beber. O dia estava quente, muita poeira, e quando chegamos perto do córrego, por sorte, encontramos justamente as pessoas que eu precisava contactar para explicar sobre o meu trabalho, sobre o que era a pesquisa e claro, pedir autorização para fazê-la em Santo Inácio: “Seu” Zé Bola e “Dona” Conga. Biné fez as apresentações e passou a palavra para mim, que me apresentei e expliquei o que estava querendo fazer na comunidade, citando o curso e a importância do trabalho também para a comunidade. Os dois me ouviram e assentiram a pesquisa, permitindo que eu ficasse um tempo com eles, prometendo me ajudar no que fosse preciso. De lá, fomos até a sede e tivemos contato com algumas pessoas, entre elas, uma figura muito divertida e matreira, “Seu” Camurça. Ele perguntou quem eu era, pois tinha cara de gente de fora e o que eu queria com a comunidade, o que eu expliquei com detalhes e ele me ouviu, sorrindo e dizendo que qualquer coisa eu poderia falar com ele, que ele explicava. Depois, partimos e fui contente com o que vi e com a recepção, sentindo que tudo vai dar certo.

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Hoje foi o primeiro dia de trabalhos de campo efetivos na comunidade de Santo Inácio. Confesso que apesar da recepção positiva do primeiro encontro, quando cheguei lá, senti que não seria tão fácil assim, mas logo essa sensação se foi. Fiquei hospedada na casa de “Seu” Zé Bola, liderança local, que me recebeu muito bem, apresentando-me sua esposa, “Dona” Romana, a neta e a casa inteira. Para algumas pessoas próximas, presentes no pequeno comércio do qual é dono, fui motivo de curiosidade. Mal deixei a mochila, conversei um pouco com “Seu” Zé sobre a comunidade, sobre quais casas deveria começar, sobre algumas histórias e depois de um tempo, percorri a comunidade já começando os trabalhos. Como fiz em Itamatatiua, também em Santo Inácio, decidi, como metodologia, começar os trabalhos do final da comunidade para o começo; assim, fui para o final da comunidade, que não é tão grande em número de casas e extensão como Itamatatiua. Cheguei à última casa, que era justamente a de “Dona” Maria José, senhorinha que em 2008 cantou uma doutrina para Tabajara, emocionando a todos. Ela descansava, por isso não pode falar comigo, então segui adiante. Na casa seguinte encontrei sua filha, “Dona” Ana Teresa, que mora ao lado da mãe e uma senhora que chamada Albertina.

Como há muito tempo não ia para campo nesse sentido (o último trabalho foi em 2013, num trabalho com comunidades quilombolas urbanas), esse recomeço pareceu um tanto difícil... mas lá fomos nós. Dei bom dia, pedi licença e sentei junto às duas e depois de me apresentar e explicar minha presença ali, começamos a entrevista, que mais foi uma conversa que qualquer outra coisa. “Dona” Ana Teresa não pareceu muito disposta a responder nem a soltar as informações, mas ao longo dos anos lidando com essas comunidades e acho que por gostar muito do que faço, aprendi a ter jogo de cintura com elas, e, brincando um pouco acabei desarmando ela, que conversou bastante depois disso, interagindo comigo e “Dona” Albertina, falando tudo que queria saber. Foi uma conversa bacana, gostei muito e acho que gostaram também, porque à tarde, no mesmo dia, voltei para ver se “Dona” Maria José já estava desperta, pedi água a ela, que voltou com suco, biscoito e uma cadeira pra eu sentar e conversar um pouco. Fiquei feliz. Me lembrou um pouco “Dona” Iracema, em Itamatatiua, mesmo sem saber quem eu era, parar um pouco o questionário para me servir um lanche cheio de carinho. Ao voltar, perto do almoço, encontrei “Seu” Zé e “Dona” Romana almoçando, à mesa, a qual me juntei e fomos comendo e proseando.

À tarde, retomando os trabalhos, não fui à casas, mas parei no campo, onde vi uma movimentação de pessoas dentro de um tanque. Percebi logo que se tratava da produção de farinha de mandioca. Estavam na etapa de descascar a mandioca pra prensar,

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moer e por no forno. Fui me aproximando e puxando papo com um, com outro, e me integrando devagarzinho. Nesse primeiro contato fiquei mais observando, conhecendo, deu pra ver bem de perto a produção de farinha, a integração deles dentro dos tanques retirando a mandioca e descascando com habilidade. Foi muito interessante, porque apesar de ter sabido que muitos ali estavam ajudando numa forma de troca de mão-de-obra (hoje eles ajudam, amanhã os donos da farinha é que vão ajudar na produção deles), notou-se uma comunhão entre todos, nas prosas, na brincadeiras entre eles – adultos e crianças. Foi muito bacana! Fiquei toda a tarde com ele, já que teria muitas outras viagens para trabalhar na comunidade. Depois, já de noite, voltei para casa de “Seu” Zé e depois de tomar um banho, sentei-me a prosear com ele e “Dona” Romana.

VISITA 12.08.2014

Tirei a manhã deste dia para voltar à casa de farinha, onde seria finalizada a produção. Cheguei já interagindo com eles e fui muito bem recebida. Pude acompanhar a prensa, peneira e colocação da massa no forno até o resultado final, que é a farinha pronta. Nesse meio tempo, acabei por entrevistar informalmente cada um deles, ouvindo as histórias paralelas entre eles, os ‘causos’, as histórias, as conversas sobre eles próprios e até mesmo histórias intimas deles, que eram contadas sem nenhum rubor ou constrangimento; ao contrário, pareciam bem à vontade comigo e eu, por minha vez, também interagi com eles, falando da experiência em outras comunidades e também algumas passagens minhas, dentro do que eles iam conversando.

Já pelo final da manhã, voltei à casa de “Dona” Maria José e dessa vez tive sorte, pois ela estava acordada e muito bem disposta. Ao contrário do que pensei, considerando que no primeiro contato, em 2008, ela não queria falar conosco, hoje, recebeu-me muito bem e aceitou conversar comigo numa boa. Ela falou muitas coisas sobre a comunidade, sobre algumas lendas, sobre seus pais e, para minha imensa surpresa, consegui que ela cantasse, de livre e espontânea vontade, uma doutrina religiosa, da Mina- Jeje, para mim, o que, da última vez, ela fez quase obrigada para a equipe do Agontime. Foi lindo e ela pareceu contente em poder falar sobre sua espiritualidade comigo, em cantar a doutrina, em falar do que seus encantados faziam com ela quando ela não cumpria suas obrigações com ela.

Em contrapartida, seu esposo já não foi tão receptivo e estava inquieto, pois mesmo “Dona” Maria José querendo conversar, ele parecia estar mais interessado em ligar a TV ou era o rádio, e estávamos incomodando com a conversa. Fiz menção de voltar outra hora, mas ela protestou e disse que não, que eu ficasse que ela estava gostando da

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conversa. De lá, antes de voltar para casa de “Seu” Zé Bola, para o almoço, dei uma volta até o Apicum, para conhecer o rio. Lá havia muitas crianças tomando banho e brincando com a água, que estava com a água baixa. É um lugar muito bonito, grande, cercado por uma área de mangue.

Fiz mais duas casas, finalizando a manhã na casa de “Dona” Roxa. Lá a recepção também foi muito boa e seus filhos, menores de 15 anos foram muito receptivos também. Puxaram-me pelo braço para mostrar o quintal e os bichos, dei-lhe a máquina para que eles próprios tirassem algumas fotos, o que os deixou alegres e brincalhões. Depois fomos para a sala, onde iniciei a entrevista com “Dona” Roxa, que conversou numa boa comigo, falando o que sabia e contando algumas passagens interessantes sobre lendas da comunidade. Tempos depois de iniciar a conversa, chegou “Seu” Coco, esposo dela, que para minha surpresa, é quem faz benzimentos na comunidade. Foi muito brincalhão e falamos muito sobre benzimentos, histórias antigas da comunidade, sobre como ele faz. Foi uma conversa proveitosa.

Na parte da tarde continuei as entrevistas e numa delas, descobri o nome de uma das possíveis dona das terras de Santo Inácio. Senti lá o desconhecimento de alguns com relação à origem do sítio, observando que entre todas as histórias antigas e lendas, a da menina que sumiu na grutinha, segundo eles, levada por uma mãe d’água, foi a mencionada por todos os que eu entrevistei. Alguns falaram sobre a muralha no Jirijó, onde acreditam que foi construída por escravos à época da colonização. Final de tarde, voltei para a casa de “Seu” Zé, onde fiquei proseando com eles e algumas pessoas da comunidade.

ITAMATATIUA