• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II: ARAWETÉ, KAMAIURÁ, AWETI E SATERÉ-MAWÉ: OS POVOS E SUAS

2.4 Os Sateré-Mawé

2.4.1 História, contato e território

Inventores da cultura do Guaraná, os Sateré-Mawé transformaram a ‘Paullinia Cupana’, uma trepadeira silvestre da família das Sapindáceas, em arbusto cultivado, introduzindo seu plantio e beneficiamento. O guaraná é uma planta nativa da região das terras altas da bacia hidrográfica do rio Maués-Açu, que coincide precisamente com o território tradicional Sateré-Mawé(LORENZ, 1992).

O contato inicial do povo Sateré-Mawé com povos não indígenas aconteceu em 1669, quando a missão jesuítica Tupinambarana chegou à região Amazônica a fim de dar início ao processo de catequização dos indígenas (LORENZ, 1992, p. 16). Não obstante a civilização desses povos, os jesuítas favoreceram a ocupação da região por imigrantes.

Em 1835, segundo Ilari e Basso (2006, p. 63), negros, índios, mestiços e elite local juntaram-se frente à Cabanagem, movimento de revolta em oposição ao governo regencial da província do Grão-Pará.Os cabanos, que viviam em cabanas de barro em situação de miséria, clamavam por melhores condições de vida; os fazendeiros e comerciantes, por sua vez, lutavam por questões político-administrativas. De acordo com Lorenz(1992, p. 16),os Sateré- Mawé, também os Munduruku22 e os Mura23, uniram-se aos cabanos na revolta social da

Cabanagem, motivo pelo qual foram vítimas de epidemias e perseguições.

As drogas do sertão (canela, castanha, cravo, guaraná, pimenta, urucum, baunilha) e a seringa presentes naquela região atraíram viajantes de todo lugar. Também o desenvolvimento econômico dos municípios de Barreirinha, Itaituba, Maués e Parintins impulsionou a ocupação territorial amazônica e, consequentemente, a redução do território onde os Sateré- Mawé viviam. Tiveram que abandonar grande parte da extensão onde os seus antepassados tradicionalmente habitavam: segundo relatos, toda a região entre os rios Madeira e Tapajós, até as suas cabeceiras, ao sul, e até as ilhas Tupinambaranas, ao norte(ibid., pp. 16-18).

Sabe-se que a região entre os rios Abacaxi, Amana, Mariacuã, Marmelos, Parauari e Sucunduri, também os locais onde foram erguidas as cidades de Maués e Parintins, no Amazonas, e Itaituba, no Pará, fizeram parte do território tradicional dos Sateré-Mawé. Em razão da diminuição territorial, desencadeada, principalmente, pelo processo de catequização dos indígenas, pelo desenvolvimento econômico propiciado pelas drogas do sertão, e pela revolta da Cabanagem, os Sateré-Mawé fixaram morada nas margens dos rios Andirá, Manjuru, Marau, Miriti e Urupadi, no ano de 1978(ibid., p. 22).

Segundo dados do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), sua população somava 13.350 indivíduos em 2014, os quais vivem em sua maioria nas margens do médio rio Amazonas, região fronteiriça dos estados Amazonas e Pará. O território Sateré-Mawé, que 22 Os Munduruku, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), estão atualmente divididos pelos estados do

Amazonas, Mato Grosso e Pará. Em sua maior parte, habitam a Terra Indígena Munduruku às margens do rio Cururu, afluente do Tapajós, no estado do Pará. Em 2010, segundo a Fundação Nacional de Saúde(FUNASA), somavam aproximadamente 12 mil falantes.

23 A população Mura, no ano de 2010, era de aproximadamente 16 mil falantes(FUNASA). Segundo dados do

Instituto Socioambiental(ISA), hoje habitam, majoritariamente, as Terras Indígenas localizadas às margens dos rios Madeira, Amazonas e Purus, embora haja indígenas Mura vivendo em centros urbanos amazonenses como Manaus, Autazes e Borba.

teve os processos de demarcação e homologação concluídos no ano de 1988, corresponde às terras indígenas Andirá-Marau, onde parte majoritária da população está localizada, e Koatá- Laranjal. A primeira compreende as áreas Andirá, Marau e Waikurapá, de responsabilidade administrativa dos municípios de Parintins, Barreirinha e Maués, respectivamente. Juntas, as terras indígenas Andirá-Marau e Koatá-Laranjal, de responsabilidade do município de Nova Olinda do Norte, equivalem a 788.528 hectares.

Avalia-se, entretanto, que 11% da terra indígena Andirá-Marau coincida com o Parque Nacional da Amazônia, onde se tem registros da entrada de posseiros, bem como da realização de atividades ilegais como caça, pesca e exploração de produtos minerais e florestais. Na área do Waikurapá, mais especificamente, a extração ilegal de madeira tem causado desgastes ambientais significativos24.

As imagens, a seguir, ilustram as terras indígenas Andirá-Marau e Koatá-Laranjal. Imagem 4: Região dos rios Andirá e Waikurapá.

Fonte: Teixeira (2005, p. 19).

Imagem 5: Região dos rios Marau-Urupadi.

Fonte: Teixeira (2005, p. 20).

2.4.2 Sateré-Mawé e sua Língua

A língua Sateré-Mawé, de acordo com Rodrigues (2002, p. 35), é membro único da família Mawé, constituinte do tronco linguístico Tupi. Da população de 13.350 indivíduos (CGTSM, 2014), não se sabe, ao certo, quantos ainda são falantes. Teixeira (2005), em uma pesquisa sociodemográfica realizada nos anos de 2002 e 2003, mostra que a perda linguística em algumas sub-regiões já era grande. Ele revela que, na sub-região do Marau (Barreirinha), a quantidade de falantes sateré-mawé era de 87,47% contra 12,53% de não falantes, e na sub- região do Koatá-Laranjal (Nova Olinda do Norte), a proporção era de77,7% de falantes para 22,3% de não falantes. Nas sub-regiões do Andirá (Parintins) e do Waikurapá (Maués), tínhamos as seguintes situações: 73,5% de falantes contra26,5% de não falantes, na primeira sub-região, e65,7%de falantes contra34,3%de não falantes na segunda.

A realização de uma pesquisa sociodemográfica recente é extremamente necessária para que se saiba a situação real da língua Sateré-Mawé no que concerne à perda/ganho de falantes. O que se sabe, entretanto, é que a perda linguística é maior nas comunidades mais próximas dos centros urbanos, devido à facilidade do deslocamento e, por conseguinte, do contato desses indígenas com a língua Portuguesa. Logo, é necessário atentar-se para o fato de que a apropriação do Português pelos Sateré-Mawé, concomitantemente à recusa de sua língua materna, pode levar ao apagamento linguístico e cultural desse povo em pouco tempo. Nos termos de D’Angelis(2005, p. 9),

Quando o bilinguismo [...] deixa de ser uma necessidade coletiva do grupo indígena e chega a se tornar uma necessidade de praticamente todos os indivíduos de uma comunidade, então se está diante de uma situação irreversível de avanço da língua portuguesa sobre os espaços da língua indígena.

A situação descrita por D’Angelis ainda não é a vivenciada majoritariamente pelo povo Sateré-Mawé. Nesta perspectiva, em defesa de sua preservação e perpetuação linguística e cultural é que são voltados os estudos inseridos no projeto Aspectos Morfossintáticos da Língua Sateré-Mawé, coordenado pela Profa. Dra. Dulce do Carmo Franceschini. Atualmente pesquisadora e docente na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)25, Franceschini

defendeu em 1999 a tese La langue Sateré-Mawé: description et analyse morphosyntaxique, fruto de seu doutoramento na universidade francesa Paris VII - Denis Diderot. Neste trabalho, apresenta uma proposta de descrição e análise morfossemântica-aspectual dos nomes, pronomes e verbos da língua Sateré-Mawé. Nos últimos anos, publicou diferentes artigos acerca desse sistema, entre eles: A Voz Inversa em Sateré-Mawé, em 2002; Os Valores da Voz Média em Sateré-Mawé, em 2007; As posposições em Sateré-Mawé e Incorporação do Objeto em Sateré-Mawé, em 2009; Estrutura actancial em Mawé (Tupi) e A orientação e o aspecto verbal em Sateré-Mawé, em 2010; Processos de nominalização em Mawé, em 2011; entre outros26.

Os resultados de sua pesquisa de doutoramento possibilitaram, ainda, a elaboração de uma gramática monolíngue, Sateré-Mawé pusu ag̃kukag̃, publicada em 2005 e entregue às escolas da comunidade por intermédio da Organização dos Professores Indígenas dos Rios Andirá e Waikurapá (OPISMA). Além da gramática, Franceschini coordenou, no período de 2004 a 2008, a elaboração de um dicionário temático monolíngue, cuja publicação ainda não 25A Universidade Federal da Fronteira Sul(UFFS)está localizada em Chapecó, município de Santa Catarina. 26Os estudos sobre o Sateré-Mawé, listados nessa seção, não esgotam as pesquisas a respeito dessa língua.

está prevista. Ambas as produções, da gramática e do dicionário, contaram com a colaboração ativa de professores indígenas.

Os primeiros estudos sobre a língua Sateré-Mawé, entretanto, surgiram na década de 70. O primeiro, intitulado Assinalamento fonológico das unidades gramaticais em Sateré, é de autoria de Albert Graham e Sue Graham, publicado em 1978. Em seguida, Albert Graham, Sue Graham e Carl H. Harrison descreveram os Prefixos pessoais e numerais da língua Sateré-Mawé. Em 1997, Márcia Suzuki propôs um estudo sobre o sistema dêitico dessa língua.

Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e sob a orientação de Franceschini, foram defendidas as seguintes dissertações de Mestrado: A Interrogação em Sateré-Mawé, em 2011, Construções Negativas em Sateré-Mawé, em 2012, e Conectores de Enunciados em Sateré-Mawé, em 2014. Spoladore (2011) apresenta uma proposta de descrição e análise morfossemântica do sistema interrogativo do Sateré-Mawé, mais especificamente de suas partículas e proformas interrogativas simples e complexas. Carneiro(2012), em seguida, traz uma proposta de descrição e análise dos mecanismos morfossintáticos empregados em enunciados negativos. Peixoto (2014), por sua vez, contempla uma proposta de descrição e análise de unidades linguísticas que funcionam como conectores de enunciados nesta língua. Além destes, foram desenvolvidos os seguintes estudos: Negação e Focalização em Sateré- Mawé, por Carneiro e Franceschini (2015); Proformas Negativas em Sateré-Mawé, por Carneiro e Franceschini (2016); As Proformas Interrogativas da Língua Sateré-Mawé, por Franceschini e Spoladore(2016); bem como Proformas Negativas e Interrogativas em Sateré- Mawé, por Carneiro e Spoladore(2017).

Documentos relacionados