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Segundo a reforma de 1911, o ensino primário dividia-se em três graus: o elementar, o complementar e o superior. O elementar era “obrigatório para todas as crianças de ambos os sexos de idades compreendidas entre os sete e os catorze anos e facultativo para os

restantes escalões”1. Atentemos na descrição de Rómulo de Carvalho:

“o ensino primário elementar tinha duração de três anos, dos sete aos nove; o objetivo do seu ensino incluía a Leitura, a Escrita, noções de Geografia, Moral

Prática, Educação Social, Económica e Civil [terminada a escolaridade obrigató-

ria de três anos de ensino primário elementar era necessário o aluno ser apro- vado em exame]; o ensino primário complementar tinha a duração de dois anos, dos dez aos doze; aí se continuaria o estudo das disciplinas da fase ele- mentar, com mais desenvolvimento e com alguns acréscimos apropriados à sa- tisfação do objetivo de preparar os alunos para exercer qualquer profissão”.

O curso, como refere A. Henriques Carneiro, visava a formação pessoal dos jovens, com um sentido essencialmente prático, tendo por objetivo a preparação para ingresso numa carreira profissional. Contudo, também abriria a possibilidade de acesso a outros níveis de instrução, “o que constituía uma grande vantagem, por facilitar a progressão nos

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estudos aos que, devido a reduzidas disponibilidades económicas, estavam impossibilitados

de frequentar os liceus, que só existiam nos maiores centros urbanos do País”1.

Segundo o mesmo autor o projeto relativo ao ensino primário superior só foi estrutu- rado em 1918, com a elaboração de um Regulamento das Escolas Superiores. Porém, o ensino primário superior só foi verdadeiramente assumido em 10 de maio de 1919, com a publicação do Decreto n.º 5787-A. Salienta A. Henriques Carneiro que “com este decreto, passou o País a dispor de um tipo de ensino inteiramente novo, com base no princípio de que era necessário facultar mais cultura aos que completavam o ensino elementar e não

tinham a possibilidade de ingressar no ensino liceal”2. Apesar do mérito da iniciativa, o

Ministro António Sérgio, em janeiro de 1924, vai extinguir estas escolas.

A Voz da Oficina publicava em 16 de novembro de 1919 um artigo intitulado “Viseu

pode ser um grande centro de educação geral”3 referindo-se à criação na cidade da Escola

de Ensino Primário Superior. Neste artigo, escrito pela pena de Pais Gaudêncio, o autor admite que os governos da República,

“compenetrados que um povo só medra quando instruído, tem feito alguma coisa no sentido de o instruir, já criando milhares de escolas oficiais, já organi- zando em várias partes escolas móveis, escolas primárias superiores. Não é tu-

do porém”4.

De facto, fica expressa, na opinião deste republicano, que a escola primária superior, entre outros investimentos, é um contributo relevante, na medida em que, citando as suas palavras:

“Efetivamente, nós podemos fazer da terra de Grão Vasco, berço de D. Duarte, o cérebro sublime do vasto distrito”. Contudo, o mesmo artigo refere também a importância que teria para as gentes de Viseu “uma escola de aperfeiçoamento agrícola”.

De facto, o ensino primário superior seria uma excelente alternativa de prossegui- mento de estudos aos jovens das classes trabalhadoras que não poderiam frequentar os liceus.

1 A. Henriques Carneiro e Serafim Amaro Afonso, A Inspeção do Ensino em Portugal, 2008, p. 394. 2 Idem, ob. cit., p. 395.

3 [Pais Gaudencio], “Viseu pode ser um grande centro de educação geral”, A Voz da Oficina, n.º 1150, 16 de novembro de 1919, p. 3, c. 1-2.

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CAPÍTULO 3. OS PROFESSORES, ENTRE UM PAPEL CENTRAL E O ESQUECIMENTO

Os grandes mentores, os pais espirituais da nova geração são os professores […]. Saúdo-vos com emoção. A pátria contra convosco, a minha autoridade é a vossa1.

“O homem vale, sobretudo, pela educação que possui”2 – principia assim o preâmbulo

do Decreto de 29 de março de 1911 que atribui à educação uma importância fundamental. De facto, como afirma Maria Cândida Proença, “o grande ideal republicano seria a educação para todos sem distinções como elemento indispensável ao ressurgimento nacional que a

obra de regeneração da república pretendia realizar”3.

Para alcançar tal desiderato era necessário ter professores capazes de cumprir esses objetivos. De facto, entre as preocupações da I República, tal como salienta a referida autora, conta-se a “formação de professores e a melhoria do seu estatuto socioprofissio-

nal”4, pois, “um dos aspetos mais visíveis dessa preocupação residiu no estímulo concedido

à formação de professores, tanto a nível primário como secundário”. Assim, segundo a referida historiadora, os republicanos “criaram as faculdades de letras e as escolas normais superiores, destinadas a preparar para a docência do ensino secundário. A nível do ensino primário, também se procurou uma melhoria da formação dos docentes pela introdução de disciplinas como pedagogia geral, metodologia do ensino primário e pedologia”.

Todavia, a preocupação com a formação de professores não visava apenas a elimina- ção dos analfabetos: o grande objetivo da I República era a formação do “homem novo

republicano”5. Como salienta António Nóvoa, durante a I República, a escola vai tornar-se

em Escola-Templo. O docente vai ser digno de consideração social e ele “beneficiará do

1 Palavras dirigidas pelo primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, aos participantes do 3.º Congresso Pedagógico, 1912 (António Nóvoa, Le temps des professeurs […], vol II, 1987, p. 531.)

2 Direção Geral da Instrução Primária, Decreto n.º 9223 de 29 de março de 1911, p. 3. 3 Maria Cândida Proença, A República e a regeneração pela educação, 2010, p. 1. 4 Maria Cândida Proença, A educação, 2009, p. 183.

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mesmo respeito que o padre e o magistrado”1. O professor primário vai intervir em todas as

manifestações da vida local, ele deve funcionar como uma espécie de mediador (ou regula- dor) da atividade social.

Assim, era necessário formar professores republicanos, professores capazes de formar cívica e culturalmente os cidadãos da República. Nessa medida, Maria Cândida Proença salienta que, “entre 1910 e 1918, não se procedeu a uma reforma de fundo nas antigas escolas normais herdadas da monarquia. As alterações conjunturais efetuadas visavam sobretudo objetivos políticos – formar professores republicanos – e não tanto introduzir mudanças profundas de orientação científica na formação de docentes”.

Como se sabe, no Decreto de 29 de março de 1911, são enunciadas as grandes opções ideológicas, políticas e organizacionais para a educação republicana: “os jovens devem ser educados na fidelidade à república, fidelidade, aliás, que vai ser exigida durante todo o período republicano aos funcionários públicos incluindo, portanto, professores e inspeto-

res”2. A este propósito, como salientam A. Henriques Carneiro e Serafim Amaro Afonso, foi

publicado em novembro de 1913 o Decreto n.º 236 que estabelecia que os funcionários dependentes do Ministério da Instrução Pública deviam assinar uma declaração de fidelida-

de, conforme o texto que se transcreve:

“Eu… juro pela minha honra, como cidadão e como funcionário, que defenderei a pátria e a República, consubstanciada na sua Constituição e nas suas leis, e servirei com zelo e fidelidade, cumprindo as ordens legais dos meus superiores, fazendo-me obedecer e respeitar pelos meus subordinados, segundo a mais se- vera disciplina, observando e fazendo observar os direitos e deveres de cada um, e procurando por todos os meios ao meu alcance acrescentar a glória da

Pátria e da República. E para firmeza de tudo assim declaro”3.

De facto, como refere António Nóvoa os diferentes regimes políticos consideraram “o

controlo da educação como uma questão vital para a sua sobrevivência e reprodução”4.

Assim, a Monarquia, a 1.ª República e o Estado Novo vão exigir aos professores a assinatura de uma declaração de fidelidade.

A este propósito o historiador citado salienta que um dos traços mais característicos do comportamento dos professores primários - traço particularmente visível no princípio do século XX, dada a sucessão de 3 regimes políticos distintos – é a “aceitação passiva da ordem estabelecida e das ideias sociais e políticas dominantes”. Assim, com poucas exceções, “os

1 António Nóvoa, Le temps des professeurs […], vol II, 1987, p. 607.

2 José Fernando Flores Andrade, Subsídios para a história da Inspecção Educativa […], 1995, p. 71. 3 A. Henriques Carneiro e Serafim Amaro Afonso, A Inspeção do Ensino em Portugal, 2008, p. 76. 4 António Nóvoa, Le temps des professeurs […], vol II, 1987, p. 610.

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professores foram monárquicos até 1910, republicanos de 1910 a 1926 e nacionalistas depois de 1926, dito de outro modo, estiveram sempre de acordo com o regime político

vigente”1.