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Se animais são sujeitos de uma vida, qual o seu status moral?

“Vivemos numa época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha aprendido a dominar- se a si mesmo.” (Albert Schweitzer)

Abordaremos nesta sessão a questão principal de que, se aceitamos que animais não humanos devem ser considerados eticamente, qual seria o seu status moral?. Procuraremos investigar, com base na teoria de Regan e de outros autores, se o tratamento dispensado por nós aos animais levanta problemas morais relevantes ou não; se os seus interesses têm importância em si mesmos, ou somente na medida em que afetariam os sentimentos ou interesses dos humanos etc.

Antes de tudo, pensamos que deve existir um modo de coadunar as necessidades que a humanidade colocou pra si através dos tempos com o respeito por outras espécies; somos inteligentes o bastante para notar que para ter alguma qualidade de vida é preciso manter nosso estilo de vida em equilíbrio com a preservação do meio ambiente. Isso tem se mostrado claramente nas preocupações dos governos mundiais com a saúde das pessoas, devido ao surto de obesidade e diversas doenças em muitos países; com a mídia sempre focando o consumo de produtos “saudáveis” e “sustentáveis”, bem como no enfoque de alguns filósofos, embora de modo bem elementar – como é o caso de Hans Jonas e sua ética da responsabilidade –, em uma preocupação com a preservação.

Consideramos aqui que, enquanto uma parte massiva da população não começar a se perguntar sobre qual é a real necessidade da crueldade a animais, continuará instalada a cultura da negação e da ignorância, em que aquela constatação ressaltada por Marc Bekoff é mais válida que nunca: é mais fácil explorar animais tendo em mente que eles são coisas insensíveis, e assim seguir a vida tranquilamente. O problema é que este nunca é um caminho tranquilo, pois sempre nos depararemos com a lacuna do desmatamento; da poluição; da obesidade; da desigualdade e de diversos dilemas morais.

Por isso é importante tomar conhecimento sobre a verdade por trás do tratamento dispensado aos animais em galpões, instalações rurais de criação de em grande escala; laboratórios e assim por diante; e averiguar se este tratamento é o melhor que pode ser-lhes dado.

Precisamos reavaliar os critérios de atribuição de valor e cuidado moral aos quais estamos limitando os animais não humanos atualmente, e enxergar claramente sua relação conosco para que uma postura verdadeiramente ética seja assumida; não sendo necessário

convivermos com eles, termos bichos de estimação ou sermos doadores de ONGs, basta que os tratemos com o devido respeito. Em outras palavras: é preciso reconhecer o estatuto moral dos animais, e só podemos fazer isso de forma não tendenciosa se deixarmos de lado a cisão extrema entre o que consideramos valoroso na vida do animal humano versus não humano, não ignorando que o último possui uma vida rica em emoções e senso de autopreservação. Bekoff nos diz que:

(...) depois que concordarmos com o fato de que as emoções animais existem e são importantes – coisa em que muitas pessoas já acreditam –, qual é o próximo passo? Precisamos levar em conta a ética. Temos de analisar as nossas ações e ver se elas estão de acordo com os nossos conhecimentos e nossas crenças. Eu tenho plena convicção de que a ética deve sempre servir de base para a ciência. Devemos sempre nos empenhar para fundir conhecimento, ação e compaixão. Na verdade, esse é sempre o cerne (ou o coração) da questão. (BEKOFF, 2010, p. 29)

Portanto, devemos estabelecer uma ética que alcance também a vida animal e a partir disso regulamentar deveres morais. Regan defende que os animais sejam pacientes morais e, por um viés abolicionista, afirma que toda e qualquer crueldade com animais é injustificada e, portanto, deve ser evitada.

A caracterização que Regan faz do estatuto dos indivíduos titulares de direitos morais incide principalmente naquilo que representa a sua posse de direitos negativos. Segundo o autor, possuir esses direitos significa ter uma espécie de escudo moral protetor, algo que podemos imaginar como um sinal invisível de “Proibido Transgredir”38, o qual serve como uma marca, uma máxima de orientação para tudo aquilo que não podemos fazer aos titulares de direitos, humanos ou não humanos.

A ideia central do autor com essa atribuição é a de que violar os direitos dos indivíduos para alcançar quaisquer benefícios que lhes sejam alheios ou com finalidades egoístas é absolutamente errado. Trata-se de um direito prima facie, afirma Regan, bem como o direito a não ser prejudicado. Esta concepção dos direitos relaciona-se com o caráter absoluto do valor inerente que atribui aos sujeitos de uma vida. Temos assim, enquanto agentes morais, o dever de não condicionar, limitar ou extinguir suas vidas para nosso benefício. Segundo Regan, os pacientes morais detêm em si mesmos um valor que nos obriga a respeitá-los diretamente; e esse valor deve ser correspondente ao conceito de valor inerente.

38 “Possession of […]negative moral rights[…] confers a distinctive moral status on those who have them. To possess these rights is to have a kind of protective moral shield, something we might

Como já fora discutido, de acordo com Regan, a única forma de poder definitivamente superar falhas éticas que não apresentam distinções entre agente e paciente moral (a exemplo da deontologia kantiana), é admitir que esta diferenciação é necessária para preencher tais lacunas. São aqueles indivíduos que Regan demonstra que são capazes de vivenciar o efeito benéfico ou prejudicial dos atos morais de outros a despeito de poderem agir de acordo com princípios morais, ou seja, os humanos não paradigmáticos (aqueles que não possuem ou estão incapacitados de algo que é “paradigmático” em um ser humano: raciocínio lógico e linguagem, por ex.) e animais não humanos, que o autor denomina pacientes morais.

Fica claro, a partir da conceituação de Regan de valor inerente, direitos negativos, e da diferenciação entre agentes e pacientes morais, que os animais não humanos considerados sujeitos de uma vida possuem o estatuto de pacientes morais, merecendo, portanto, nosso respeito e consideração enquanto agentes morais.

3 ÉTICA DO ANIMAL NÃO HUMANO? NÃO, PARA ELE

“A ética, no mundo ocidental, até agora se limitou às relações entre os homens. Mas essa é uma ética limitada. Precisamos de uma ética sem limites, que inclua também os animais. (...) Está chegando o tempo em que as pessoas ficarão impressionadas ao constatar que a raça humana existiu por tanto tempo antes de reconhecer que o ato impensado de causar mal à vida é incompatível com a verdadeira ética. A ética, em sua forma não restrita, estende a responsabilidade a tudo o que tem vida.” (Albert Schweitzer)