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2.1. Qualidade na Administração Local

2.1.3 Sector Público versus Sector Privado

O Estado, subjacente às suas funções, está presente na vida das pessoas e no seu quotidiano. Hoje as pessoas são mais exigentes e mais conscientes dos seus direitos e dos seus deveres, numa só palavra, as pessoas exigem mais qualidade.

Este conceito tem sido definido como o somatório de características e propriedades de um produto ou serviço, que se baseiam na sua capacidade de satisfazer necessidades explícitas ou implícitas dos clientes (Vorley, 1993). O cidadão/cliente é, pois, o tema central da Administração Pública, é o centro das actividades dos serviços e o juiz da qualidade (Corte-Real, 1995).

São muitas as inovações e importações do sector privado já introduzidas ao nível da qualidade, mas será que estas são de grande significado e importância para o cidadão? Será que respondem de facto às suas necessidades e expectativas? Cada serviço tem de saber olhar para as necessidades e as expectativas dos seus próprios clientes. Diminuir prazos de resposta, recuperar atrasos, informar e atender com cortesia são necessidades a responder (Corte-Real, 1995), mas há que evitar a tentação de organizar a prestação de serviços em função daquilo que se pensa que o cliente deseja e responder, antes, às verdadeiras necessidades manifestadas pelo cidadão, cliente dos diversos serviços.

Muitas vezes se tem defendido que os princípios e conceitos relativos à qualidade são aplicáveis às empresas privadas e não à Administração Pública. Contudo, na Administração Pública não só é possível como necessário (Corte-Real, 1995). Azevedo (2007) refere que a Administração Pública padece das mesmas pressões e dos mesmos desafios das organizações privadas, sendo imperioso a reconversão de métodos de gestão e de funcionamento, assim como dos sistemas de legitimação e dos princípios de legitimação.

Caupers (2001, p.116) define os serviços públicos como as “estruturas organizativas encarregadas de preparar e executar as decisões dos órgãos das pessoas colectivas que prosseguem uma actividade administrativa pública”. Por sua vez, Neves (2002, p. 274), considera que o serviço público é o “organismo da Administração Pública cuja acção permite a disponibilização de um produto dirigido à colectividade pelo Estado” e acrescenta que o serviço é a “estrutura da organização responsável por uma função ou papel específico; ou resultado da acção de uma organização (produto), traduzido num

valor incorpóreo; tipo de produto da acção que não se traduz num bem enquanto realidade física”.

Desde já, convém referir que os serviços são ideias e conceitos, enquanto que os produtos são objectos (Fitzsimmons, 2000). Como um produto pode ser tocado e visto, é mais fácil avaliar a sua qualidade. Num serviço, pela sua dimensão intangível, é mais difícil avaliar a sua qualidade, por toda a carga subjectiva que este encerra em si mesmo.

Grõnroos (1995) resume a diferença entre os produtos e os serviços do seguinte modo:

PRODUTOS SERVIÇOS

Tangível Intangível Produção e distribuição separadas do

consumo

Produção, distribuição e consumo são processos simultâneos

Um produto Uma actividade ou processo

Valor principal produzido em fábricas Valor principal produzido nas interacções

entre comprador e vendedor Clientes normalmente não participam do

processo da produção

Clientes participam na produção

Pode ser mantido em stock Normalmente, não pode ser mantido em stock

Tabela 1: Produtos versus Serviços (Fonte: Grõnroos, 1995)

Se no sector privado as empresas escolhem o seu nicho de mercado e definem a sua própria clientela, no sector público o problema é mais bem complicado (Rocha, 2006).

Numa perspectiva do serviço público, associado ao governo multi-nível, Azevedo (2007, p. 280), descreve o serviço público como o que decorre de “qualquer instituição, organização de serviço ou sistema, sob direcção política e controlada por um governo eleito (nacional, regional ou local)”. E acrescenta que, as organizações públicas não estão tão expostas ao mercado para reduzir custos e aumentar a eficiência, pois incorrem, sobretudo, em restrições legais e regulamentares. Porém, são vulneráveis a influências políticas dos partidos e dos grupos da oposição e, ainda, à pressão dos cidadãos que cada vez mais são mais exigentes. Além do mais, também estão presentes relações de poder que implicam aceitação do pluralismo e a necessidade de concertação social e política, além das suas decisões estarem submetidas ao controlo e fiscalização da opinião pública. Remata a sua opinião referindo que as organizações públicas se demarcam pela multiplicidade e complexidade dos objectivos e nas relações de autoridade.

Embora a qualidade seja um instrumento para tratar as questões do desempenho da organização e da receptividade aos clientes e cidadãos, na verdade a esfera pública e a esfera privada servem objectivos diferentes e seguem lógicas diferentes: as empresas procuram o lucro, a administração pública serve o cidadão (Carapeto e Fonseca, 2006).

De forma sucinta, poder-se-á apresentar um quadro comparativo das principais características do sector público e do sector privado:

Factores de

comparação Sector Privado Sector Público

Organizações Concorrem entre si para conquistar e fidelizar clientes A concorrência é pontual e pouco significativa

Mercado Os preços e a qualidade são regulados pelo mercado e pela concorrência

O Estado oferece os serviços possíveis para responder às necessidades do cidadão e da sociedade

Objectivos Tem como fim a venda dos produtos e serviços

Tem como fim a distribuição de benefícios e de bem-estar social para os cidadãos

Preço Os produtos e serviços são

habitualmente trocados por dinheiro

Os serviços públicos são, regra geral, gratuitos e têm retorno através dos impostos

Tabela 2: Sector Público versus Sector Privado (fonte: Lindon et al., 2000)

Não obstante diferentes aspirações e missões, os gestores do sector público ou do sector privado precisam de conhecer muito bem a organização, a sua área de actuação e os seus clientes, para nortearem a sua actuação e tomarem decisões estratégicas no sentido de satisfazerem as necessidades e expectativas dos seus clientes. Porém, muitas vezes são descoradas as questões da qualidade, ora por omissão (sobretudo no sector público) ora por transgressão (mais em voga no sector privado).

A solução não passa por transformar as organizações públicas em organizações semelhantes às organizações privadas. Não se pode correr o risco, como refere Rocha (2006), da qualidade nos serviços públicos consistir num transplante do mundo dos negócios, pois nem sempre os transplantes são bem sucedidos, podendo ser rejeitados. Portanto, há que conceber um outro modelo de gestão da Administração que constitua uma “terceira via” (tape management) entre o modelo burocrático e o modelo gestionário (Mozzicafreddo, 2001; Rocha 2001). Trata-se de adoptar um modelo de gestão que trate as questões da eficiência e da eficácia (como acontece na gestão empresarial), mas também a legalidade, a igualdade, a proporcionalidade e a legitimidade.

Se o objectivo das empresas é maximizar o lucro, logo, os diferentes níveis de gestão terão que saber qual o nível de produção, de vendas e de cobranças que lhes permite cumprir essa meta. E no sector público, qual o objectivo? Como se devem comportar os gestores públicos e os eleitos?

É crucial que, independentemente do modelo adoptado, se substitua a lógica centrada no cumprimento estrito de procedimentos por uma lógica centrada no cidadão, de modo a que seja possível pôr em prática uma Administração receptiva à cidadania (Carapeto e Fonseca, 2005). Pois, o sector público tem tido algumas dificuldades em medir os resultados e a eficiência, já que prossegue objectivos que não são convertíveis em lucro. Além disso, em muitos casos não existe sequer consenso sobre as medidas a adoptar. No sector público o objectivo último não é a obtenção de lucro a todo o custo, mas sim a satisfação dos seus clientes (Corte-Real, 1995) e, em última análise, dos contribuintes em geral.

Os cidadãos não podem ser reduzidos a meros consumidores, e muitos dos problemas da Administração Pública radicam precisamente na imitação da gestão empresarial, já que se assume que as actividades podem ser separadas umas das outras e autonomizadas, e que o desempenho pode ser medido através dos objectivos prosseguidos (Rocha, 2001). De facto, os serviços públicos são geridos de forma diferente, embora evoquem os mesmos princípios. No sector público, as decisões são coercivas (podem ser impostas pelo Estado), o que restringe a forma como o público pode ser visto como cliente ou consumidor. Além do mais, estes clientes não têm poder de escolha, isto é, não podem recorrer a outra organização, estando dependentes daquele serviço. Por outro lado, os gestores públicos têm diferentes formas de responsabilidade, visto que respondem perante o poder político e o público (enquanto que os gestores empresariais apenas respondem perante os accionistas).

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