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A origem dos sedimentos da Ria de Aveiro é diversa, provindo essencialmente dos cursos de água que afluem à laguna. O montante do caudal sólido drenado pelo sistema fluvial para a laguna atinge em ano médio cerca de 250 000m3, repartidos por 50 000m3 de areias e 200 000m3 de

sedimentos finos (silte e argila) (Teixeira, 1994, 1995), sendo os rios Vouga e Antuã responsáveis pelas maiores contribuições (Teixeira, 1994, 1995; ModelRia, 2003). Outras fontes sedimentares incluem a erosão do espaço intralagunar (ressuspensão dos sedimentos do leito e das planícies intermareais), a escorrência superficial das margens e a plataforma adjacente. A transferência de sedimentos do cordão litoral para a laguna, através da barra, por galgamentos do cordão ou por transporte eólico, constitui outra contribuição certamente menos relevante que o débito sólido descarregado pelas linhas de água (Teixeira, 1994).

Materiais de origem antropogénica (produtos químicos e matéria orgânica), provenientes das descargas industriais (fábricas de pasta de papel localizadas junto aos rios Caima e Vouga, complexo industrial de Estarreja e fábricas de tratamento de superfície próximas do Rio Águeda), dos esgotos domésticos e das descargas das actividades agrícola e pecuária, integram igualmente os sedimentos e podem existir em quantidades significativas nas zonas próximas das descargas dos efluentes. A contribuição biogénica (matéria orgânica e organismos siliciosos e carbonatados), resultante da produtividade dos rios, da laguna e do oceano, ainda que reduzida, pode local e sazonalmente tornar-se considerável.

Em termos texturais, os sedimentos de fundo do canal integram areias médias a finas, bem a moderadamente calibradas (Teixeira, 1994; Rocha et al., 2000), siltes grosseiros, mal calibrados e negativamente assimétricos (Teixeira, 1994) e um conteúdo variável em matriz argilosa (Rocha et al., 2000; EICOS, 2001), que, regra geral, não ultrapassa 20% da fracção fina (Teixeira, 1994).

A carta de sedimentos de fundo da Ria de Aveiro elaborada por Duarte et al. (2003), com base na amostragem efectuada no decurso do Projecto EICOS (2001), põe em evidência a variabilidade granulométrica existente ao longo e nos diferentes canais da laguna (Fig. 5.12). Junto aos bancos côncavos dos canais de Mira, Ílhavo e Ovar verifica-se dominância de areias grosseiras e mal seleccionadas (Rocha et al., 2000; EICOS, 2001). No Canal de Ovar predominam argilas arenosas, micáceas, com baixo conteúdo orgânico.

Nalguns canais secundários, junto à desembocadura de cursos de água predominam areias bioclásticas, médias a finas, moderadamente calibradas, com matriz argilosa micácea (Rocha et al., 2000; EICOS, 2001). Os sedimentos tornam-se progressivamente mais finos com o aumento da distância à embocadura (Vicente, 1985; Teixeira, 1994; Silva, 1994), observando-se os teores mais elevados (em finos) a montante nos canais de Ílhavo e de Ovar, no Largo do Laranjo e no Largo da Coroa, nas zonas dos bancos intertidais junto à Torreira e canal da Murtosa e em vários locais do Canal de Mira, enquanto os valores mais baixos encontram-se nas zonas mais próximas da embocadura e no Rio Vouga (EICOS, 2001) (Fig. 5.12).

Os registos de Sonar Lateral e a classificação granulométrica dos sedimentos de fundo do Canal de S. Jacinto e da parte sul do Canal de Ovar até ao Muranzel, permitiram a Freitas (1999) identificar gradientes sedimentares, caracterizados por partículas de reduzidas dimensões junto às margens dos canais e por sedimentos de maior granulometria (>1 mm) na região central. Os resultados obtidos por este autor indicam que os sedimentos das zonas onde se localizam as estações 2 e 3 do presente trabalho são constituídos por partículas de granulometria variável que vão desde a areia grosseira (mediana 0,85 Φ) com um teor em finos inferior a 1%, até a vasas constituídas por mais de 75% de finos (mediana 4,5 Φ).

As planícies de maré, individualizadas em planície intermareal inferior e planície intermareal superior, de acordo com os níveis de baixa-mar e preia-mar (em regime de marés vivas), possuem uma litologia variada, sendo possível dividir a planície inferior em 3 subzonas: arenosa, mista e lutítica (Corrochano et al., 1997). A planície arenosa é caracterizada por areias médias a finas, bem calibradas, com conteúdo variável em argila e clastos da dimensão da areia grosseira e com alto teor em bioclastos. Ocorrendo em bandas contínuas paralelas ao canais, as planícies arenosas, apresentam maior desenvolvimento no Canal de Mira, onde, em períodos de baixa-mar, se torna o subambiente dominante.

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3 Muranzel

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2 Bico do Pargal

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1 Barra

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4 Forte da Barra

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5 Rebocho

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6 Friopesca

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7 Parrachil

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3 Muranzel

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2 Bico do Pargal

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1 Barra

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4 Forte da Barra

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5 Rebocho

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6 Friopesca

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7 Parrachil

Fig. 5.12 Carta dos sedimentos de fundo da Ria de Aveiro (Duarte et al., 2003), com a localização das estações de amostragem.

As planícies mista e lutítica são constituídas fundamentalmente por argilas siltosas e arenosas (areias finas a muito finas), muito micáceas, com clastos dispersos de areia média e com conteúdo orgânico dominado por restos de vegetais. Adquirem maior expressão na zona média e a montante dos canais de Ílhavo e Ovar, onde podem ocupar toda a área inundável. No Canal de Mira apresentam-se mais desenvolvidas em zonas mais largas ou em zonas protegidas do seu traçado meandriforme (Rocha et al., 2000; EICOS, 2001).

A análise mineralógica dos depósitos da planície intermareal inferior e do canal, realizada por Rocha et al. (2000) e EICOS (2001), revela que a fracção <63 µm é constituída por filossilicatos (essencialmente micas), quartzo, feldspatos, calcite e dolomite, para além de outros acessórios, tais como pirite, siderite, opala C/CT e anidrite. Os sedimentos do Canal de Ílhavo são os mais ricos em carbonatos, enquanto os do Canal de Mira e dos sectores mais meridionais do Canal de Ovar têm maior abundância em quartzo e feldspatos, sendo os sedimentos dos troços mais setentrionais do Canal de Ovar os mais ricos em filossilicatos. No que se refere à fracção <2 µm, a ilite constitui o mineral predominante em todos os sectores da laguna, embora no sector central a caulinite dispute à ilite o domínio na composição mineralógica da fracção argilosa, acompanhadas de vermiculite e de interestratificados irregulares de ilite-vermiculite, nos outros sectores a ilite é claramente dominante, ocorrendo associada à clorite e à ilite-clorite a norte e à esmectite e à ilite-esmectite a sul.

A distribuição dos minerais argilosos dos sedimentos superficiais da Ria de Aveiro estudada por Gomes e Delgado (1991) põem em evidência 4 zonas caracterizadas por associações minerais distintas (Fig. 5.13 e Tabela 5.2). As associações das zonas A e B reflectem a natureza dos materiais oriundos dos solos que revestem as zonas cristalofílicas e proterozóicas das bacias de drenagem, enquanto a zona C está de acordo com o acarreio proveniente das formações argilo- siltosas do Mesozóico. A zona D (onde se incluem as estações amostradas no presente trabalho) é o resultado da mistura das alimentações fluvial e marinha.

Tabela 5.2 Associações de minerais argilosos estabelecidas nos sedimentos recentes da Ria de Aveiro (Gomes e Delgado, 1991).

Zonas Associações mineralógicas

Zona A clorite + caulinite + ilite + interestratificados irregulares ilite-vermiculite e ilite-clorite + gibsite

Zona B caulinite + ilite + clorite + interestratificados irregulares ilite-vermiculite, vermiculite + “intergrades” vermiculite-hidróxido de alumínio + gibsite

Zona C ilite + esmectite + caulinite + interestratificados irregulares ilite-esmectite

Zona D ilite + caulinite + clorite + interestratificados irregulares ilite-vermiculite e ilite-clorite

O estudo da mineralogia dos sedimentos em suspensão nos rios e ribeiras que drenam para a laguna, efectuado por Gomes (1987), revela que a mica é o mineral dominante em todos os cursos de água (~40%), seguida da caulinite (~30%), do quartzo (~20%) e da clorite, que não excede os 15%, enquanto o teor em feldspatos não ultrapassa os 5% (Fig. 5.14).

Fig. 5.13 Distribuição zonal dos minerais argilosos dos sedimentos recentes da Ria de Aveiro (Gomes e Delgado, 1991).

A B

Gi – gibsite; K – caulinite; I-Mo – interestratificado ilite-montemorilonite; Mo – montemorilonite; I – ilite; ch – clorite; Mi-V – interestratificado mica-vermiculite; V – vermiculite; Mi – mica; Ca – calcite; K-F – feldspatos potássicos; Na,Ca-F – Feldspatos sódico-cálcicos; Q – quartzo.

Fig. 5.14 A – Localização das estações de colheita da carga sólida em suspensão nos rios que afluem à Ria de Aveiro; B – respectiva composição mineral, qualitativa e semi-quantitativa (Gomes, 1987).

5.4 Matéria particulada em suspensão