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2.1. As fases da PNATER

2.1.2. Segunda fase: organização e estruturação do sistema descentralizado

Logo após a publicação da primeira versão da política, um conjunto de medidas foram tomadas no sentido de viabilizar o novo sistema de ATER descentralizado. A gestão deste sistema ficou inicialmente a cargo do CONDRAF, de composição paritária, composto por 19 (dezenove) representantes do governo federal e 19 (dezenove) membros de organizações e entidades da sociedade civil organizada, entre os quais, integrantes dos órgãos representativos da extensão rural e da agricultura familiar; conforme o disposto no Decreto nº 4.854, de 8 de outubro de 2003, vigente à época.

Antes disso, já havia sido criada a Câmara Técnica de Assistência Técnica, Extensão Rural, Pesquisa e Capacitação, por meio da Resolução nº 02, de 29 de maio de 2000, depois alterada pela Resolução nº 11 de 22 de fevereiro de 2001, do então CNDRS. Em síntese, as competências já estavam dadas antes mesmo da implementação e as atribuições do DATER/SAF foram complementares às do CONDRAF. Nos estados, os CEDRSs/CEDRAFs foram encarregados pelo credenciamento das organizações de ATER e aos CMDRSs foram atribuídas responsabilidades no acompanhamento e controle social das atividades executadas pelas entidades prestadoras de ATER.

Após a definição das competências, o DATER tomou as providências necessárias para a elaboração do PRONATER, conforme determinação da PNATER, com a finalidade precípua de estabelecer as diretrizes norteadoras das ações operacionais das organizações que prestaram serviços de ATER no Brasil. O programa acolhe, para o ano que foi elaborado (2005), o nivelamento conceitual com a política; as parcerias estabelecidas; a construção dos programas estaduais; a formação de agentes de ATER, agricultores familiares e de quadros para a ATER setorial (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, aquicultores, extrativistas, jovens e mulheres trabalhadoras rurais) e a qualificação e ampliação dos serviços de ATER no

país. Contudo, ampla pesquisa e contatos realizados com o DATER pelo autor, permitem concluir que nenhuma outra versão foi elaborada até a presente data. Peixoto (2009) afirma que uma segunda versão chegou a ser cogitada durante a IX reunião do Comitê de ATER do CONDRAF, mas entre as resoluções do referido conselho disponíveis no sítio do conselho na internet, diga-se de passagem, atualizadas, não se encontra nenhum documento alusivo à outra versão posterior do PRONATER.

Esta versão foi publicada em 1º de março de 200527 integrando 4 (quatro) subprogramas: (1) formação de agentes de ATER, com o objetivo de formar agentes multiplicadores dos princípios e diretrizes da política para atuar nos estados na capacitação de técnicos e agricultores; (2) capacitação de agricultores familiares, com a finalidade de promover a capacitação de agricultores familiares, suas organizações e parceiros, destinando-se a apropriação de conhecimentos e tecnologias indispensáveis; (3) programas estaduais de ATER, como subprograma destinado à articulação com os setores estatais, de representação dos agricultores familiares e da sociedade civil organizada; e (4) ATER setorial, com o objetivo de estabelecer prioridades e propor mecanismos metodológicos apropriados à prestação de serviços de ATER para extrativistas, populações indígenas, quilombolas, mulheres, pescadores artesanais e aquicultores. Para cada subprograma e seus componentes, foram estabelecidas metas para o ano de 2005, conforme o Quadro 4.

Quadro 4. Subprogramas do PRONATER e suas metas.

Subprograma/Componentes Metas

Formação de agentes de ATER (quadros técnicos e agentes)

- Elaborar e disponibilizar 10 documentos temáticos de interesse dos eixos norteadores da PNATER, com conteúdos básicos para subsidiar a capacitação de técnicos;

- Integrar 200 estudantes das ciências agrárias e áreas correlatas (níveis superior e médio) na formação de agentes de ATER, com o sentido de aumentar a oferta de pessoal especializado na área.

- Apoiar a formação de 5.400 técnicos de ATER para ampliação e qualificação dos conhecimentos sobre a base conceitual agroecológica estabelecida pela PNATER.

- Capacitar 540 técnicos em metodologias participativas e agroecologia. - Ampliar ações de capacitação, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, na ação conjunta PRONAF Florestal, realizando a contratação de 5 projetos para capacitação de técnicos e agentes de ATER em atividades florestais no bioma cerrado.

- Apoiar a formação de 150 agentes de ATER em nível de especialização em Extensão Rural para o Desenvolvimento Sustentável.

- Apoiar a formação de 40 agentes que desenvolvem ações junto a comunidades de quilombolas.

- Apoiar a formação de 40 articuladores do crédito rural na agricultura familiar.

27 Disponível em http://www.cpac.embrapa.br/publico/usuarios/uploads/nap/orientacoes/09_mda_programa_

- Apoiar a formação de 40 agentes de extensão para atuar junto a populações indígenas, fundamentados nos preceitos da antropologia, garantindo a adaptação às diferenças étnicas e ao conhecimento tradicional.

- Apoiar 10 eventos de caráter regional, estadual e/ou nacional que visem à construção e socialização de conhecimentos em agroecologia.

- Apoiar intercâmbios de 270 técnicos e 270 agricultores para a troca de experiências e conhecimentos por meio de visitas a projetos que sejam referência em agroecologia.

- Promover 10 cursos sobre produção ecológica, para 400 técnicos. - Promover e apoiar 10 eventos de capacitação e elaboração de projetos sobre atividades florestais ─ manejo florestal de uso múltiplo e sistemas agroflorestais.

Capacitação de agricultores familiares

- Apoiar a capacitação de 67 mil agricultores familiares, a partir de projetos de capacitação desenvolvidos nos estados.

Programas estaduais de ATER

- Apoiar a elaboração e implementação de 27 programas estaduais de ATER.

- Apoiar ações articuladas em 95 territórios, visando à construção de redes de ATER.

- Apoiar programas de ATER com o atendimento de 1,6 milhão de beneficiários, durante o ano de 2005, em parceria com os estados e municípios.

- Estabelecer convênios nos 27 estados, junto às entidades estatais e não- estatais, para ofertar serviços de ATER, priorizando a alocação de recursos nas regiões Nordeste e Norte.

ATER setorial

Extrativistas

- Apoiar ações de assistência técnica e extensão rural a 10 mil agricultores familiares, em atividades florestais, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente.

- Apoiar a criação de uma rede de intercâmbio, divulgação e troca de informações entre as entidades e agentes de ATER que atuam na região Norte.

Indígenas

- Criar um cadastro das organizações e técnicos que trabalham com prestação de serviços de ATER para populações indígenas, com o objetivo de estabelecer redes para prestação de serviços, em parceria com o Programa para a Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do MDA. - Apoiar 6 projetos de ATER em terras indígenas, em parceria com o Programa para a Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do MDA. Quilombolas

- Apoiar ações de ATER para 100 comunidades quilombolas, em parceria com o Programa para Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do MDA.

Mulheres

- Desenvolver ações de assistência técnica e extensão rural para 40 mil mulheres, em parceria com o Programa para Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do MDA.

Pescadores artesanais e aquicultores

- Apoiar ações de ATER em atividades pesqueiras para 20 mil pescadores e pescadoras artesanais e suas organizações.

- Apoiar uma rede de extensionistas pesqueiros para troca de informações e experiências.

Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados disponíveis em Brasil (2005)

Outros importantes pressupostos do PRONATER foram as recomendações para as organizações de ATER pública, destinadas ao acolhimento de novos compromissos junto aos beneficiários. Nesta parte, o PRONATER estabeleceu os fundamentos a serem adotados pelas prestadoras de serviços de ATER públicas, assumidos como “termos de referência” para convênios, contratos, chamadas de projetos, pesquisa e capacitação celebrados com o MDA, no intuito de assegurar a prestação de serviços que atendam aos princípios e diretrizes da

PNATER. Nas recomendações, foram apreciados os fundamentos: institucional e organizacional; programático; metodológico; para o perfil e o papel dos extensionistas e agentes; e para a formação e capacitação.

No fundamento institucional e organizacional, referente as características das organizações públicas de ATER, foram consideradas as (a) diretrizes programáticas, (b) sistema de administração e gestão, (c) política de pessoal e (d) modelo operativo. As diretrizes programáticas determinam a observância às diretrizes do PRONATER. O sistema de administração e gestão dispõe sobre mecanismos de controle social e descentralização do processo decisório, através da participação dos beneficiários na definição, gestão, monitoramento e avaliação dos serviços prestados; e o estabelecimento de processos administrativos horizontais, flexíveis, complexos e interinstitucionais. A política de pessoal define a contratação de profissionais nas formações que garantam a multidisciplinaridade das ações, a ascensão funcional dos profissionais com base no desempenho e processos de capacitação continuados nas abordagens do PRONATER. Por fim, o modelo operativo propõe as organizações de ATER públicasa atuação em rede com outras organizações de ATER e de agricultores familiares; a complementaridade entre as organizações; a integração com os conselhos municipais, territoriais e estaduais de agricultura familiar ou de desenvolvimento sustentável; e a elaboração, implementação e gestão do programa de ATER de forma integrada ao Programa Estadual.

O fundamento programático determina a promoção de temas e conteúdos que atendam às diretrizes do programa, entre eles, a transição agroecológica; a articulação pesquisa- extensão-ensino-agricultores; a redução das desigualdades econômicas e sociais e valorização da cidadania; a criação de oportunidades e boas condições de trabalho; o incentivo à organização e participação das comunidades; a incorporação transversal das dimensões de gênero, geração, raça e etnia; e o respeito à cultura local. Também explicita a importância do trabalho em rede e sua natureza democrática, aberta e emancipatória.

O fundamento metodológico designa que os métodos de extensão rural, individuais, grupais e de massa28, devem ser desenvolvidos de forma a garantir o poder de interlocução dos beneficiários quanto aos objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação dos resultados; em um processo coletivo pautado na corresponsabilidade; potencializando as habilidades e capacidades dos beneficiários para atuarem com autonomia, prevendo ainda que a ação extensionista se

desenvolva a partir de diagnóstico e eleição de prioridades com a participação do público alvo da política.

Nos fundamentos para o perfil e o papel dos extensionistas e agentes, descreve o perfil dos profissionais como aqueles que conjugam habilidades para o planejamento participativo; visão holística e sistêmica; capacidade de análise e síntese; capacidade de liderança, respeitando as formas individuais e coletivas; conhecimento sobre desenvolvimento sustentável e instrumentos de fortalecimento da agricultura familiar; sensibilidade ao trabalho com os agricultores familiares; conhecimento e sensibilidade às questões de etnia, gênero, raça e geração, como elementos fundamentais para a promoção da igualdade; e valorização do conhecimento dos agricultores, com perfil aberto a mudanças relativas a conceitos, tecnologias e percepção da realidade, a partir da ação em conjunto. Quanto ao papel, estabelece que os extensionistas devem atuar como facilitadores do acesso ao conhecimento, recursos e para que participem das instâncias organizativas e de poder; que coloquem seus conhecimentos à disposição, buscando a adaptação dos conhecimentos e tecnologias; e que articulem as diversas fontes de conhecimento para torná-los mais acessíveis aos agricultores.

Por fim, nos fundamentos para a formação e capacitação, determina a formação para a transição dos agentes de ATER nos estados, levando em consideração os conceitos fundamentais da PNATER e a capacitação de agricultores familiares, com o uso das metodologias participativas.

A despeito dessas elaborações, disponíveis no primeiro anexo do documento, receberem o título “recomendações para ATER pública”, o uso de verbos no modo imperativo reforça mais uma vez o uso da compulsoriedade legítima pelo Estado, aplicada as 27 (vinte e sete) organizações estaduais de ATER pública que demandarem recursos do programa, na medida em que esta foi conferida em um amplo processo democrático e participativo que contou em sua construção com a presença da sociedade civil organizada.

Em relação ao financiamento das ações de ATER, Pettan (2010) relata que, entre os anos de 2004 a 2009, os recursos para as atividades de capacitação, assistência técnica e infraestrutura foram originários do governo federal, definidos no OGU e operados pelo DATER/SAF/MDA em sua quase totalidade; e da contrapartida das instituições prestadoras. Em 2003, antes da PNATER, os recursos federais destinados a ATER derivavam de fontes difusas e descontinuadas, particularmente do MDA, Ministério do Meio Ambiente (MMA), INCRA e emendas parlamentares.

Os repasses as instituições credenciadas ocorreram por intermédio de dois instrumentos, os “contratos” e os “convênios”. Os contratos, regidos pela Lei 8.666 de 21 de

junho de 199329, constituem mecanismos de repasse de um órgão do governo federal para as instituições executoras credenciadas, tendo a Caixa Econômica Federal (CEF) como intermediária, responsável por controlar a liberação e aplicação dos recursos. Por sua vez, os convênios, regidos à época pela Instrução Normativa nº 01, de 15 de janeiro de 1997 da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), estabelecem procedimentos de repasse direto entre o governo e as entidades executoras, sem intermediários (PETTAN, 2010). Enquanto os contratos eram instituídos entre o DATER/SAF/MDA e particulares, tais como ONGs, associações, cooperativas etc; os convênios eram firmados entre o governo federal e as empresas públicas de ATER.

Os contratos e convênios foram instrumentalizados por meio dos “termos de referência”, cuja finalidade era a de estabelecer os termos da parceria com as entidades que atuavam de forma articuladas às Redes Temáticas de ATER e “chamadas de projeto”, dirigidas as entidades não organizadas em rede e com atuação pontual em localidades específicas. No último caso, os projetos foram selecionados por concorrência pública, mediante a análise de uma Câmara Técnica composta por profissionais de áreas diversas do conhecimento, oriundos de diversas regiões do Brasil (DA ROS, 2012b). As Redes Temáticas30, criadas em 2007 no âmbito do MDA, têm como objetivo a integração das instituições de ATER na perspectiva da cooperação, visando harmonizar, a partir de uma visão sistêmica, as temáticas primordiais da agricultura familiar para a promoção da convergência entre as políticas voltadas ao desenvolvimento rural (SILVA, 2013).