O progressivo aumento da capacidade das tecnologias digitais e a emer-gência de condições adequadas para o funcionamento em rede têm se assumido como uma vertente incontornável para a difusão do conhecimento científi co. De fato, a capacidade de formação de redes torna o acesso ao conhecimento tanto maior quanto maior forem essas mesmas redes. (SIEMENS, 2004) Nesse sentido, as tecnologias digitais de informação e comunicação estão permitindo um acesso muito mais alargado ao conhecimento, para além de modifi carem completamente a forma como o próprio conhecimento se pode e deve construir – seguindo também a lógica de Scheufen (2015), de que a própria investigação é o resultado de um cumulativo processo de ideias e de conhecimentos, que outros investigadores podem ampliar e construir novo conhecimento.
O desenvolvimento de plataformas digitais para repositório e partilha de in-formação tem tornado cada vez mais acessível e efetiva a socialização e coletivização de conhecimentos sobre os mais variados temas, áreas e projetos de investigação. Um processo que tem se dado, com as tecnologias digitais, de forma mais orga-nizada e fi ável, para além de permitir a outros investigadores a possibilidade de reutilizar as informações decorrentes desses projetos, permitindo amplifi car a quan-tidade e, sobretudo, a qualidade das pesquisas realizadas. (OECD, 2015) Porém, é também importante reconhecer que muito pouco vale a produção científi ca ser colocada em repositórios digitais se o acesso aos mesmos não estiver aberto ou livre.
Nesse sentido, tem vindo a ser cada vez mais reconhecida, a nível internacio-nal, a importância de criar mecanismos que permitam uma verdadeira fruição do manancial de informação que se encontra espalhada no mundo virtual. Esse reconhe-cimento tardou em chegar. Como destaca a OECD, apesar de a ciência ser “a mãe” da era digital, “a ciência tem lutado não só para se tornar digital, mas também para se tornar aberta”. (OECD, 2015, p. 5, tradução nossa) É nesse contexto que surge o termo “ciência aberta”, como uma nova forma de pensar o conhecimento, numa lógica colaborativa e mesmo conectivista.6 Embora a ciência aberta assente na
en-utilização das tecnologias digitais, ela não pode ser pensada apenas como uma for-ma de difusão do conhecimento. Conforme Silva (2017, p. 1), o conceito de ciência aberta é “um termo guarda-chuva”, que abrange todos os resultados de investigação fi nanciada e que busca o fi m de barreiras no acesso e na partilha da informação científi ca; e, ainda, como forma de “construção da infraestrutura para a sua con-cretização e como desambiguação de autores, instituições e produção científi ca”.
Tal como referido no programa Foster ([201-], tradução nossa),7 a ciência aberta deve procurar que a abertura exista em todo o processo de produção de co-nhecimento (Figura 6), “promovendo a partilha e a colaboração o mais cedo possível, implicando uma mudança sistêmica na forma como a ciência e a pesquisa são feitas”.
FIGURA 6 – Promoção da ciência aberta nas diferentes fases do processo de
investigação
Fonte: Elaborada pelos autores com base em OSRI (2014).
tende este mesmo processo enquanto um ato coletivo. Quer isto dizer que a forma como acedemos à informação resulta das redes que criamos, cruzando essas mesmas redes e fazendo circular o conheci-mento através delas. Para além disso, revela-se também importante a capacidade de formar e ampliar constantemente essas mesmas redes, uma vez que quanto mais formos capazes de criar, maior será a possibilidade de acedermos a cada vez maiores quantidades de informação. (DOWNES, 2007, c2012; SIEMENS, 2003, 2004; STEPHENSON, 1998; TRINDADE, 2018)
Assim, entre as vantagens da política da ciência aberta encontram-se:
o aumento da efi cácia da investigação, o aumento do conheci-mento do modelo científi co, melhoria do foco e da qualidade dos resultados de investigação, geração de novas ideias de inves-tigação, aumento do compromisso com a ciência e melhoria da literacia científi ca, maior abertura e impacto social e económico, aumento da qualidade, visibilidade e impacto da investigação. (SILVA, 2017, p. 19)
Como referido no Relatório do Royal Society (2012, p. 31, tradução nossa), consegue-se agora “coletar de forma mais efi caz dados da literatura publicada e [...] vincular a publicação através de links para fontes de dados, juntamente com a atualização dinâmica de dados e metadados”. Para além disso, constata também o relatório que esta é uma maneira de tornar mais dinâmica a relação entre a publi-cação e os dados.
Porém, existem ainda algumas difi culdades para concretizar, efetivamente, uma política de partilha generalizada de dados resultantes da investigação científi ca. Conforme a OSRI (2014, p. 4, tradução nossa), entre os desafi os, encontram-se:
1) A parca cultura da recompensa na Academia: não há um incentivo real para promover e recompensar a partilha de dados.
2) Falta de infraestruturas para apoiar a abertura: existe uma incerteza ge-neralizada sobre como os custos de abertura serão cobertos.
3) O medo de que dados brutos sejam mal interpretados, métodos mal utilizados ou dados publicados muito cedo.
4) Incerteza sobre a propriedade de dados e métodos. 5) Falta de expertise na promoção da abertura.
Em Portugal, o fomento de uma política nacional de ciência aberta for-malizou-se através da Resolução do Conselho de Ministros nº 21/2016, na qual fi ca explícito o benefício para o desenvolvimento da ciência, enquanto forma de proporcionar à própria sociedade uma maior consciência sobre o mundo que a rodeia. Também explicita que esta política pode fomentar
o interesse de proporcionar a maior amplitude à sua valori-zação e disseminação no plano internacional e em particular entre os países que têm a língua portuguesa como expressão oficial, promovendo o diálogo e a partilha comum entre os re-positórios digitais de conhecimento entre os países da Comu-nidade de Países de Língua Oficial Portuguesa. (PORTUGAL, 2016, p. 1192)
Contudo, de acordo com o primeiro relatório sobre a política portuguesa de ciência aberta, concluía-se existir ainda algum caminho a percorrer, apesar de já diferentes instituições se terem adaptado à política de ciência aberta. (GT-PN-CA, 2016) O principal problema parece não estar na partilha de dados, mas sim numa verdadeira mudança de práticas, já que
salvo algumas exceções, não parecem existir ainda estratégias, políticas e iniciativas institucionais relativamente à gestão e par-tilha de dados de investigação [e] quanto a novas práticas cientí-fi cas de Ciência Aberta, numa perspectiva colaborativa, elas pa-recem ser ainda pouco conhecidas e utilizadas pela comunidade científi ca portuguesa. (GT-PNCA, 2016, p. 7)
Considerações fi nais
O mundo globalizado em que vivemos atualmente originou uma “nova” sociedade com múltiplas denominações na literatura, como seja a de “sociedade de informação”, a de “sociedade de aprendizagem”, a de “socieda-de do conhecimento” ou a “socieda-de “socieda“socieda-de em re“socieda-de” em que o “socieda-denominador comum é o reconhecimento do papel das TDIC no acesso e à construção do conhecimento.
Os avanços destas tecnologias digitais, e em particular da internet, têm estimulado um movimento de abertura e de construção do conhecimento em rede. Com a Web a ênfase tem sido colocada nas conexões da rede e nas
po-tencialidades do software social para acesso à informação e ao conhecimento,
bem como na capacidade para trabalhar em comunidades científi cas, numa colaboração global criativa.
Neste contexto de networking social em rede com novas estruturas e novos
ambientes as possibilidades têm-se incrementado e diversifi cado exponencialmen-te, surgindo novos e estimulantes desafi os para a ciência no início do século XXI.
Assim, o que procuramos neste texto, e com base em duas perspecti-vas de análises, analisar, por um lado, possíveis interseções entre a cibercul-tura e a produção e disseminação científica, e por outro, ressaltar a relevân-cia das tecnologias digitais de informação e comunicação para melhoria ou efetivação da produção científica por meio de redes de pesquisadores e pelo uso de ferramentas facilitadoras do processo. Para além disso, procuramos ainda indicar que a relação entre as tecnologias e o conhecimento científico pode ser analisada por diferentes ângulos, sobretudo na perspectiva da pro-dução e disseminação da ciência.
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