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6 A PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA

6.2 A segunda proposta curricular, de 1998

Passados cinco anos da Proposta Curricular de 1991 e foi finalmente aprovada a LDB, baseada na Constituição da República, de 1988. E com ela veio a necessidade de novos parâmetros estaduais que estivessem de acordo com o novo documento nacional. A proposta se coloca como uma atualização da antiga proposta, o que já nos traz a tona mais uma vez as falas dos autores que mostram como a Educação varia de forma, mas que pouco varia em essência, que com uma roupa ou outra serve para a capacitação da população para se inserir no mercado de trabalho e alimentar o capital imperialista.

Apesar de manter a mesma linha, o novo documento deixa transparecer mais alguns elementos de compreensão da realidade. Diferentemente do documento anterior, na introdução, ficam explicitado alguns elementos históricos que foram ocultados no documento anterior, como a subordinação do Brasil ao capitalismo internacional ou mesmo a aceitação de que o país viveu dois períodos ditatoriais no último século. A história fica contada de forma mais clara, como no trecho a seguir:

Um outro período ditatorial, comandado por governos militares (1964- 1985), que fizeram parte de um movimento de militarização dos governos latino-americanos, para garantir no continente os interesses políticos e econômicos das economias capitalistas desenvolvidas do Norte, marcou a educação com a introdução do tecnicismo, entendido aqui como um movimento que coloca as técnicas educacionais acima dos conteúdos curriculares, a compulsória profissionalização do ensino médio e um patrulhamento ideológico feroz sobre a educação (assim como sobre a sociedade toda), que só permitia o ensino dentro dos princípios aprovados pelo governo e pelos grupos econômicos aos quais o mesmo servia (ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, p. 6).

Um item do documento trata dos eixos norteadores e expressa a visão de mundo, de homem, educação, entre outros. E assume que pela primeira vez o documento estadual tem claro da visão de que indivíduo formar. Cita Marx em suas primeiras páginas e anuncia que assume a existência de classes sociais distintas, e que essa distinção deve acabar. Também assume que a burguesia é que tem mais poder sobre as decisões coletivas. E sugere que a socialização dos conhecimentos levará à soluções quanto a socialização do bens materiais produzidos coletivamente:

A socialização é sempre socialização de riqueza. À escola não é possível promover a socialização da riqueza material. A socialização da riqueza intelectual – apanágio da escola – no entanto, é um dos caminhos para a socialização da riqueza material. Isto não significa, porém, que basta ter a riqueza intelectual, que a material vem por acréscimo. Significa, por outro lado, que a apropriação da riqueza intelectual abre caminhos para a ação política das camadas populares, capacitando-as para criarem alternativas sociais de maior distribuição da riqueza material (ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, p. 10).

Diversos pontos sugerem que o referencial teórico utilizado é o materialismo histórico dialético, porém não fica explicito esse posicionamento. E quando assume a concepção histórico-cultural de aprendizagem o documento mais uma vez assume um referencial bibliográfico marxista. Sendo assim, presumimos que o texto irá defender a concepção de educação defendida por Marx e seus seguidores, como nos mostra Saviani apud Taffarel (2011):

Penso que a tarefa da construção de uma pedagogia inspirada no marxismo implica a apreensão da concepção de fundo (de ordem ontológica, epistemológica e metodológica) que caracteriza o materialismo histórico. Imbuído dessa concepção, trata-se de penetrar no interior dos processos pedagógicos, reconstruindo suas características objetivas e formulando as diretrizes pedagógicas que possibilitarão a reorganização do trabalho educativo sob os aspectos das finalidades e objetivos da educação, das instituições formadoras, dos agentes educativos, dos conteúdos curriculares e dos procedimentos pedagógico didáticos que movimentarão um novo

éthos educativo voltado à construção de uma nova sociedade, uma

nova cultura, um novo homem, enfim (p. 262)

Veremos se nos itens seguintes o documento em questão seguirá uma coerência entre o até aqui enunciado, ou se, a exemplo dos demais documentos brasileiros até então, tem a forma diferente de sua essência e anuncia mudanças sociais ao mesmo tempo em que trabalhar para manter os rumos econômicos do imperialismo.

Porém, se nos lembrarmos de uma característica da ideologia neoliberal que Saviani nos apresenta, que é o caráter contraditório entre o que anuncia e o que realiza o estado neoliberal, entre a forma e a essência dos documentos

educacionais, e relacionarmos a isso as análises da LDB (que vale lembrar, é base legal para a Proposta Curricular), de que é vista como subordinada às orientações internacionais de controle social praticada pelos países dominantes e que serve de instrumento de legitimação da política neoliberal, podemos desconfiar que o desenvolvimento do documento permaneça defendendo o fim das classes sociais.

A sequência do documento traz a Educação Infantil, sua definição e sua finalidade, e em seguida as disciplinas do Ensino Fundamental, cada uma com sua definição e alguns métodos para serem trabalhadas. Seria importante um estudo para que vejamos a coerência entre as disciplinas, mas aqui focaremos nossa pesquisa sobre o item que trata especificamente da Educação Física.

O item reafirma a intenção de ter coerência com a concepção marxista de educação quando elege a concepção histórico-cultural como referencial teórico, deixando clara a opção de buscar a superação das condições reinantes em nossa sociedade (ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, p. 212). E, ao assumir tal postura, assume junto o compromisso de buscar coerência com os demais conceitos da teoria, tem a necessidade de utilizar os conceitos de sua matriz filosófica. E quando tratamos de Educação Física só há uma concepção que seja coerente com o referencial teórico do materialismo-histórico dialético, que é a Crítico Superadora (MELGAREJO, 2012). Porém, o documento anuncia que as principais atualizações em relação ao documento anterior são os conceitos de Corporeidade e Movimento Humano que são conceitos de outras concepções de Educação Física. Enquanto o primeiro é parte do arcabouço teórico da concepção de Aulas Abertas à Experiência o segundo faz parte da concepção Crítico Emancipatória. O que nos mostra mais uma vez que o documento estadual toma como exemplo a LDB quando traz a mistura de conceitos utilizados por diferentes visões sobre a área de estudo (RODRIGUES, 2002).

E com esses diferentes conceitos presentes na Proposta Curricular de 1998 nos faz acreditarmos que ela também tem as características do que Gomes apud Rodrigues (2002) classificam como ecletismo teórico. Ao adentrarmos na discussão sobre os conceitos de Corporeidade vemos que o texto faz referencia a Platão e Foucault, ambos idealistas, o que é extremamente oposto ao materialismo proposto por Marx. Taffarel (2010) apud Gamboa nos mostra que:

(...)existem duas grandes possibilidades históricas do ser humano conhecer o real: ou pela via do idealismo, que pressupõe a consciência acima do real, a existência de seres acima do ser humano que criaram a natureza e os seres, que pressupõe o Absoluto; ou, o materialismo que pressupõe as relações entre matéria e consciência, em tempos, espaços e movimentos, segundo leis, relações, nexos e determinações recíprocas e concretas da existência, e por meio do intercâmbio do ser humano com a natureza para manter a vida conhecer, e assim, constituir a história. (p. 13)

E ressalta que para alcançarmos a superação das classes, precisamos ter coerência teórica:

É necessário avançar, reagir, resistir, através de rupturas e saltos qualitativos, para novas sínteses em patamares teórico-práticos mais elevados, superando os desvios teóricos, rompendo ilusões, lutando contra o fetichismo, o irracionalismo e o idealismo, buscando a referência clássica marxista; (TAFFAREL e ALBUQUERQUE, 2011)

E o documento segue versando sobre os conceitos clássicos da Educação Física como Esporte, Jogo, e em ambos os itens trazem avanços em relação ao documento anterior, mas também não faz avançar alguns pontos essenciais. Como um avanço, destacamos a maior explicitação de alguns fatos históricos, como a descrição da utilização do esporte na Copa do Mundo de Futebol de 1970:

A partir da década de 70, torna-se mais forte o caráter ideológico imputado ao esporte: podemos citar a COPA de 70, com o slogan publicitário “90 milhões em ação, pra frente Brasil salve a seleção”, como se realmente todos os brasileiros estivessem participando ativamente do evento, enquanto os brasileiros passivamente sofriam com a repressão arbitrária do governo militar (ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, p. 216)

É verdade que o texto critica a submissão do esporte de alto nível aos valores capitalistas, que tenta elucidar alguns fatos marcantes da história esportiva no país, entre outros avanços sociais em relação ao documento anterior, até mesmo alguns pontos em comum com uma visão da Educação Física pautada no materialismo histórico dialético, mas traz alguns referenciais idealistas e, como isso, compromete

a coerência da proposta. Essa falta de coesão teórica é analisada por Taffarel e Albuquerque (2011) como uma das principais estratégias do capital imperialista de frear a alterações sociais que levem à tomada de poder pelos trabalhadores, e que por isso, deve se:

(...) Combater o idealismo progressista da neutralidade científica, da convivência pacífica entre antagônicos, do pluralismo em uma sociedade onde existem e são ocultadas as classes antagônicas, da eternidade do capitalismo, da naturalidade dos fenômenos sociais, da falência do socialismo, do fim do proletariado (LESSA apud TAFFAREL e ALBUQUERQUE, 2011, p. 43).