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Segundo momento: modernização capitalista e conflito de usos do território a partir da década de 1930.

Gráfico 02 Brasil Número de Títulos por ano (Federal, Parceria e Estadual)

3ª PARTE – T ERRITÓRIO E R ESISTÊNCIA : O CONFRONTO ENTRE OS USOS DO TERRITÓRIO NO LUGAR

3.2 Segundo momento: modernização capitalista e conflito de usos do território a partir da década de 1930.

Sem dúvida, como resultado da atualização capitalista recente, três modernizações reorganizam a região a partir da década de 1930 com implicações que interessam ao presente estudo:

1) a primeira referente a dois produtos agrícolas, o plantio da banana com fins comerciais, a partir da década de 1930, e a extração do palmito, principalmente a partir da década de 1950;

2) a segunda se refere à circulação, com a criação de sistemas de mobilidade terrestre (o ferroviário, ainda primeiro quartel do século XX, depois o rodoviário, principalmente após a década de 1950);

3) a terceira modernização tem que ver com a ação sistemática do Estado na criação dos

parques (iniciada na década de 1950) e na política de construção de hidrelétricas (principalmente

nas décadas de 1970/80). Essa terceira fonte de modernização será tratada em itens específicos dentro do nosso texto.

O conjunto destas três modernizações conforma um “sistema de pressões” sobre o lugar (Quadro 23). Embora tenham sido separadas para a análise aqui proposta, deve-se deixar claro que essas três modernizações se dão conjuntamente, inclusive em competição ou cooperação com outras. Para o nosso trabalho essas variáveis foram escolhidas por serem mais diretamente ligadas a vida de relações dos grupos quilombolas do médio vale do rio Ribeira.

QUADRO 23 – Sistema de pressão sobre o lugar (atualização capitalista)

Vetores de pressão Verticalidades (mundo/lugar) Horizontalidades (lugar/mundo) Sistema de movimentos:

- Hidrovia (decadente) - Estradas de ferro - Rodovias

Tempo presto Tempo lento

Agricultura comercial Circuito capitalista/escassez Circuito regional/abundância Parques (unidades de conservação) Racionalidade científica/ecológica - Controle forâneo; - Difusão de um saber alienígena.

Dinâmicas do lugar fundadas em solidariedades domésticas: - Coivara (queimada);

- Calendário agrícola e de festas religiosas (tempo interno).

Barragens Território como recurso Território como abrigo

Tais modernizações implicam nas formas do acontecer solidário. Projetadas sobre porções do vale do Ribeira demonstram muito bem o que são os imperativos hierárquicos que comandam

de fora a produção do lugar. Esse lugar entrou na história pelos instrumentos do colonialismo, ou seja, para resolver a escassez alheia, do mercado europeu: inicialmente os nexos lugar/mundo faziam-se pela mineração; em seguida a rizicultura, que embora ligadas ao mercado nacional, responderam por demandas originadas fora do lugar e, consequentemente, de seu controle. O fim do momento ligado à rizicultura “apagou o lugar”, fazendo do conjunto do vale do Ribeira em território paulista um espaço opaco.

Analisando a reorganização do território nesta contemporaneidade, Santos (1996[1994]:118-119) escreve que para a compreensão do atual meio geográfico devemos levar em conta as características do que denomina meio técnico-científico-infomacional, em cuja elaboração a contribuição da ciência, da tecnologia e da informação são cada vez mais presente. Segundo este autor, esse meio cria espaços inteligentes e luminosos numa parte do Brasil, deixando que em outros permaneçam os espaços opacos. São subespaços de comportamentos, lógicas e racionalidades distintas, expressas nas dinâmicas territoriais, políticas, culturais e econômicas. No entanto, o controle dessas variáveis que definem o meio geográfico por um número reduzido de agentes da política, termina por fazer da modernização o meio pelos quais os interesses dessas minorias terminam por controlar e interferir na totalidade do espaço. Suas implicações sócio-espaciais são claras e se traduzem nos projetos de intervenção nas cidades facilitando que o espaço fique mais atento aos fixos e fluxos hegemônicos, que dão conteúdo à globalização econômica. O resultado é a incorporação corporativa do próprio espaço (lugares luminosos), ao passo que os lugares opacos apontam como zonas marginalizadas do processo de integração econômico-social, mas ao mesmo tempo como lócus de outras possibilidades. Claro, as contra-finalidades presentes nos lugares oferecem também a condição de novas formas de sociabilidade e solidariedade, que podem ser chamadas num contexto de uma outra globalização, de uma globalização mais “universal”36.

Embora as três formas de modernização indicadas tragam elementos de contigüidade, característico de um acontecer homólogo, por outro lado não respondem a objetivos comuns, havendo inclusive conflitos pelo controle de áreas, como é o caso das unidades de conservação incidindo sobre áreas quilombolas.

36 Uma globalização mais universal contemplaria a interação das variadas culturas universais produzidas localmente, que apesar de conflitarem entre si não devem necessariamente significar a anulação recíproca, antes deveriam

3.2.1 A primeira fase (banana e palmito)

Inicialmente, o cultivo da banana fora iniciado em pequenas propriedades. A construção do ramal férreo entre Santos e Juquiá entre 1913 e 1915 incentivou a ampliação da área plantada, permitindo o escoamento da produção. Segundo Petrone (1966:181): “A bananicultura começou

a interessar a região especialmente a partir da década de 1930, embora anteriormente já existissem pequenas lavouras /.../. Penetrou na região ao longo da faixa de terras marginais à linha Santos-Juquiá, desde então adquirindo importância em todos seus municípios”. Segundo

este autor, a entrada da bananicultura se sobrepôs inclusive às áreas tradicionalmente plantadas com arroz. Por sua vez, Queiroz (2006[1983]:76) esclarece que a “...expansão inicial da

bananicultura na região resultou da política oficial de colonização entre os anos finais de 1930 e os iniciais de 1940, a qual buscou uma ocupação econômica destinada a promover o progresso de uma área oficialmente considerada ‘decadente’ e ‘vazia’, conforme a pregação ideológica de sucessivos governos estaduais”.

Assim, após a década de 1930 a introdução de outros cultivares agrícolas, dos quais o mais destacado foi a bananicultura, trouxe certo dinamismo às áreas próximas ao Município de Juquiá, se estendendo até onde alcançavam trilhos de trem que poderiam captar essa produção. A modificação do sistema de movimento regional, já na década de 1950, trouxe nova dinâmica, mas ainda pequena comparada a outros tempos, permitindo uma ampliação da área de cultivo de banana (chegando décadas a frente nas áreas dos quilombos) e a introdução de outros tipos de cultivo feitos, conforme Petrone (1966) de forma racional (por exemplo utilizando a técnica da enxertia nos seringais), ao mesmo tempo em que o estado paulista buscava uma ocupação também racional, como exemplificado nas colônias japonesas implantadas em Pariquera-Açú já nas primeiras décadas do século XX. A preocupação do estado em ordenar territorialmente o vale, portanto, não é recente, sendo que Petrone (1966) traz uma cartografia onde indica pelo menos cinco áreas de colonização (inclusive com uma situada nas nascentes do rio Pedro Cubas, às margens do qual se situa um quilombo com o mesmo nome) (Mapa 6).

Baixada do Ribeira: áreas de colonização, 1930

MAPA 6