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3 ESTUDOS EXPLORATÓRIOS

3.2 O SEGUNDO PILOTO: O PROCESSO INTUITIVO NO PROCESSO DE DESIGN

Esse estudo exploratório teve como objetivo analisar o processo criativo quanto ao proces- so de decisão, relações significativas na construção da forma, desvio e acasos no processo de projeto. Como principal instrumento de registro foi utilizado o diário de bordo.

As atividades vinculadas ao experimento foram planejadas e aplicadas durante o semestre letivo, no componente curricular Elementos da Linguagem Visual do Curso de Design da UFPE, com carga horária de 60h e 29 alunos regularmente matriculados. A pesquisa restringiu-se apenas a quatro exercícios, propostos como atividade de casa, os quais foram intercalados a cada quatro ou cinco aulas, sendo um encontro por semana.

Essas atividades eram entregues e acompanhadas por um diário de bordo, no qual deveria constar o registro de todo o processo criativo. Não foi definido um modelo específico para o diário de bordo, mas foi orientado a serem registradas as informações referentes à concepção, à execução, à tomada de decisão, etc. Deveriam ser detalhados e precisos, indicando imagens utilizadas, ideias, problemas, acidentes, referências, intenções, limitações, descobertas, testes, resultados, análises das ideias, ideias descartadas, relações formais, derivação de formas ou quaisquer outros dados que tivessem relação com o desenvolvimento dos projetos.

O primeiro projeto foi o desenvolvimento de uma peça gráfica de livre escolha com formato, tamanho, uso de cor e tipografia livres. O trabalho deveria ser entregue no formato impresso e ter como referência as pranchas desenvolvidas em sala de aula. Houve a intenção de averi- guar como o uso de imagens aleatórias e abstratas influenciam a formação de conceitos e a conformação final de um projeto gráfico. Foram observadas as relações construídas durante o processo de decisão e fatores como experiência pessoal, preferências estéticas, facilidade ou dificuldades e afinidades formais definem os caminhos do processo criativo.

O segundo projeto foi o desenvolvimento de uma capa de livros de título “Composições espaciais: elementos da linguagem visual”. Deveria ter como referência até duas pranchas dos exercícios anteriores, o uso de até três cores, formato 20 por 25 cm e em arquivo digital. Neste exercício, os parâmetros limitaram o processo criativo a um espaço mais restrito de opções.

No terceiro exercício, foram solicitados dois artefatos de livre escolha e configuração, não mais limitados ao aspecto gráfico. Podiam ser esculturais, mobiliários, vestimentas ou artefatos digitais. Como referencial podiam fazer uso de quaisquer uns dos trabalhos realizados na dis- ciplina. Foram desenvolvidas vestimentas, mobiliários, luminárias, bolsas, objetos decorativos, livros, artefatos digitais, entre outros. Poderiam ser entregues em pranchas, como apresentação de projeto ou os próprios artefatos.

Quanto à análise do experimento não foi considerada qualquer valoração para os trabalhos, seja de cunho estético-formal, de uso, simbólico ou solução criativa. A análise deteve-se ao pro- cesso de design, buscando visualizar o processo de decisão, construções formais, significativas, intenções, objetivos e a ocorrência de acasos.

Os diários de bordo apresentam as informações em forma de lista, descritivo, com comen- tários sobre ideias, impressões, intenções, o que foi possível fazer, comentários sobre erros,

desistências, limitações econômicas, de tempo e técnicas. Há também o registro de referências visuais e relações de significados como justificativas para determinadas formas. O uso de ima- gens, esboços e fotos são utilizados para ilustrar as relações construtivas e conceituais.

Os diários foram produzidos após a execução do projeto e não de forma concomitante. Os seus registros são caracterizados por questões relacionadas à análise retrospectiva de protocolo: não relembrar exatamente de todo o processo, racionalização sobre o processo eseleção de pontos específicos para descrição (VAN SOMEREN; BARNARD; SANDBERG, 1994).

De forma geral, os diários de bordo mostram relações construtivas e indícios sobre o pro- cesso criativo dos projetos, tais como: o uso de imagens referenciais para definições projetuais de formas, cores e tipografias; construções simbólicas; absorção no processo das casualidades dos efeitos digitais; tomadas de decisão baseadas em satisfação pessoal e processos avaliativos baseados no ‘gostei’, ‘não gostei’, ‘ficou pesado’, ‘não ficou bom’ e ‘ficou simples’.

As análises dos diários de bordos mostram que a lógica reflexiva intuitiva é dominante nos processos criativos. Em alguns momentos, a própria definição e conformação do artefato mistura-se ao processo de desenvolvimento. De forma geral, não há a separação explicita das etapas de planejamento e desenvolvimento. As decisões ocorrem sem direcionamento prévio e as configurações das formas são definidas de acordo com os resultados obtidos em uma se- quência de fazer, ver e avaliar (lógica da reflexão-na-ação).

Os trabalhos do primeiro exercício seguem um padrão de aleatoriedade e casualidade no desenvolvimento das peças gráficas. As cores, fontes tipográficas, imagens e composição são definidas através de referências visuais, de experiências de outros trabalhos ou simplesmente através de tentativas.

As ações e resultados são avaliados quase instantemente, em um ciclo constante até a satisfação para com o que é apresentado. Mas, o processo não é todo aleatório, visto que con- forme mostra este relato: “as imagens são formadas na mente e produzidas no computador e depois avaliada”, temos uma pré-visualização do que é desejado. Segundo Rey (2012), no desdobramento do ‘fazer prático’ nas artes, ocorrem imprevistos e acasos, que acabam abrindo novas possibilidades e redirecionamentos para caminhos pré-estabelecidos. Percebemos que o processo é uma constante negociação entre intenções, meios, possibilidades e o possível. Ainda há os imprevistos do percurso criador.

Os registros mostram que há referências relacionadas à história do design, da arte e a co- nhecimentos técnicos como: malha ou Malha, Bauhaus e escala Pantone. Quanto à seleção das pranchas de referência, a maioria afirmou que as selecionaram para o desenvolvimento dos trabalhos por simpatia, por sugerir ou facilitar a execução do projeto.

Todos os projetos são desenvolvidos com uso de softwares gráficos, em uma dinâmica de aplicação de efeitos-análise-decisão. Seu desenvolvimento segue uma espontaneidade que é guiada pelas pranchas, pela experimentação gráfica e gostos pessoais estéticos.

A terceira atividade teve um maior envolvimento dos alunos. Talvez, por serem os trabalhos finais da disciplina e por permitir a escolha conforme os interesses pessoais de cada aluno. Como diferencial para com os outros dois exercícios, temos que a maioria mostra uma etapa de concepção do projeto (apenas 6 trabalhos dos 21 entregues, seguem a mesma atitude das atividades anteriores quanto ao seu desenvolvimento). Alguns dos trabalhos apresentados nesse exercício são mostrados na figura 5 e 6, no apêndice A.

Como avaliação final desse segundo experimento, em que consideramos todos os projetos desenvolvidos, notamos que não há diferenças substanciais nos processos de design. Todos eles seguem o fluxo de desenvolvimento próximo ao processo da prática reflexiva (SCHÖN, 2000); são produzidos em um sistema com base em leis internas de organização e direcionados a um caminho de negociações do sujeito, objetivos, ferramentas e possibilidades. Cabe aqui a colocação de Pareyson (1993 p.21) sobre o fazer artístico da obra: “ao fazê-la, se encontrou o modo como se deve fazer”.

Nos registros dos diários de bordo temos o ponto de vista do sujeito. São expostas algumas ações, intenções, erros, casualidades, desistência e redirecionamentos do projeto, que, de certa forma, foi selecionado pelo aluno para divulgação. O diário de bordo torna perceptíveis apenas alguns aspectos do processo de design da construção da forma e não mostra a sequência temporal real do processo. Caracterizam-se pela abordagem retrospectiva (contente-oriented approach) e pelo protocolo por introspecção, em que há a escolha e racionalização determinados pontos.

O diário de bordo expõe dados relacionados especialmente às questões metodológicas do processo. Através dele poderíamos verificar como são organizadas as fases de problematização, conceitualização, criação e finalização. No entanto, não permite uma abordagem mais profunda, quanto ao ‘pensar’ do designer, pois exibe apenas algumas ocorrências do processo de criação.

De forma geral, os processos de design dos alunos apresentam um percurso de planejamentos e tentativas que têm início em uma determinada intenção formativa, que pode ou não mudar durante o percurso criativo. O problema de design e a solução, nesse contexto acadêmico, percorrem o itinerário que perpassa por inspiração, improvisação, testagem, erros e acertos. Já o processo de decisão ocorre dentro de um encadeamento de satisfação pessoal, planeja- mento do projeto, pré-visualização e resultados apresentados. Para isso, faz parte do processo de racionalização os erros, acidentes e desvios, que podem simplesmente ser incorporados ou passam por justificativas simbólicas, como forma de aceitação.

O piloto mostra que, para um melhor aproveitamento do diário de bordo como instrumento de pesquisa, faz-se necessária uma melhor orientação sobre o que e como registrar. Mesmo assim, devido ao fato desses registros não abarcarem todo o processo, seria interessante outros instrumentos de apoio como uma entrevista que possibilitasse recuperar parte do processo não exposto no diário de bordo.

3.3 O TERCEIRO PILOTO: O USO DA TA E AC PARA ANÁLISE DO PROCESSO DE DESIGN

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