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4 NARRATIVAS DE HOMENS SERTANEJOS SOBRE SER CORTADOR

5.1.2 A seleção de pessoal

aqui não tem serviço não viu.

A fala de Gilson (25 anos, casado, ensino médio completo) reforça ainda mais o que foi sinalizado pelas narrativas de Cristiano.

A roça dá pra você comer, agora pra você vender... quando você vai comprar você compra feijão aí a trezentos, quatrocentos real. Quando você vai vender, você vai vender a cem real, que nem tá hoje. Então, não tem muito futuro. Aí o jeito é você ir pro corte da cana. Ir pra o corte da cana compensa, porque em seis, sete mês, você traz seus quatro, cinco mil e traz ainda duas, três parcela de seguro.

Essa saída em busca de melhores condições de vida proporciona mudanças notáveis nas cidades de origem, modificando os cenários urbanos e rurais. De acordo com Silva (2011), essa migração redefine os calendários das comunidades locais com o período de partida e da chegada dos trabalhadores. Modifica também a configuração familiar durante o período de saída, pois as mulheres passam a assumir a chefia das famílias, mesmo que muitas vezes a figura masculina exerça um controle por meio de telefonemas quanto a tomada de decisão a respeito da comercialização de animais, e alocação de trabalhadores para plantações.

Mudam até a estrutura das famílias, pois durante as idas e vindas muitas relações e casamentos são feitos e desfeitos. “Assim, é “normal” a presença nos espaços de origem, das viúvas de maridos vivos, nome dados às mulheres abandonadas por seus esposos ou companheiros migrantes.” (SILVA, 2011, p. 115).

5.1.2 A seleção de pessoal

A seleção de pessoal para o trabalho na cana se inicia final do mês de dezembro ou início de janeiro, dias após a chegada de muitos dos trabalhadores que

serão recrutados. O retorno aos canaviais começa a ser planejado muitas vezes antes da chegada em casa.

Esse processo é iniciado quando os arregimentadores começam a divulgar a quantidade de vagas para os postos de trabalho nas usinas e empresas fornecedoras que são representantes.

Quanto à figura dos arregimentadores podemos encontrar na região da pesquisa dois tipos. O primeiro é um cortador de cana que se destacou no trabalho em safras anteriores pelo bom comportamento e que boa relação com os fiscais e outros cortadores de cana, esse tipo de “turmeiro” seleciona um grupo de trabalhadores, mas como benefício ganha apenas a sua passagem para a região de destino. O segundo tipo de arregimentador é aquele que se dedica exclusivamente a função de arregimentar os trabalhadores para cada safra.

No caso dos arregimentadores do município de Santa Cruz da Baixa Verde, estes são ou já foram cortadores de cana que ganharam a confiança dos fiscais e de outros funcionários das usinas. É tarefa deles recrutar os trabalhadores, dando prioridade aqueles que não causaram “nenhum tipo de problema” em safras anteriores. Além da formação das turmas os arregimentadores são responsáveis ainda pela organização da viagem, transporte para os locais de trabalho e, durante a safra pelo desempenho e controle dos trabalhadores.

Alguns trabalhadores, como Fabiano (casado, ensino fundamental completo), falaram sobre a organização e a reserva da vaga em determinadas turmas.

A gente sai daqui em fevereiro. Mas Desde... dezembro, já sabia que ia. Já estava preparando a vaga já, pra ir. Recolhe o dinheiro, o dinheiro da passagem, aí com depois três dias recolhido o dinheiro aí eles/ a gente viaja pra lá de ônibus.

A segunda etapa do processo de seleção da força de trabalho, no caso dos informantes dessa pesquisa, se dá já nos locais de destino, onde os trabalhadores passam por uma triagem médica, onde são realizados exames laboratoriais e um exame físico com o médico do trabalho, geralmente contratado pela usina ou fornecedor.

Nessa etapa são excluídos os candidatos que possuam alguma patologia incapacitante. Mas, a baixa complexidade dos exames, o curto tempo de consulta, a pouca atenção dada aos trabalhadores, e a ocultação de possíveis queixas ou doenças pré-existentes faz com essa etapa de seleção não seja tão eficaz na prevenção de possíveis agravos e complicações na saúde desses trabalhadores. Essas contratações em muitos casos não são feitas imediatamente após a chegada dos trabalhadores as cidades de destino. Muitos fornecedores de usinas levam em torno de quinze a vinte dias para realizar a triagem com o médico do trabalho e assinar o contrato do trabalhado. Entretanto mesmo sem oficializar o contrato os migrantes já iniciam a jornada de trabalho um dia ou dois após sua chegada nos locais de destino.

5.1.3 A viagem

Como dito anteriormente, é no mês de fevereiro que a migração para o corte de cana começa a se intensificar. Apesar de que durante o período da minha inserção no campo já havia passado essa etapa de saída maciça de trabalhadores, no início do mês de abril quando fui a Santa Cruz da Baixa Verde fazer os primeiros contatos com o pessoal do sindicato, as sindicalistas me informaram dias anteriores a minha chegada havia saído uma turma de trabalhadores com destino ao Mato Grosso do Sul.

Em anos anteriores acompanhei essa saída de trabalhadores da região, em turmas de 30 a 40 pessoas. As famílias se concentram nas ruas e na praça central da cidade à espera do ônibus que levarão os pais, maridos e filhos para longe durante cerca de oitos meses. O clima é de festa e ao mesmo tempo de tristeza, de choro, de abraços e de aconchegos. Apesar de não ter visto, os relatos das lideranças do sindicato me fizeram relembrar o momento da partida presenciado em outros tempos.

Passadas as despedidas os homens, que na grande maioria dos casos migram sozinhos, organizam suas coisas, entram nos ônibus e partem rumo a São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. A viagem é longa, em média três dias mas, também é perigosa. Muitos trabalhadores relatam a ocorrência de acidentes, e falam ainda sobre as dificuldades e o sofrimento de viajar em lotações ou ônibus clandestinos.