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Semiótica Social – Alguns pressupostos

No documento Multimodalidade e argumentação na charge (páginas 66-69)

Já que estudaremos vários modos de signos, é importante estabelecermos os conceitos básicos adotados ao longo deste trabalho. Kress e Leeuwen (1996), na introdução da obra “Reading Images”, apontam três escolas semióticas que se desenvolveram ao longo do último século.

A primeira foi a Escola de Praga, com os Formalistas Russos, entre as décadas de 30 e de 40, os quais desenvolveram noções não só lingüísticas, mas também aplicáveis ao estudo das artes em geral. Possibilitou-se, com isso, o estudo da arte plástica, do teatro, do cinema, da moda e cada um desses sistemas semióticos poderia cumprir as mesmas funções comunicativas: poética e referencial.

A segunda foi a Escola Parisiense, entre os anos 60 e 70, que se baseava nas idéias de Saussure, na lingüística; para a análise da fotografia e da moda. Os estudiosos da Escola Parisiense usaram as idéias de Barthes; Metz desenvolveu teoria para o estudo do cinema; Nattiez, para o estudo da música; e, para a análise de Histórias em Quadrinhos, foram usadas as pesquisas de Fresnault-Deruelle. As idéias da Escola Parisiense ainda são bastante utilizadas em inúmeros cursos de comunicação, embora já sejam consideradas ultrapassadas pelos pós-estruturalistas.

A Semiótica Social é o terceiro movimento apresentado. Surgiu na Austrália e se baseou principalmente nas idéias de Michael Halliday e sua gramática Sistêmico- funcional, especialmente a noção de metafunções. As metafunções são aplicáveis a todos os modos semióticos e não são específicas da fala ou da escrita. A função ideacional trata do contexto situacional da comunicação, do ambiente no qual o significado está sendo negociado. Kress e Leeuwen, sobre a metafunção ideacional, alertam para o fato de que nenhum modo precisa necessariamente ser capaz de representar os aspectos do mundo assim como ele é experienciado por nós, falantes, já que esse mundo já é semioticamente percebido.

A segunda metafunção é a interpessoal, a qual se refere aos participantes do discurso enquanto seres que assumem status e papéis sociais definidos. Com relação a essa metafunção, Kress e Leeuwen afirmam que os modos oferecem uma série de

67 escolhas para a representação de diferentes relações interpessoais, depende da forma de representação visual.

A metafunção textual relaciona-se ao modo de discurso, refere-se à forma que a linguagem toma no texto e como este se organiza simbolicamente. Sobre essa metafunção, a gramática visual afirma que diferentes composições organizacionais permitem a realização de diferentes significados textuais.

Essa é a perspectiva adotada por Kress e Leeuwen a qual será também seguida em nossas análises. A noção de signo, na Semiótica Social denominado sign-making, é central nos estudos semióticos. A nomenclatura sign-making deve-se a uma das características fundamentais da Semiótica Social que é considerar a relação significado / significante motivada. “Em nossa visão, os signos nunca são arbitrários; a motivação deve ser formulada em relação ao produtor do signo (sign-maker) e ao contexto no qual o signo é produzido, e não isolada do ato de produção” (1996: 07). Se o produtor do signo tem um objetivo, se quer comunicar determinado sentido, irá escolher o modo de representação mais adequado para estabelecer a comunicação. O interesse do produtor do signo é também fundamental, pois irá determinar o que ele vê, assim como a seleção do que ele irá representar. Em outras palavras, nunca há a representação do objeto inteiro, mas apenas dos aspectos selecionados de acordo com critérios do produtor do texto.

As charges, como texto de opinião, constituem um adequado objeto para a identificação dos conceitos acima apresentados. Podemos iniciar a análise por um dos elementos constituintes da grande maioria das charges: a caricatura. Caricaturar alguém é dar saliência a algumas de suas características. A caricatura é a representação da fisionomia humana, geralmente com características humorísticas, cômicas ou grotescas. Afirmamos acima que o interesse do produtor do signo determinará o que ele vê e conseqüentemente o que ele irá produzir.

Charge XIV

(Samuca, Jornal do Commercio, 31/08/06)

Na charge XIV, temos três candidatos à presidência caricaturados. Ao olharmos objetivamente para suas características físicas aparentes, veremos o presidente Lula desenhado com traços arredondados, demonstrando que está acima do peso, as orelhas são pequenas, mas “de abano” e os dentes separados; o candidato Alckmin tem o nariz, o queixo, a calvice e os olhos destacados e a candidata Heloisa Helena tem os óculos e a testa enfatizados, assim como o cabelo preso num “rabo-de-cavalo” e sua vestimenta típica composta por calça e blusa de tecido com botões na frente. É assim que o chargista Samuca vê os presidenciáveis.

Ao estudarmos a charge XIV como um todo e analisarmos o contexto sócio- histórico de quando foi publicada, poderemos perceber mais profundamente os interesses do chargista. A charge foi publicada durante as eleições de 2006, antes do primeiro turno e Lula, aos poucos, subia nas pesquisas. A expressão de Lula é bastante tranqüila, já que ele subia nas pesquisas, como indica o balão e, na opinião de Samuca, um dos fortes motivos era o projeto “Bolsa Família”. Tal idéia fica evidente com o uso da fotocópia do cartão “Bolsa Família” como cesto do balão. O candidato Alckmin reage com surpresa como indica sua expressão com a mão no queixo e o tronco reclinado pra trás e as três gotinhas acima da caricatura. Heloísa Helena expressa mais raiva que surpresa, como indicam suas mãos na cintura numa postura reivindicatória.

Ao criar sua charge, Samuca tinha um objetivo, uma opinião e representou isso através de suas próprias escolhas, todos os detalhes da charge foram estrategicamente

69 articulados na construção de sentido do texto. É nessa acepção que a Semiótica Social acredita numa relação motivada entre significado e significante, pois o produtor do texto determina os significantes a serem utilizados de acordo com os significados que pretende construir. O que vimos na charge XIV, portanto, foi uma escolha motivada dos signos (sing-making) e esse processo fundamenta-se no interesse do produtor textual que o possibilita a escolha de características particulares dos objetos a serem representados, como vimos nas caricaturas, num determinado momento e num determinado contexto. Por isso, entre significantes e significados, segundo a Semiótica Social, há uma relação motivada. Kress e Leeuwen (1996: 06) resumem muito bem todo o que foi discutido, ressaltando ainda mais que essa motivação entre significado e significante é cultural, social e histórica:

Nós vemos a representação como um processo pelo qual os produtores de signos, ou criança ou adulto, tentam fazer a representação de algum objeto ou entidade, ou física ou semiótica, e no qual seus interesses no objeto, no momento de produzir a representação, são complexos, surgindo da história cultural, social e psicológica do produtor do signo, e focado num contexto específico no qual o signo é produzido.

No documento Multimodalidade e argumentação na charge (páginas 66-69)