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Cada criatura é um rascunho, a ser retocado sem cessar, até à hora da liberação pelo arcano, a além do Lethes, o rio sem memória. Porém, todo verdadeiro grande passo adiante, no crescimento do espírito, exige o baque inteiro do ser, o apalpar imenso de perigos, um falecer no meio das trevas; a passagem (ROSA, 1969, p. 177).

[...] O seu rosto é de fome;

Pobreza e opressão comem seus olhos; Desprezo e mendicância é que o vestem; As leis do mundo não lhe têm amor: Nenhuma lei do mundo o fará rico;

Pois, pobre, quebre a lei [...]23 (SHAKESPEARE, 2016, p. 102).

A noção contraditória embutida na leitura de Eric Hobsbawm acerca do século XX é uma abordagem em si do processo dialético de Marx, haja vista que para o autor de A

ideologia alemã, é impossível a compreensão histórica de especificidades de um sistema, sobretudo o capitalista, sem um exame aprofundado de suas contradições, ou teses para lembrar a formulação idealista de Hegel. Todavia, a dialética de Marx não se encerra em Hobsbawm apenas nesta interpretação que o historiador tece sobre o século passado, ocorre também em sua abordagem acerca dos bandidos rurais e a natureza de seu comportamento sedicioso na passagem do século XIX para o XX.

Cronologicamente, as raízes mais profundas do banditismo social, área de estudo da História Contemporânea e Comparada, fundada por Eric Hobsbawm, remontam a 1956 quando este intelectual ministrou três conferências na Universidade de Manchester que juntas formaram a estrutura dessa temática que se espraiou nos trabalhos de antropólogos, historiadores e estudiosos literários. O fato de este temário ter sido desenvolvido para uma apresentação pública — que depois se viu desdobrado em ensaios ainda hoje relevantes para a compreensão deste proscrito ambíguo na história das sociedades ocidentais —, lembra que esta prática de unir aula e produção ensaística era algo comum entre aqueles intelectuais formados dentro dos padrões humanistas das décadas de 1940 e 1950.

No Brasil, por exemplo, um dos grandes expoentes dessa práxis foi Antonio Candido, cuja produção de crítico literário foi muito mais intensa durante o período que coincidiu com

23 [...] famine is in thy cheeks, /Need and oppression starveth in thine eyes, /Contempt and beggary hang upon

thy back; /The world is not thy friend nor the world‘s law: /The world affords no law to make thee rich; /The be not poor, but break it, [...] (SHAKESPEARE, 1987, p. 855b).

177 a sua carreira no magistério superior24 quando este produziu muitos de seus trabalhos, tornados posteriormente ensaios seminais para a compreensão da literatura brasileira produzida no século passado como, cabe bem recordar, o estudo intitulado ―Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa‖, seu exame acerca da presença deste bandido muito particular na tradição literária nacional desde a segunda metade do século XVIII até meados da década de 1950, escrito nascido do resultado de um curso ministrado pelo autor de

Formação da literatura brasileira em 1966, como pode ser confirmado em nota publicada por esse professor nas páginas de sua coletânea Vários escritos (1970).

Coincidentemente ao longo do mesmo ano em que o historiador britânico lança as primeiras pedras basilares do banditismo social, vem a lume as obras de João Guimarães Rosa

Corpo de baile e Grande sertão: veredas, detentoras da maior concentração da fortuna deste autor, conjunto que já foi submetido as mais variadas perspectivas de estudo, da estilística à semiologia. Este período também entrou para os Anais da história do século XX devido à ocorrência de grandes e significativas transformações no mundo ocidental em diversos segmentos como o político, o cultural e o estético. No domínio do primeiro, a grande marca foi a perda da inocência comunista em relação ao sistema soviético, fato relembrado (e devidamente examinado) por Hobsbawm no capítulo intitulado ―Stalin e depois‖ de sua autobiografia Tempos interessantes quando este historiador relata a sua primeira visita a sede hermética do bloco socialista, quase um ano antes da grande crise deflagrada no comunismo soviético. Todavia, ao adentrar no palácio das ilusões daqueles que sonhavam com a existência de um socialismo real e prático, o autor de Revolucionários experimenta o choque que em torno de dois anos depois impactaria a intelligentsia comunista na Europa e na América como um todo. Em retrospecto, o historiador formado em Cambridge relata a terrível ―escuridão‖ a qual o povo russo era deixado pelo excessivo controle do Estado.

Causava impacto a falta de aspectos práticos numa sociedade em que o temor quase paranoico da espionagem transformava em segredo de Estado a informação necessária para a vida diária. Em suma, ao visitar a Rússia em 1954, muito pouco se podia aprender sobre o país que não fosse possível saber fora dele (HOBSBAWM, 2002, p. 224).

24Em ―Os vários mundos de um humanista‖ — entrevista concedida em 1993 a Gilberto Velho e Yonne Leite

para a revista científica Ciência Hoje — Antonio Candido afirma de maneira taxativa que a sua grande motivação para a produção de crítica literária foi o seu ofício de professor ao qual se aposentou em 1978. Mestre Candido se expressa, na ocasião sob estes termos: ―O fato é que as aulas estimulavam os meus escritos, e quase todos os meus ensaios são sucedâneos de cursos e conferências. A partir do momento em que parei de ensinar, perdi muito do estímulo de escrever‖ (CANDIDO, 1993, p. 39).

178 Isto, aliado a outros fatores sócio-políticos traumáticos para a esquerda já pontuados no primeiro capítulo desta Tese, levou Eric Hobsbawm a afirmar, que depois de sua breve estada na capital da União Soviética, regressou ―de Moscou sem haver mudado [de] opinião política, porém deprimido e sem desejo de voltar lá novamente‖ (HOBSBAWM, 2002, p. 225).

Ainda que Tempos interessantes — obra lançada no Brasil no mesmo ano de sua publicação original, o que parece atestar a importância dada no país para este historiador estrangeiro, o que confirmou a observação pouco lisonjeira de Tony Judt de que Eric Hobsbawm era praticamente idolatrado no Brasil, devido, talvez em parte, a sua inquebrantável fidelidade aos mandamentos do comunismo de Marx.

Sendo uma autobiografia, o que pode levar o leitor acostumado com este gênero narrativo a inferir que o autor/biografado mescle experiências pessoais de caráter privado e profissionais, portanto, públicas, este livro — como era de se esperar em se tratando de relatos de memória de alguém mais conhecido pela sua produção intelectual do que por ―escândalos midiáticos‖, esses fatos imprescindíveis para a existência das protagonistas desses espetáculos que são as chamadas celebridades, as grandes personalidades responsáveis por inspirar a opinião pública no século XXI — diz mais acerca das experiências de Hobsbawm como historiador e das pessoas que com ele conviveram no âmbito acadêmico ou político, mesmo que, em algumas passagens, este historiador necessite tocar em temas espinhosos de sua ―memória desse ano traumático‖ (HOBSBAWM, 2002, p. 230), como a recordação das ―intoleráveis tensões sob as quais vivemos mês após mês, os intermináveis momentos em que era preciso decidir sobre o que dizer e fazer, dos quais nossas vidas futuras pareciam depender‖ (HOBSBAWM, 2002, p. 231).

Este se configurou o ponto nevrálgico no qual a maior parte da crítica voltada ao trabalho de Hobsbawm, a sua possível ―cegueira‖ acerca da história contemporânea soviética que no século XX — assim como em territórios do oeste do globo — condicionou a sua população a um ―reino de terror em que qualquer crítica era uma ofensa contra o Estado. Centenas de milhares de pessoas foram exterminadas nos gulags e milhares morreram em consequência de políticas do Estado, o qual, sob o stalinismo, tornou-se um sistema para repressão e extermínio‖ (PINHEIRO, 1992, p. 192). Mas esta realidade não preencheu as páginas da historiografia do autor de Era dos extremos que acabou por se defender das acusações antissocialistas com argumentos de ordem metodológica, os quais não toldaram por

179 completo as suas posições ideológicas tardias e, aos olhos severos de seus opositores, ambíguas.

Hobsbawm parece experimentar a mesma dificuldade que atravessa o protagonista de

Grande sertão: veredas, a dificuldade de narrar suas memórias e as sensações sofridas enquanto estas eram vivenciadas. No caso do autor de Sobre história suas dúvidas em permanecer ou não comunista são desenhadas ―com o lápis cambiante da recordação‖ (SARAMAGO, 2013, p. 74), como quer José Saramago (1922-2010) outro convicto intelectual de esquerda, pois registram um período, para se dizer o mínimo, difícil, em uma época em que a tradição da Revolução de Outubro parecia desmoronar nos âmbitos do Parlamento britânico, da URSS e nos fervorosos corações dos outrora combativos militantes.

Perdida para sempre a utopia de vislumbrar a revolução nos espaços urbanos e industrializados, como, aliás, isto nunca chegou a se configurar como algo realmente possível, de acordo com este historiador em sua leitura retrospectiva do ―socialismo real‖ em ―Renascendo das cinzas‖, Hobsbawm se volta para as regiões campesinas e rurais, primeiramente as italianas para onde sua emocional motivação ideológica e estética e o seu desejo de descobrir um novo berço para os ideais da Revolução de Outubro encontraram terrenos demasiadamente férteis.

Tanto na justificativa de se voltar para esse tema quanto na preferência de examiná-lo no interior da península itálica se devem, primeiramente, a esse fascínio que o percurso da esquerda no berço do Classicismo despertou no coração comunista de Hobsbawm. Em ambos, a resposta converge historicamente aos diálogos travados com o também professor e marxista histórico romano Ambrogio Donini (1901-1991) sobre os proscritos revolucionários da Toscana. Pode-se afirmar, assim, que esse docente piemontês, de certa forma, apresentou a Hobsbawm a gênese do tema que esse intelectual britânico desenvolveria na História Comparada entre os anos de 1950 e 1960, sem, contudo, abandoná-lo ao longo de sua obra.

Seja por modéstia, ou por coragem metodológica de reconhecer os limites de seu trabalho naquele momento, Hobsbawm sempre admitiu explicitamente, em notas prefatórias da edição de 1959 e nas escritas para tiragens posteriores, a incipiência da temática do banditismo social em Rebeldes primitivos. Em cotejo com o seu gêmeo temático Bandidos, a obra Rebeldes primitivos (Primitive Rebels) ainda era uma narrativa pouco rica de exemplos, devido às restrições ocasionadas pela observação da evolução deste apenas nas fronteiras do Continente europeu e, sobretudo, em um país paradoxal como a Itália, o qual de um lado se configurou historicamente em um espaço de trocas comerciais entre o Ocidente e o Oriente

180 possibilitando convivências harmônicas com estrangeiros25— algo não tão comum em outras nações centrais do Velho Continente onde o estranho é, na melhor da hipóteses, considerado como um inimigo. Por outro lado, o país de Giovanni Boccaccio (1313-1375) se mostrou, em sua trajetória, sobretudo nas localidades mais afastadas do fluxo de capital, demasiadamente provinciano e conservador lembrando, em alguns de seus aspectos socioculturais, regiões periféricas do capitalismo como, verbi gratia, o sertão nordestino representado pelos autores brasileiros entre a primeira e a segunda metade do século passado.

A meu ver, são essas contradições, aliás, que seduzem um seguidor contumaz de Marx como Eric Hobsbawm para o desenvolvimento do banditismo social neste cenário específico da Europa. É relevante frisar que o autor de Manuscritos econômico-filosóficos (1844) não expressou claramente em favor de que o comunismo pudesse ser desenvolvido no coração de comunidades agrárias e ainda mais entronizado como sistema político por bandoleiros em sua maioria analfabetos. Contudo, o tema historiográfico de Hobsbawm amplia, a seu modo, os postulados de Marx partindo da base deixada por este teórico alemão como, por exemplo, a noção de que o surgimento dessas manifestações sociais são gestadas nas entranhas do sistema capitalista, o qual erige em sua história contraditória o gérmen de sua própria aniquilação a ser vislumbrada em catastróficas crises ocorridas em ciclos temporais mais ou menos longos como propôs o economista Nikolai Kondratiev. Em outras palavras, as desigualdades sociais da economia de mercado formam exército de inimigos desse sistema, os quais irão combatê-lo com as armas forjadas pelo próprio capitalista.

No entanto, os rebeldes primitivos examinados por Hobsbawm não parecem aptos para edificar ―um mundo de igualdade‖ (HOBSBAWM, 1970, p. 39), haja vista o seu caráter reformador e o diagnóstico incontestável de que este paradigma de proscrito social só pode sobreviver em áreas atrasadas politicamente onde as instituições de bem-estar do Estado não funcionem efetivamente. É, portanto, pedir exageradamente que esse paradigma de réprobo social aja dentro da lógica peculiar de um revolucionário (ainda que às vezes o acaso e os concertos históricos o permitam) promovendo a materialização dos ideais iluministas, já que ―a função prática do bandido é, na melhor das hipóteses, impor certos limites à opressão tradicional e à sociedade tradicional, à custa de ilegalidade, assassinato e extorsão‖

25 Este aspecto humanista de ―tratar os estranhos como seres humanos‖ (HOBSBAWM, 2000, p. 153) que abre o

capítulo intitulado Itália, querida Itália de sua longa entrevista proferida em italiano acerca d‘O novo século (2000), juntamente com o apreço aos movimentos de resistência de massa aos regimes totalitários, não cegou, todavia, a crítica desse historiador em relação aos sentimentos ítalos de vergonha econômica e de sua perda gradual de hegemonia cultural no globo a partir do século XIX que explicariam, em parte, a derrocada do humanismo nesse país traduzida no ―apoio coletivo e maciço que os italianos deram a todas as tentativas de restauração das glórias perdidas do passado, o que foi tão típico do fascismo‖ (HOBSBAWM, 2000, p. 153).

181 (HOBSBAWM, 1970, p. 39). Todavia, ainda assim, o proscrito social se configura em um respiro breve de justiça, pouco, mas relevante para a edificação de uma época dourada e mítica na qual este marginal se estabelecer na cabeça de seus conterrâneos como um verdadeiro ―amigo do povo‖.

Como os proscritos campesinos e rurais são em sua natureza reformadores e não revolucionários propriamente ditos não se pode observar nestes o conflito social protagonizado por aquela face que, na concepção materialista de Marx, representa o pior lado do percurso histórico da humanidade: a saber, a luta de classes (Klassenkampf). Isto porque o bandido social não busca conscientemente sair de sua condição de dominado para adentrar em uma subversão que implodirá o status quo, destronando em sequência lógica as figuras dominantes e, posteriormente, tomando para si o controle absoluto de toda a sociedade.

Na primeira obra literária brasileira a tratar da figura do jagunço, o autor nos informa que

[a] psicologia das massas, é por assim dizer, mais animal do que humana. A massa é uma grande força mecânica, completamente inconsciente. Nela, a soma das inteligências é igual a zero, embora a soma das forças baste muitas vezes para escalar o céu. A força ativa da massa está na razão direta de sua inconsciência e da sua sujeição a uma vontade e a uma inteligência, que ficam fora dela e que a subjugam. O homem no meio da multidão, adere a ela, confunde-se com ela e transforma-se em número, em força, em pedra dos muros, ou em aríete para romper muros (ARINOS, 1985, p. 199).

Destarte, o bandido é, obrigatoriamente, um produto do cenário rural com suas marcas indeléveis de tradicionalismo conservador e de pré-capitalismo industrial. Isto significa dizer que, quando um destes sinais desaparece do ambiente onde se insere o proscrito social, seja com a aquisição de consciência política da população pobre — a mesma que elege o bandido social como herói invulnerável —, seja com a maciça intervenção do poder público o qual cumprindo os seus deveres com a população, o rebelde primitivo é substituído por outra manifestação mais civilizada ou, o que para ele pode ser pior, desaparece quase que por completo da realidade interiorana.

Apesar de as origens mais remotas do banditismo encontrarem-se, lendariamente ou não, em meados do século XII, foi no intervalo entre o desfecho do século XIX e o início do XX — para ser mais preciso no intervalo compreendido entre os anos de 1880 e início da década de 1920, compreendendo, portanto, o período efervescente das revoluções na porção oriental da Europa e o colapso desse Continente com a eclosão da Primeira Guerra Mundial

182 — que se configurou o mais importante período do banditismo social, a sua ―era clássica‖ como denomina Eric Hobsbawm, haja vista que foi neste tempo ―que as ondas do mundo dinâmico e moderno chegam às comunidades estáticas para destruí-las e transformá-las‖ (HOBSBAWM, 1970, p. 38). Ao seu modo, esta é também a grande preocupação registrada pela literatura voltada para o indivíduo residente nos rincões como é a estética regionalista tradicional de Valdomiro Silveira — escritor que, juntamente com Afonso Arinos, ao longo da historiografia literária brasileira sofreu injustamente com a comparação ao regional erigido por Guimarães Rosa — que a denuncia nas páginas de suas narrativas literárias do modus

vivendi caipira em livros como Os caboclos e o desigual Lereias.

Não é à toa que, ao longo das páginas de Rebeldes primitivos e de Bandidos, Eric Hobsbawm utilize expressões como ―proscritos‖ e ―fora da lei‖ como sinônimos de bandidos. Esta situação marginal é compreendida dentro das concepções do status quo, para o qual o

outlaw representa um abalo sísmico nas garantias e privilégios oligárquicos, a grande representação do capitalismo, historicamente constituídos nos campos e demais zonas rurais. Assim, o banditismo é, acima de tudo, um desafio político e social para o Estado e as classes e instituições que o legitimam.

Em sua etimologia o vocábulo ―bandido‖, por exemplo, é lembrada pelo autor de

Pessoas extraordinárias (1998) em sua acepção de ―banido‖ no idioma italiano — língua falada, juntamente com o alemão, com fluência por esse intelectual — sem a conotação usual de ladrão, ainda que, dependendo dos ritmos das necessidades de subsistência, alguns indivíduos tenham lançado mão das práticas de roubos. De acordo com Hobsbawm,

[d]e início os ―bandidos‖ eram meramente membros de grupos armados que não pertenciam a nenhuma força regular. (O sentido moderno da palavra data de fins do século XV.) Já bandoleros, que é o nome que comumente se dá aos bandidos em castelhano, derivou do termo catalão que designava membros de grupos armados que participavam das agitações e dos conflitos civis que tomaram conta da Catalunha entre os séculos XV e XVII (HOBSBAWM, 2010, p. 26).

Assim, é em Rebeldes primitivos que aparece pela primeira vez, ao lado de depoimentos históricos de alguns bandoleiros surgidos no berço do Classicismo entre os séculos XIX e XX, a síntese e a sistematização daquilo que viria a ser este ramo de pesquisa historiográfica inaugurada quase de forma acidental por Hobsbawm, ao ser convidado para ministrar a tríade de conferências sobre o surgimento da tradição das rebeliões sociais

183 primitivas. Acerca de seu objeto de estudo, o autor de A era das revoluções define, em linhas gerais, ser o banditismo social,

um fenômeno universal e virtualmente imutável, é mais do que um protesto endêmico de camponeses contra a opressão e a pobreza: um grito de vingança contra o rico e os opressores, um vago sonho de poder impor-lhes um freio, justiçar os erros individuais. Modesta é a ambição dele: um mundo tradicional em que os homens sejam tratados justamente e não um mundo novo e perfeito. Ele se torna mais epidêmico do que endêmico quando uma sociedade rural que não conhece outros meios de autodefesa se encontra em condições anormais de tensão e desmembramento. O banditismo social não tem quase organização e ideologia e não se adapta de forma alguma aos movimentos sociais modernos. Formas altamente desenvolvidas de banditismo que limitem uma guerra nacional de guerrilhas são raras e, em si mesmas, ineficientes (HOBSBAWM, 1970, p. 16. Grifo meu).

Como as práticas de indigência e de abandono por parte do Estado não terminam, a insatisfação gera na população um estado constante de violência contida como em uma bolha prestes a estourar. Em sociedades assim atrasadas politicamente o bandoleirismo encontra-se em sono leve, podendo — e certamente — despertando a qualquer sinal do retorno das condições favoráveis para o seu ressurgimento como a fome, as guerras e ―as ondas do mundo dinâmico e moderno‖ (HOBSBAWM, 1970, p. 38) que, ao chegarem às comunidades tradicionais e estáticas, destroem ou transformam o modus vivendi e o ethos cultural destes

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