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3. PRÓXIMOS DO SENHOR, PERTO DA LIBERDADE: ESCRAVOS

3.5. Senhores propensos a alforriar

Mesmo considerando-se que a alforria era uma conquista do escravo e que dependia em parte do seu empenho pessoal, não se pode desconsiderar que a alforria dependia da anuência do senhor. Era, como realça Manuela Carneiro (2012), portanto, uma questão de direito privado, no qual o Estado apenas interferia em casos muito específicos,23 logo cabia aos senhores a decisão de alforriar ou não, embora a prática de alforriar mediante indenização de preço já fosse costume (CUNHA, 1983; CHALHOUB, 1990).

Mary Karasch (2000), tratando do Rio de Janeiro na primeira metade do século

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IHGRN. Cx. Notas. Livro de Notas de Arez 1774-1782. Carta de alforria de Maria crioula. 21

IHGRN. Cx. Notas. Livro de Notas de Arez 1819-1821. Carta de alforria de Jozefa do gentio de Angola.

22

INVENTÁRIO de João Pegado da Siqueira. GALVÃO, Helio. Velhas heranças. Revista Bando, Natal, v. 4, nº 6, ano 5, p. 77-121, Jul-Ago, 1954.O escravo Pedro, Angola, 20 anos foi avaliado em 100 mil réis e João, Angola, 18 anos, em 70 mil réis.

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Nos casos de crime contra o Estado, escravos delatores receberiam alforria, nas lutas de independência e em outros conflitos (CUNHA, 2012).

XIX, destaca a importância da participação feminina, não apenas entre as libertas, mas também entre as senhoras:

Para os donos de escravos como grupo, os documentos sugerem as conclusões seguintes. Primeiro o ambiente urbano facilitava a alforria, os escravos tinham maior probabilidade de obter a liberdade na cidade do que nas zonas rurais. Em segundo lugar, as mulheres em especial as mais velhas, que ficavam viúvas ou solteiras, desempenhavam um papel importante no processo de alforria, e, como veremos, tendiam a alforriar mulheres e crianças (KARASCH, 2000, p. 451).

Estudos sobre alforrias testamentárias têm identificado que senhores de pequenas e médias escravarias são mais propensos a alforriar do que os grandes proprietários de escravos.24 Como esse trabalho não dispõe de testamentos e os inventários permitem pouco cruzamento de informações sobre os senhores que alforriaram por meio das cartas, não se tem uma definição do tamanho das escravarias desses senhores. Tem-se, com base nos inventário, a noção de que a predominância era de pequenas posses de escravos no termo da vila.

As mulheres foram mais propensas a alforriar do que os homens no termo da vila de Arez. Assim, 19 mulheres alforriaram 38 pessoas, enquanto os proprietários homens alforriaram 21, e três pessoas foram alforriadas por casais.

Quadro 14

Divisão por sexo dos senhores que alforriaram

PROPRIETÁRIOS HOMENS (14) PROPRIETÁRIAS MULHERES (19) CASAL (3) TOTAL Alforrias Condicionais 7 14 0 21 Alforrias Pagas 11 19 2 32 Alforrias Gratuitas 3 5 1 9 Total por proprietários 21 38 3 62

Fonte: IHGRN. Cx. Notas. Livros de Notas de Arez (1774-1782/1785-1796/1819-1821/1826-1827). Alguns proprietários alforriaram nas três modalidades: condicional, paga e gratuita.

As informações sobre os senhores nas cartas de alforria são restritas, o que torna

24

O artigo de Jonis Freire, “Alforrias e tamanho das posses: possibilidades de liberdade em pequenas, médias e grandes propriedades do sudeste escravista (século XIX)”, de 2011, faz um balanço desses estudos. Cf., também, GUEDES (2008) e DAMASIO (1995).

difícil traçar um perfil desses proprietários que alforriavam escravos. Quanto aos homens que alforriaram, também há poucas referências. Três são identificados como capitães, um como capitão-mor, um sargento-mor e um vigário. Os demais (08) não são identificados pela função, tampouco pelo estado civil.

Entre as mulheres, havia cinco viúvas e uma freira. Essas alforriaram 21 escravos (33,87%). A viuvez da mulher, pelo que se pode inferir pelas cartas de liberdade, era uma probabilidade a mais para os escravos conseguirem alforria, sobretudo na ausência de herdeiros, porém parece que as viúvas tratavam de alforriar e garantir a permanência dos escravos enquanto fossem vivas. A necessidade de contar exclusivamente com os escravos para a subsistência, em caso de ausência de familiares, poderia facilitar para o escravo a negociação da liberdade, mesmo que essa somente ocorresse com a morte da senhora.

A assistência dada às viúvas é ressaltada por Maria Beatriz Nizza da Silva (1995), que expõe o papel desempenhado por parentes e agregados nessa função:

As chamadas “filhas de criação” também aparecem, tal como as afilhadas, como companhia e arrimo de viúvas. E podemos dizer, tendo como base os dados das listas de população, assim como a documentação notarial, que muito raramente as famílias do fim do período colonial deixavam as velhas sozinhas em suas casas, sobretudo em meio rural onde a sobrevivência se tornava mais difícil quando não havia escravos para a agricultura (SILVA, 1995, p. 95).

As viúvas proprietárias de escravas teriam, então, como garantir sua sobrevivência por meio do trabalho dos cativos, fosse como domésticos, na agricultura ou em outras tarefas que fornecesse alguma renda para as senhoras, como parece ter sido a alternativa de Dona Catharina Babosa, que alforriou escravos condicionalmente, incluindo uma afilhada com a obrigação de acompanhá-la e servi-la enquanto estivesse viva, e deixou “cortada” em testamento a alforria de dois escravos que pagaram pela liberdade ao testamenteiro da senhora, cumprindo o acordo e recebendo a carta de alforria. Tal senhora não teve filhos, mas tinha irmãos e sobrinhos, contudo não se sabe se ela pôde contar com os parentes na velhice. O que fica claro é que ela garantiu a permanência dos seus fiéis escravos ao seu serviço, mas nem todos foram alforriados, pois em seu inventário ainda restava 240 mil réis em valor relativo ao título de escravos.25

25

Josefa Tereza de Jesus, também viúva sem filhos, alforriou Mariana26 em cumprimento ao testamento do seu esposo, que deixou a escrava “cortada em

testamento” no valor de 50 mil réis, ficando ainda com mais quatro escravos. Outras

viúvas concederam mais alforrias pagas que condicionais ou gratuitas, de modo que não se pode vincular a condição de viúva às alforrias condicionais com base nos dados que se têm, mas, ao menos em algumas situações, pode-se inferir que tenha sido uma estratégia usada pelas senhoras para usufruir dos serviços dos escravos, postergando a liberdade de fato e, por outro lado, pode-se inferir que a condição de viúva ou velhice da senhora servia para que os escravos investissem na aquisição da liberdade ao encontrar, em algumas mulheres já no fim da vida maior probabilidade de concessão de alforria.

Tendo em vista que 38 alforrias (61%) foram concedidas por mulheres, é provável que tais senhoras fossem mais suscetíveis às negociações, pois, como se viu, essas alforrias não eram gratuitas em sua maioria, dependiam de um investimento, fosse pelo pagamento em moeda ou pelos anos de serviço impostos como condição.

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