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1.6 Mediadores inflamatórios e nocicepção: sensibilização periférica e central

1.6.2 Sensibilização Central

Diversos neurotransmissores, aminoácidos e neuropeptídios são liberados pelos terminais dos neurônios aferentes primários no corno dorsal da medula espinal, onde exercem importante papel na transmissão nociceptiva. Entre tais substâncias destacam-se os aminoácidos excitatórios glutamato e aspartato e diversos outros neurotransmissores e neuropeptídios, incluindo: SP, CGRP, neurocinina A (NKA) e neurocinina B (NKB), colecistocinina (CCK), somatostatina, óxido nítrico (NO), prostaglandinas e galanina (HILL, 2011).

A sensibilização central refere-se ao processo através do qual um estado de hiperexcitabilidade é estabelecido no SNC, conduzindo a um aumento no processamento dos sinais nociceptivos (WOOLF, 1983). Diversos são os mecanismos implicados na sensibilização central, sendo os principais: alteração na neurotransmissão glutamatérgica, perda do controle inibitório e interações glial- neuronais (Figura 8).

Potencial de ação retrógrado

- Sensibilização mediada por receptores glutamatérgicos/NMDA: A liberação de glutamato pelos terminais centrais é uma das formas de sinalizar a informação nociceptiva, gerando correntes pós-sinápticas excitatórias nos neurônios de segunda ordem. Isto ocorre primariamente através da ativação de receptores pós-sinápticos AMPA e cainato (receptores glutamatérgicos ionotrópicos). Todavia, perante uma estimulação intensa ou lesão persistente, receptores NMDA silente, localizados também na membrana pós-sináptica, são ativados aumentando os níveis de cálcio intracelular e gerando uma ampla cascata de sinalização dependente de cálcio e segundos mensageiros, incluindo MAPK, PKA, PKC e Src. Esta cascata de eventos aumenta a excitabilidade neuronal facilitando a transmissão de mensagens nociceptivas ao cérebro (BASBAUM et al., 2009).

Em adição à aumentada excitabilidade neuronal (hipersensibilidade), a sensibilização central contribui para que estímulos outrora inócuos passem a ser percebidos como dolorosos através da participação de fibras Aβ, as quais passam a fazer parte do circuito de transmissão nociceptiva resultando em profunda alodínia (BASBAUM et al., 2009).

- Perda do controle GABAérgico e glicinérgico: Interneurônios inibitórios GABAérgicos e glicinérgicos são densamente distribuídos no corno dorsal da medula e são a base para a teoria do portão de controle da dor, a qual postula que a perda de função desses interneurônios resultaria em aumentada nocicepção. A desinibição de interneurônios excitatórios conduz a um aumento na despolarização e excitação dos neurônios de projeção. Assim como na sensibilização central mediada por neurônios NMDA, a desinibição promove aumentada transmissão nociceptiva de estímulos nociceptivos e não nociceptivos, contribuindo para o desenvolvimento de alodínia mecânica (TORSNEY, MACDERMOTT, 2006; KELLER et al., 2007). Em parte, isso ocorre porque na desinibição fibras Aβ fazem parte da circuitaria nociceptiva através da desinibição de interneurônios excitatórios que expressam a isoforma de PKCγ, as quais são essenciais para o desenvolvimento da dor persistente (MIRAUCOURT et al., 2007).

A desinibição ainda pode ocorrer através da modulação glicinérgica em um mecanismo que envolve a ação de prostaglandinas na medula espinal (HARVEY et al., 2004). A lesão tecidual promove a liberação de PGE2, que atua em receptores

EP2 expressos em interneurônios excitatórios e neurônios de projeção. A resultante

impedindo que os neurônios respondam aos efeitos inibitórios da glicina (BASBAUM et al., 2009).

- Ativação microglial: Em condições normais, a micróglia funciona como macrófagos residentes do SNC, os quais são homogeneamente distribuídos na medula espinal. Após algumas horas da lesão nervosa periférica há um acúmulo de micróglia na região medular em que terminam as projeções das fibras nervosas lesionadas. Esta ativação migroglial libera várias moléculas sinalizadoras, incluindo citocinas (TNF-α, IL-1β, IL-6), as quais aumentam a sensibilização neuronal central, conduzindo a um estado de dor persistente (DeLEO et al., 2007), demonstrando que a ativação microglial é suficiente para ativar condições de dor sustentada (TSUDA et al., 2003). Um dos principais mediadores inflamatórios responsáveis pela ativação microglial é o ATP, o qual ativa receptores purinérgicos, especialmente P2X4 (TSUDA et al.,

2003), P2X7 (CHESSELL et al., 2005) e P2Y12 (HAYNES et al., 2006; KOBAYASHI et

al., 2008). Além disso, foi demonstrado que a ativação de receptores P2X4 pelo ATP

induz à liberação do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) pela micróglia. O BDNF, por sua vez, atua em receptores TrkB presentes nos neurônios de projeção, gerando mudanças no gradiente de íons cloreto, o que induz uma mudança na ação de neurônios GABAérgicos, que em vez de hiperpolarizar a membrana, a despolariza, permitindo que haja a transmissão no sinal nociceptivo (BASBAUM et al., 2009).

Outro mediador inflamatório importante na ativação microglial é a quimocina fractalquina, que em situações normais liga-se ao receptor CXCL1 expresso em neurônios aferentes primários e secundários. Todavia, após uma lesão nervosa periférica a fractalquina liga-se em receptores CX3CR1 expressos na superfície da micróglia, consistindo em mais uma via pela qual a micróglia está envolvida na sensibilização central (LINDIA et al., 2005; ZHUANG et al., 2007).

Recentemente, muitos membros da família dos receptores “tipo Toll” (TLRs) são implicados na ativação microglial após uma lesão nervosa. Os TLRs são proteínas transmembrana expressos em células do sistema imune periférico e da glia. Estudos mostraram que a inibição genética ou farmacológica dos TLRs resulta na diminuição da ativação microglial e na hipersensibilidade gerada pela lesão nervosa periférica (KIM et al., 2007; OBATA et al., 2008).

A contribuição dos astrócitos no processo de sensibilização central é menos clara. Estas células são induzidas na medula espinal após lesão nervosa, porém, em

contraste com a micróglia, a ativação astrocitária é geralmente tardia e persistente. Dessa forma, acredita-se que os astrócitos apresentam um papel mais crítico na manutenção da sensibilização central, com consequente persistência da dor, em vez de sua indução (REN, DABNER, 2008).

Figura 8: Sensibilização central: Medula espinal.

1- Sensibilização mediada por receptores glutamatérgicos/NMDA: Após intensa estimulação ou lesão persistente, fibras Aδ e C liberam uma variedade de neurotransmissores (glutamato, SP, CGRP, ATP) na medula espinal. Como consequência, receptores NMDA silente são ativados, conduzindo a um aumento de cálcio intracelular e ativando diversas vias de sinalização dependente de cálcio e segundos mensageiros (MAPK, PKC, PKA e Src). Esta ativação aumenta a excitabilidade neuronal com consequente facilitação da transmissão do sinal nociceptivo. 2- Desinibição: Em condições normais, interneurônios inibitórios (azul) liberam GABA e glicina para diminuir a excitabilidade neuronal e modular a transmissão nociceptiva. Todavia, perante uma lesão esta inibição pode ser perdida e resultar em hiperalgesia. Adicionalmente, a desinibição pode permitir que fibras Aβ participem da circuitaria nociceptiva, onde estímulos inócuos passam a ser percebidos como dolorosos. Isso ocorre, em parte, através da desinibição de interneurônios excitatórios que expressam a isoforma γ da PKC. 3- Ativação microglial: A lesão nervosa periférica promove a liberação de ATP e da quimocina fractalquina que estimulam células microgliais. A ativação do receptor purinérgico (CX3CR1) e de TLRs na micróglia (em roxo) resulta na liberação de BDNF, o qual promove aumento na excitabilidade neuronal e aumento nas respostas aos estímulos nócuos (hiperalgesia) e inócuos (alodínia). A micróglia ativada também libera citocinas (TNF-α, IL-1β, IL-6) e outros fatores que contribuem para a sensibilização central. Fonte: Adaptado de BASBAUM et al., 2009).

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