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3. DISCUSSÃO SOBRE O NACIONAL

3.2 O SENSO DA DISTINÇÃO: OS INTÉRPRETES

Os intérpretes, aqui entendidos, constituem uma classe de intelectuais que se propunham a traduzir as vertentes do pensamento fundador do Brasil Republicano e, em certa medida, influenciaram o pensamento social brasileiro produzido no final do Século XIX e inicio do Século XX.

Alonso (2002), ao discutir as principais linhas de interpretação da geração dos anos 1870 do século XIX, observou duas vertentes: uma cognitiva e outra prática. A cognitiva corresponde à capacidade de gerar teorias sociais, situando-as no plano histórico das ideias. A prática caracteriza-se como movimento produtor da ideologia modernizadora.

Nas duas vertentes, cognitiva e prática, apontadas por Alonso (2002), ocorre uma desconexão entre os agentes de pensamentos e os agentes da ação política, evidenciando-se uma clara distinção entre a atividade intelectual dos políticos e a atividade política dos intelectuais. Uma reduz-se à construção de um projeto de conhecimento que dê conta da realidade nacional; outra expressa-se como manifestação da atividade dos sujeitos no plano das ações políticas. Observando o fato de que as manifestações coletivas se expressam

“tanto em escritos quanto em forma de ação” (ALONSO, 2002, p. 35), conjugamos as duas vertentes, a fim de obter um novo modo de interpretar trajetórias.

Ianni (2004) apontou três grandes linhas para a abordagem de trajetórias. A primeira “é a que se concentra na análise do Estado, da organização do poder estatal, tendo em conta ressaltar a missão do Estado como demiurgo da sociedade e da história” (IANNI, 2004, p. 43). Nessa perspectiva, o proeminente papel do Estado se defronta ordinariamente com a sociedade civil, cujo bloco histórico encontra-se tutelado pelo centralismo estatal. A segunda “debruça-se concentradamente na formação, tessitura e mudança da sociedade” (IANNI, 2004, p. 45), com ênfase na herança colonial. Nesse caso, as influências colonizadoras determinam a formação do tecido social, bem como sua organização estrutural. A terceira enfatiza os aspectos culturalistas, mas considerando as “elaborações típico-ideais” (IANNI, 2004, p. 47), entendendo-se como tipos ideais certos padrões sociais fortemente enraizados na formação sociocultural, político-econômica e psicossocial brasileira. Aí entram em jogo as tradições indígenas, africanas, portuguesas, ibéricas e mediterrâneas.

Ao considerarmos o fato de que o conhecimento se desenvolve no processo histórico, percebemos que tais linhas de interpretação influenciaram fortemente o debate sobre a questão nacional, no tocante aos paradigmas explicativos sobre o país racial e culturalmente miscigenado.

Vê-se, portanto, múltiplos diálogos e olhares em torno do processo histórico de formação do campo reflexivo das ideias sobre identidade nacional, cujas formulações tornaram-se clássicas, à medida que foram se reatualizando

no debate contemporâneo sobre a possível conciliação entre tradição e modernidade. Essas noções podem contribuir para a definição de novos olhares sobre a lógica dos estudos de trajetórias e disposições assumidas a partir do esquema da classificação do conjunto de agentes, inseridos nesse campo reflexivo sobre o duplo tema nação/identidade.

São os agentes no mundo social que produzem os sistemas de ideias e, ao mesmo tempo, as tomam como orientação para suas ações, ingressando esses agentes numa práxis, mediante a atividade política recorrente da luta pela direção e estruturação da sociedade. “Uma práxis política pressupõe a participação de amplos setores da sociedade” (VÁSQUEZ, 2007, p. 231) em busca de interesses de classe.

No mundo social, o poder é o mais importante instrumento para a transformação de uma sociedade. Porquanto o entrelaçamento entre saber - conhecimento da realidade e da correlação de classe - e poder - representação advinda de uma lógica circunstancial, especificamente, o exercício do cargo político (Legislativo, Executivo ou Judiciário) possibilita transformar o ideal em real.

José Américo apresenta-se como um intelectual brasileiro que, no contexto da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, realizou um estudo, seguindo os rigores científicos, sobre a realidade social e cultural da região Nordeste, o que resultou num produto da ciência. Tendo a posse desse conhecimento e a condição circunstancial para o exercício do cargo político, perseguiu uma linha de ação, fundamentando-se no resultado do seu trabalho, que se consumou em práxis política.

processo da ação dos agentes objetivamente ligados a um grupo ou classe. O conhecimento acumulado foi construído, e o “princípio dessa construção é o sistema de disposições estruturadas e estruturantes que se constitui na prática e sempre orientado para funções práticas” (BOURDIEU, 2009, p. 86). Ao participar do contexto de produção de conhecimento José Américo estabeleceu relações objetivas com os intelectuais de sua geração. Por meio dessas relações tem-se um produto objetivado, incorporado das estruturas e dos

habitus – que constitui-se num conjunto de esquemas interiorizados, geradores

e organizadores de práticas, que, permite a cada agente criar, a partir dos princípios implícitos do campo, suas condutas no mundo social. Deste modo, cada um adquire e demonstra, para os portadores do mesmo habitus, um sentido do seu próprio lugar no espaço social.

No campo reflexivo, o intelectual constitui-se como tal a partir da autoridade que se afirma na distinção de uma posição. A posição dos agentes – membros de uma estrutura definida como classe – (dos sociólogos, antropólogos, escritores, políticos...), se define pelo senso de distinção, esta, se revela a partir da distribuição das diferentes espécies de capitais (científico, artístico, político...) no campo de lutas. Esse campo de luta é lugar de materialização da prática da distinção mediante as confrontações dos capitais, singularmente apropriados pelos seus agentes através da violência simbólica presente na luta no intuito de distinguir-se.

Para tornar inteligíveis tais confrontações é preciso ter em mente que nenhuma interpretação esgota os sentidos possíveis, porque elas circulam no âmbito do “conflito das interpretações” (RICOEUR, 1998). Portanto, acreditamos na plausibilidade do caminho escolhido a partir da seleção do

percurso temático para a compreensão das práticas e obras produzidas a partir do habitus dos agentes que compunham o campo de produção científico das ciências sociais no Brasil no final do século XIX e início do século XX.