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A sentença substitutiva consiste em técnica de decisão em que se declara a inconstitucionalidade da disposição normativa na parte em que prevê determinada coisa em vez de outra que deveria prever para estar em conformidade com a constituição. Opera-se, por conseguinte, no quadro da orientação interpretativa do órgão judicial, a substituição da norma atribuída à disposição normativa por outra que esteja em consonância com a interpretação dada à constituição.

Segundo Guastini (1991, p. 136), a sentença substitutiva é definida como aquela em que a corte declara a inconstitucionalidade de uma disposição normativa “enquanto prevê, ou na parte em que prevê, uma certa coisa ‘em vez de’ outra, que deveria prever para ser conforme a Constituição”. Ou, nas palavras de Cerri (1994, p. 99), nesse tipo de decisão a

36 No mesmo sentido, as sentenças: 466/2002, 252/2003 e 77/2007. Para outros exemplos, cf.: LAMARQUE, 2008, p. 762-765; RUGGERI; SPADARO, 2004, p. 145; SAMPAIO, 2001, p. 170-171.

“corte não se limita a censurar uma disposição normativa na parte em que não contempla uma certa hipótese, mas na parte em que prevê certo resultado em vez de outro”. Portanto, a sentença substitutiva representa o ponto máximo de manipulação e de criatividade do juízo constitucional (CERRI, 1994, p. 99; SANCHEZ, 1998, p. 297).

Por exemplo, determinada disposição normativa atribui direitos a S1. No entanto, segundo entendimento da corte, a disposição normativa deveria atribuir esses direitos a S2 para estar em consonância com a constituição. O tribunal poderia declarar a inconstitucionalidade da lei, pura e simplesmente. Entretanto, a corte declara inconstitucional a disposição normativa na parte em que atribui direitos a S1, em vez de S2. Assim, de um lado, declara-se a inconstitucionalidade parcial da disposição normativa impugnada – da norma atribuída à disposição; do outro, atribui-se à disposição impugnada uma nova norma que passe a conter S2, em vez de S1 (GUASTINI, 2003, p. 66). Daí o nome substitutiva.

Da mesma forma que a sentença aditiva, a sentença substitutiva possui duas componentes: uma componente ablativa ou demolitória em que se declara inconstitucional a norma na parte em que prevê determinada situação; e uma componente reconstrutiva em que a norma atribuída à disposição impugnada passe a prever norma diversa daquela que seria atribuída (RUGGERI; SPADORO, 2004, p. 147; MALFATTI; PANIZZA; ROMBOLI, 2003, p. 136). Ademais, assim como a sentença aditiva, ela é dotada de eficácia vinculante e efeitos contra todos (ZAGREBELSKY, 1977, p. 158).

Existem, no entanto, duas diferenças fundamentais em relação à sentença aditiva. A primeira refere-se à componente ablativa. Enquanto a sentença aditiva atinge a disposição normativa na parte em que não prevê determinada coisa – ou seja, uma norma de exclusão implícita atribuída ao texto –, a sentença substitutiva atinge a disposição normativa na parte em que prevê algo – ou seja, uma norma contida explicitamente no texto. Em outras palavras: se a sentença aditiva tem por objetivo remediar uma omissão ou lacuna do legislador, a sentença substitutiva não.

A segunda diferença decorre da primeira e reside na componente reconstrutiva. A sentença aditiva agrega a norma atribuída à disposição normativa impugnada um conteúdo novo, ao passo que a sentença substitutiva altera a norma atribuída à disposição normativa por outra de conteúdo diverso daquela que foi julgada inconstitucional. Dito de outro modo: enquanto a sentença substitutiva indica uma norma em substituição àquela declarada inconstitucional, a sentença aditiva acrescenta uma norma àquela impugnada.

A primeira sentença substitutiva da Corte Constitucional italiana foi a sentença 15/1969. Na oportunidade, a corte discutiu a constitucionalidade do artigo 313 do Código

Penal italiano, que punia o delito de desacato cometido contra o Parlamento ou a Corte Constitucional, mediante ação penal condicionada à autorização, respectivamente, do Parlamento ou do ministro da Justiça, conforme parágrafo terceiro do referido dispositivo. A corte entendeu que o dispositivo em questão violava o artigo 134 da Constituição que conferia autonomia e independência à Corte Constitucional. Dessa forma, o tribunal declarou a inconstitucionalidade do artigo 313, parágrafo terceiro, do Código Penal “na parte em que atribuiu o poder de autorizar a ação penal de desacato à Corte Constitucional ao ministro da Justiça, em vez de atribuir à própria corte”. Portanto, a corte substituiu uma norma atribuída ao dispositivo cujo significado era na essência: a autorização é de competência do ministro da Justiça, por outra norma, cujo significado é na essência: a autorização é de competência da Corte Constitucional.

A prática da Corte Constitucional italiana registra outros exemplos. Nesse sentido, a sentença 409/1989. Na oportunidade, a corte entendeu que o crime praticado pelo militar que se recusava a prestar serviço por objeção de consciência, com pena de reclusão de dois a quatro anos – conforme o parágrafo segundo do artigo 8º da Lei 772/1972 – seria equiparável ao crime praticado pelo militar que faltava à chamada sem justo motivo, com pena de reclusão de seis meses a dois anos. Por conseguinte, em virtude do princípio da proporcionalidade, a corte declarou inconstitucional o dispositivo normativo em questão na parte em que previu pena de reclusão de dois a quatroanos, em vez de pena de seis meses a dois anos.

Em igual teor, registre-se a sentença 307/2002, em que a corte declarou inconstitucional o artigo 405 do Código Penal na parte em que previu pena mais grave para o crime de perturbação de culto católico, em vez de pena menor, tal como a prevista no artigo 406 do Código Penal37, quando os mesmos atos eram praticados contra outros cultos religiosos.

Também com natureza substitutiva, citem-se outras sentenças recentes da Corte Constitucional italiana: 1) a sentença 78/2002, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 54, parágrafo terceiro, do Código de Processo Civil, na parte em que previu que o autor ou o advogado que tenha feito pedido de suspeição do juiz seja condenado a pena pecuniária no caso de rejeição do pedido, em vez de prever que o autor ou o advogado “pode ser” condenado; 2) a sentença 104/2003, que declarou inconstitucional o artigo 45, parágrafo primeiro, do Decreto-lei 151/2001 – que dispôs sobre a proteção e o apoio à maternidade e

37 O artigo 406 do Código Penal e a expressão “culto católico” contida no artigo 405 foram, posteriormente, revogados pela Lei 85/2006.

paternidade –, na parte em que previu que o repouso laboral diário diferenciado da mãe e do pai em caso de adoção incide “dentro do primeiro ano de vida da criança”, em vez de “dentro do primeiro ano de ingresso do menor na família”; 3) a sentença 60/2006, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei 468/1999 – que dispôs sobre a instituição dos juízes de paz –, na parte em que estabelece o impedimento para o exercício da função no caso de o cônjuge, companheiro ou parente até segundo grau do interessado exercer a atividade no território italiano, em vez de limitar o impedimento ao tribunal em que a função é exercida. 38