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114 Colonização em três sentidos?

A discussão anteriormente elaborada sobre a expansão da citricultura, relacionando-a à da cafeicultura e procurando suas diferenças qualitativas, solicita que nos voltemos agora para as relações de trabalho que fundamentam as referidas relações sociais de produção que as caracterizam. Para tanto, propomos um percurso que recupera a proposta de compreensão do ―sistema‖ ou ―regime‖ de trabalho do colonato na cafeicultura e sua ―crise‖.

Nessa retomada, semelhante ao que fizemos na dissertação de mestrado, procuraremos pensar na distinção que há entre o ―sentido da colonização‖ (Prado Jr., 2000), próprio do Antigo Sistema Colonial (Novais, 2005), e o que passa a se propor como alternativa à reprodução social das ex-colônias, ao longo do século XIX, naquilo que circunscrevemos como ―colonização sistemática‖ (Marx, 1986, l. I, t. 2, cap. 25). Trataremos, com isso, de pensar a assim chamada ―acumulação primitiva‖ (Marx, 1986, l. I, t. 2, cap. 24), para o contexto pós-Revolução Industrial, em que um padrão social de reprodução do capital já está em vigor e que se impõe como modelo a ser perseguido para os Estados-nações em formação. Essa passagem que configuraria a discussão de uma ―modernização retardatária‖ (Kurz, 2000) será importante para se pensar nas condições de expropriação em que a expansão da cafeicultura ocorreu e como o colonato se apresenta como possibilidade de acumulação de capital nessas condições. Com isso, estaremos re-formulando a noção de pioneirismo nessa expansão, finalmente embasando-a na discussão de se aquelas expansões da cafeicultura e da citricultura configurariam uma acumulação primitiva ou não.

Ao fazer essas passagens, procuraremos levar simultaneamente uma discussão sobre o papel do Estado nessas transformações, ao passo que tentaremos sublinhar as condições de existência desse mesmo Estado nas referidas condições.

Terminada a re-interpretação desse caminho interpretativo, num prosseguimento da revisão bibliográfica que este texto pretende inicialmente fazer, passaremos à análise de um caso das transformações locais das relações de trabalho do colonato, no momento da dissolução desse sistema de trabalho em fazendas do antigo município de Olímpia. Para tanto, analisaremos um caso particular, a partir da contabilidade de um ex-camarada, e das mudanças na remuneração de ex-camaradas e ex-colonos

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trabalho do ―boia-fria‖. Sendo essa categoria social historicamente formada e relacionada à crise da reprodução extensiva da cafeicultura (e de seu correlato ―regime‖ de trabalho), alguns dos autores desses estudos propuseram uma compreensão desse surgimento como decorrente da formação de uma ―superpopulação relativa‖ (Marx, 1986, l.I, t. 2, cap. 23), à maneira como também o fizemos. Por fim, tentaremos ressaltar certa diferença de nosso procedimento analítico pela centralidade que damos ao entendimento da ―autonomização do capital‖ (Marx, 1986, l. 3, t. 5, cap. 48), o que nos permite evitar incorrer em dualismos de qualquer tipo.

Será importante, ao final e ao longo da análise da contabilidade acima apresentada, também indicar uma discussão mais centrada no regime de trabalho do ―boia-fria‖, mais particularmente ao caso do colhedor de laranja, concluindo uma análise da dimensão crítica em que se reproduz a força de trabalho na citricultura.

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A colonização como sistema e como ascensão de um sistema que a critica

É bastante conhecida a introdução da Formação do Brasil contemporâneo (Prado Jr., 2000), em que o seu autor propõe que a história da colonização do que viria a se tornar o ―Brasil‖ devesse ser compreendida pela intenção fundamental da ―empresa colonizadora‖ de se produzir mercadorias tropicais para o nascente mercado consumidor europeu. Nós mesmos já aludimos a essa passagem no início do capítulo anterior, sugerindo que ela seja um importante passo no questionamento de uma dicotomia entre moderno e atrasado. Isso porque tal procedimento colocava a difícil questão de começar a ―história colonial‖ a partir de sua inserção no ―mundo moderno‖, ao passo que articulava as histórias de Portugal e ―Brasil‖, e também da Europa e suas Colônias, num mesmo processo de integração: ―Processo que acabaria por integrar o Universo todo em uma nova ordem, que é a do mundo moderno, em que a Europa, ou antes, a sua civilização, se estenderia dominadora por toda parte‖ (Prado Jr., 2000; 8-9).

Porém, veja-se que a construção da frase indicava algo não consumado de imediato, mas em processo de constituição. A colonização, desse modo, aparecia na obra citada como apenas podendo ser entendida como tal (ou, por assim dizer, como sistema) no seu momento final, em sua síntese, quando de fato o questionamento de alguns de seus fundamentos permitiria compreender o sentido que esteve pautando a sua reprodução99. Porém, esse momento de síntese era também o momento de instituição de um império desvinculado da metrópole e, assim, um momento decisivo da formação do Brasil contemporâneo. A autonomização de um Estado brasileiro em relação ao capital europeu significava, ao menos formalmente, que aquele deixava de ser uma colônia de um Estado absolutista europeu. Em suma, o processo só se apresentava como tendo sido quando começava a deixar de sê-lo e, assim, permitia uma análise a posteriori do que ocorreu ―às costas‖ dos agentes do processo.

Para uma melhor compreensão da questão, retomemos a formulação do autor. Parte do todo, portanto, a colonização portuguesa na América não se reduzia, no entanto, aos seus

99 “N~o sofremos nenhuma descontinuidade no correr da história da colônia. E se escolhi um momento dela,

apenas a sua última página, foi tão-somente porque [...] aquele momento se apresenta como um termo final e a resultante de toda nossa evolução anterior. A sua síntese. Não se compreende por isso, se desprezarmos inteiramente aquela evolução, o que nela houve de fundamental e permanente. Numa palavra, o seu sentido” (Prado Jr., 2000; 8).

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aspectos mais abstratos e amplos, como mera necessidade cumprida para um projeto preestabelecido de acumulação, mas, antes, fez-se por um sem número de circunstâncias particulares no seu desenrolar, e por antecedentes ―acumulados‖ anteriormente a elas. Derivava, assim, na acepção de Prado Jr., de uma longa história do comércio continental europeu e o particular desenvolvimento das rotas marítimas deste, principalmente após o século XIV, através da sua costa. Esse desenvolvimento das rotas marítimas teria levado a um deslocamento da acumulação comercial do centro do continente, onde estava a velha rota terrestre com o Oriente, para os territórios da fachada oceânica, algo que se consolidaria no século XV.

O novo equilíbrio que daí surgiu e a forma com que as relações comerciais passaram a depender dos meios marítimos para a circulação das mercadorias, e sua consequente acumulação comercial nesses territórios, explicavam, em parte e sumariamente, a grande expansão europeia que teria Portugal como ―pioneiro‖, o primeiro destes territórios a se unificar em Reino, seguido pela Espanha.

Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era, que se convencionou com razão chamar dos ‗descobrimentos‘, articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu (Prado Jr., 2000; 11).

―Colonização‖ deixaria, com a experiência portuguesa, de se ater meramente ao estabelecimento de simples feitorias como até então se havia procedido no Mediterrâneo, Oriente e em outras partes. Na ausência inicial de uma população estabelecida e produzindo o que se pudesse transformar em mercadorias comercializáveis no mercado europeu, Portugal deu os primeiros passos na organização da produção e no povoamento em suas ilhas do Atlântico. Nisso, para o caso das colônias recém-descobertas no novo continente, da extração de alguns poucos produtos (pau-brasil, no Brasil, peles e pesca nas colônias do Norte, e metais preciosos no México e no Peru), passar-se-ia a uma colonização diferenciada.

Assim, Prado Jr. (2000) distinguia, além daquela colonização impulsionada pela descoberta de metais preciosos nas colônias espanholas, as colonizações das áreas temperadas das de áreas tropicais e semitropicais. Via-se, portanto, uma espécie de divisão territorial do

trabalho, na qual a ―natureza‖ parecia agir como particularizadora da especialização das

mercadorias produzíveis. Porém, outros elementos não exatamente ―naturais‖ viriam a ser acionados para explicar as diferenças estabelecidas.

Dessa maneira, a ―colonização‖ da hoje denominada América do Norte, também após um primeiro momento de extração de uns poucos produtos, peles e pesca, seria impulsionada

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pela situação social da Europa, em especial as lutas religiosas da Reforma, após o século XVII. Paralelamente a estas, uma profunda modificação na base da reprodução social da população inglesa constituiria uma forte corrente migratória para a América do Norte. Aos colonizadores, suas motivações seriam de ordem totalmente diversa das dos portugueses e espanhóis; como resultado teriam criado uma sociedade relativamente semelhante à que tiveram que abandonar100, e que assim cumpria mal o ―sentido da colonização‖.

Motivos diversos teriam que impelir o colonizador europeu às empresas dos trópicos, particularmente em condições ainda mais adversas às que lhes eram usuais, porém, também isso acarretaria numa particularização do colono branco nos trópicos. E mais, a diversidade das condições proporcionaria a possibilidade da obtenção de mercadorias que não se poderiam produzir na Europa e que eram especialmente atrativas, tais como o açúcar, a pimenta, o tabaco, o arroz, o algodão e muitos outros101

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O estímulo assim se explicava; porém, a obtenção de tais produtos só se concretizaria com a exploração do trabalho de homens escravizados para isso. O português não se punha como trabalhador, ao contrário do que parece ter sido o colono da América do Norte, e, nisto principalmente, operava uma diferenciação essencial entre uma e outra colonização; sendo que nos trópicos, e nas colônias inglesas do sul da América do Norte, a empresa tomaria a forma das grandes unidades produtoras, em especial as grandes plantações. A escravização de índios e negros seria a saída para a efetivação dessa produção, sendo que sequer se poderia cogitar o emprego exclusivo de trabalhadores portugueses, quando o próprio Reino ressentia- se de tal contingente, escasso.

Assim, é dessa breve apresentação que se depreendem as características essenciais que constituíram a colonização dos trópicos, na formulação de Prado Jr. (2000). Seu caráter de grande empresa decorria, pois, da extensão das intenções de exploração que já se verificavam na própria expansão do comércio europeu e que, na América do Norte, teriam ficado ―atrofiadas‖ pela possibilidade de apenas se produzir o que também se podia produzir na

100 “S~o assim circunst}ncias especiais, que n~o têm relação direta com ambições de traficantes ou

aventureiros, que promoverão a ocupação intensiva e o povoamento em larga escala da zona temperada da América. [...] O que os colonos desta categoria têm em vista é construir um novo mundo, uma sociedade que lhes ofereça garantias que no continente de origem j| n~o lhes s~o mais dadas” (Prado Jr., 2000; 15).

101 “Coloquemo-nos naquela Europa anterior ao séc. XV, isolada dos trópicos, só indireta e longinquamente

acessíveis, e imaginemo-la, como de fato estava, privada quase inteiramente de produtos que se hoje, pela sua banalidade, parecem secund|rios, eram ent~o prezados como requintes de luxo” (Prado Jr., 2000; 17).

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própria Europa e pelas motivações dos seus colonos. Por seu lado, a grande empresa produtora de mercadorias tropicais para a Europa, conformar-se-ia, principalmente, com a grande plantação ou a mineração dessas mercadorias em grandes extensões de terra e com a exploração do trabalho escravo. O sentido de produzir mercadorias para o exterior levava, pois, a uma estruturação social para realizá-lo e desta decorreria a nossa sociedade colonial e mesmo aquela que se colocaria após a Independência102.

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos americanos (Prado Jr., 2000; 19-20).

Dessa maneira, os elementos ressaltados na análise inicial de Prado Jr. (2000) dessa colonização eram a grande propriedade pertencente a colonos, sobretudo portugueses, a produção de mercadorias tropicais para o mercado europeu e a escravidão. A articulação desses elementos constituiria, de certa maneira, o núcleo por onde aquela sociedade se reproduzia, sendo que outros elementos como a pecuária, as posses e pequenas produções de alimentos e a população de trabalhadores livres, que existiam aparentemente para além desse núcleo, também eram por ele articulados e mesmo subordinados a ele, num procedimento reiterado pelo autor no desenrolar da obra.

Com isso, ao seu modo, Prado Jr. (2000) parecia retomar a tentativa de compreensão da forma social da mercadoria, colocando-a no centro da relação social que instituía a colonização. Disso advinha o estatuto do seu processo como parte da modernidade, a priori.

Ao mesmo tempo, as críticas que recorrentemente foram feitas a esse procedimento analítico reclamaram certa falta de importância dada àquilo que aparentemente era marginal àquele núcleo da sociedade colonial. Porém, sugerimos que, aparentemente, teria sido o próprio processo de colonização que os colocou à ―sombra‖ do lado mais abstrato da mercadoria e de sua produção (Scholz, 1994). Isto é, uma acumulação interna, o mercado interno, a família de escravos ou de homens livres, a pequena produção, as ―artes‖ ou a ―cultura‖ tiveram um papel na reprodução de uma sociedade que era todavia declarada e

102 “Se vamos { essência da nossa formaç~o, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer

açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se dispor| naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país” (Prado Jr., 2000; 20).

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oficialmente uma colônia de Portugal, que produzia mercadorias preferencialmente em larga escala e para o mercado europeu, de modo que o trabalho escravo se fazia necessário para cumprir tais tarefas, ao mesmo tempo em que o consumo de escravos também significava importantes receitas para a Metrópole.

Por sua vez, é importante evitar simplesmente uma aceitação da marginalização efetivamente imposta às formas que não se puseram como centrais na organização social do processo em si de colonização, criticando uma similar ―marginalização‖ no nível da ciência. Mariza Correa (1982) parece criticar a subordinação direta, por exemplo, de outras formas de ser da família à centralidade da família patriarcal no período colonial, na obra de alguns dos cânones acadêmicos.

Essa maneira de olhar achata todas as possibilidades imaginadas e tentadas, reduzindo-as a extensões de um núcleo homogêneo que não teria feito mais do que se expandir e progredir através do tempo e do espaço, vindo afinal a ocupar o lugar que sempre lhe esteve reservado. Escamoteando as alternativas, tornando-as invisíveis, este olhar alinha-se ao lado do modelo dominante, ignorando que foi através de uma luta suja, de infinitos pequenos conflitos e manipulações, e da violência, que este modelo, afinal, impôs-se (Corrêa, 1982, p. 15).

Embora possa fazer, realmente, tabula rasa de muitas ―possibilidades imaginadas e tentadas‖, enfim, dessas formas alternativas, parece-nos importante também o movimento de

crítica à totalidade que a perspectiva de Prado Jr. (2000) possibilita, ao partir da forma-

mercadoria como elemento fundante da sociedade colonial. Por ora, nos restringiremos parcialmente à formulação do fundamento dessa crítica, ainda que concordemos com a elaboração conjunta dessas possibilidades com a compreensão de mecanismos diversos de relação, compondo uma espécie de totalidade concreta (Sholz, 2005), bem como com a preocupação do resgate de inúmeras formas de conflitos da ―luta suja‖ para a concretização do próprio ―modelo‖ dominante103

(Benjamin, 2005).

Do ponto de vista do sistema criado, entretanto, as mercadorias que mediavam a relação entre colônia e metrópole pareciam estar, de fato, no ―centro‖. No entanto, não seria

103 Pensamos aqui na importante crítica de Walter Benjamin ao historicismo, que aponta, na tese VI de seu

Sobre o conceito de história, para o perigo iminente e constante do historiador “deixar-se transformar em

instrumento da classe dominante” (Benjamin, 2005; 65). Para tanto, o autor apresenta a seguir uma contundente compreens~o, no fundo semelhante { de Corrêa (1982) de que: “N~o h| um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie. E, assim como ele não está livre da barbárie, também não o está o processo de sua transmissão, transmissão na qual ele passou de um vencedor a outro. Por isso, o materialista histórico, na medida do possível, se afasta dessa transmissão. Ele considera como sua tarefa escovar a história a contrapelo” (Benjamin, 2005; 70). Com isso, n~o estamos enquadrando Prado Jr. (2000) como um historicista de modo nenhum, de modo que estamos o recuperando como materialista histórico. No entanto, sua própria canonização na historiografia talvez tenha, de algum modo, também deturpado a recepção do potencial de sua crítica à forma social que nos embasa.

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esta apresentação exatamente igual à da forma mercadoria, tal qual delineada em O capital: aquela em que, na troca de mercadorias, tem-se pressuposta uma divisão do trabalho, com uma mobilidade do trabalho especializado acionada por certo ―poder difuso‖ da mercadoria de comandar o trabalho alheio. Isto é, ali Marx (1985, L. I, t. 1, cap. 1) parecia teorizar sobre as implicações da troca, em seu sentido mais abstrato, que parece pressupor a relação entre proprietários de mercadorias distintas trocando-as voluntariamente no mercado.

No sistema colonial, ao se conformar as trocas entre colônia e metrópole, estas eram pautadas por relações explícitas de monopólio, mas, ainda assim, eram coisas concretamente distintas (mercadorias tropicais e mercadorias europeias) que estavam sendo igualadas104, bem como o trabalho concreto nelas coagulados. Era essa a abstração real (Marx, 1985, l. I, t. 1, cap. 1), nesse momento já presente, que abstraía os conteúdos concretos das relações de produção seja nas colônias, seja na Europa.

Por isso, o próprio procedimento de troca de mercadorias relegava a um plano obscuro aquilo que não vinha ao mercado, mesmo que fosse fundamental na existência das mercadorias em si. Com isso, o ―sistema colonial‖ já fazia parte do ―sistema mundial produtor de mercadorias‖ (Kurz, 2000), mas também de um patriarcado que organizava tal produção.

Sua forma social tendia a esconder, mais do que a revelar esses seus mecanismos de reprodução. A particularidade dos ―mecanismos‖ de produção e circulação de mercadorias do sistema colonial, no entanto, seria a explicitação de elementos que viriam a se tornarem escondidos nas relações sociais de produção do chamado ―centro‖ do que viria a ser o capitalismo.

Com essa afirmação, não se está, entretanto, concordando com a reiteração, no plano da análise, da obscuridade do controle patriarcal no sistema colonial, nem ignorando que este controle tenha constantemente se deparado com resistências diversas. Mesmo Mariza Corrêa (1982) não parece querer negar a existência de uma dominação patriarcal, quando antes apontar sua hegemonia apenas relativa perante outras formas de sociabilidade105. De todo

104 “Suas propriedades corpóreas [das mercadorias] só entram em consideraç~o { medida que elas lhes

conferem utilidade, isto é, tornam-nas valor de uso. Por outro lado, porém, é precisamente a abstração de seus valores de uso que caracteriza evidentemente a relação de troca das mercadorias. Dentro da mesma um valor de uso vale exatamente tanto como outro qualquer, desde que esteja disponível em proporção adequada” (Marx, 1985, l. I, t. 1, cap. 1; 46-7).

105 “Neste sentido, n~o podemos nem sequer imaginar a possibilidade de escrever a história da família

brasileira, mas apenas sugerir a existência de um panorama mais rico, a coexistência, dentro do mesmo espaço social, de várias formas de organização familiar, a persistência desta tensão revelando-se, não naquela 'quase maravilha de acomodação' que é para Gilberto Freyre o sistema da casa grande e da senzala,

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modo, indicaremos antes elementos constitutivos dessa dominação, já reforçando a seguir sua falta de uma suposta homogeneização completa de um padrão de sociabilidade.

O historiador Fernando Novais (Novais, 1969) aprofundaria essa discussão, ao seu modo. Num artigo anterior à publicação de sua tese, o autor retomava autores da geografia e da história para pensar nos conceitos de ―colonização‖ que estes mobilizavam e para afirmar uma perspectiva histórica que acabava por explicitar o que de essencial estava já em Prado

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