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3 DIREITO À INTIMIDADE NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO DIREITO DO TRABALHO

3.2.2 O sentido normativo constitucional

Como já exposto, os princípios, assim como as regras, são espécies de normas jurídicas e produzem efeitos nas relações humanas, dotadas de imperatividade. Essa diferenciação traz repercussões importantes quanto a eficácia jurídica dessas duas espécies normativas, conduzindo-se aos princípios força normativa, nos moldes da visão pós -positivista, vinculando toda a ordem jurídica.

Nesse sentido, vale destacar que a Constituição de 1988, baseando-se no constitucionalismo português e espanhol, consagrou um espaço especial ao Princípio da dignidade da pessoa humana, colocando-o entre os princípios fundamentais em seu artigo 1º, inciso III, do Título I. Nessa qualidade, todas as relações do homem em sociedade devem ser norteadas de acordo com o princípio da dignidade, uma vez que os princípios fundamentais estabelecidos nas Constituições embasam e integram a Ordem Constitucional, inclusive das normas de direitos e garantias fundamentais, que integram o que a melhor doutrina denomina de “núcleo essencial da Constituição”, e conduzem a própria figura e o papel do Estado, que deve ser compreendida como Ente que existe em função da pessoa humana e não o contrário, já que o ser humano é fim do Direito, à luz dos ensinamentos de Kant.

Assim sendo, o princípio da dignidade da pessoa humana é extremamente importante por orientar todo o arcabouço constitucional e infraconstitucional, constituindo-se tanto como preceito unificador dos direitos e garantias fundamentais corporificados em nossa Carta Magna, quanto em legitimador dos direitos

fundamentais implícitos, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos Tratados Internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte. Ingo

Sarlet, ao conceituar o princípio em tela, assim ensina:

“ A qualificação da dignidade humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, III da nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui uma norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental para a comunidade”

(SARLET, 2011, p. 73).

O referido autor, ao analisar a base conceitual, acrescenta uma importante característica: “[...].o conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, na sua

condição de conceito jurídico-normativo, reclama uma constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais”.

(SARLET, 2011, p. 47).

O Estado, nesse sentido, deve primar pela concretização deste princípio, implantado-o tanto em prestações negativas, consistentes na proibição de conferir tratamento diferente dos preceitos fundamentais introduzidos na Constituição Federal e que possuem como preceito basilar a dignidade da pessoa humana,22 como em prestações positivas, no sentido do Estado ter a obrigação de efetivar e assegurar direitos mínimos para a vivência digna do homem em sociedade, dos quais insere-se o direito ao trabalho, além do direito à saúde, a previdência social, ao lazer, a moradia, dentre outros cristalizados no art. 6º da CF/88.

Os direitos sociais, em especial, constituem um conjunto de direitos necessários para a integração do ser humano na vida em sociedade, representados por preceitos de conteúdo econômico-social que visam melhorar as condições de vida e de igualdade. Exigem do Estado prestações positivas, o que significa na prática, que todo o mecanismo de consecução de políticas públicas, por exemplo, deve ser abarcado pelo princípio da dignidade, assim como os outros princípios constitucionais, como a igualdade, a proporcionalidade, a razoabilidade. O principal objetivo dos direitos sociais é assegurar um mínimo de dignidade ao ser humano.

22 A liberdade e o reconhecimento das garantias de direitos à liberdade (bem como dos direitos fundamentais em geral) constituem uma das principais exigências da dignidade da pessoa humana, senão a principal, uma vez que sua base principiológica contempla a autodeterminação da conduta humana.

Pela análise até então realizada, observe-se que o referido princípio pressupõe o reconhecimento de direitos fundamentais, de outra sorte, não haveria espaço para a dignidade da pessoa humana onde tais direitos não fossem assegurados, pois a análise do homem-objeto constitui na antítese da noção de dignidade da pessoa. Gregório Peces Barba Martinez reforça que, ainda que a dignidade preexista ao direito, certo é que o seu reconhecimento e proteção por parte da ordem jurídica constituem requisito indispensável para que esta possa ser tida como legítima (MARTINEZ, 2003, p.29).

Ao firmar uma concepção universal dos Direitos Humanos, José Claudio

Monteiro de Brito Filho considera a dignidade da pessoa humana como fundamento

dos Direitos Humanos, e enfatiza esse critério ao rechaçar a idéia expendida por Bobbio da impossibilidade de se ter um fundamento absoluto para os Direitos Humanos. Para o referido autor é possível dizer que Direitos Humanos só é

expressão vaga quando não se tem uma base para sua identificação. A dignidade é essa base e, no momento em que ela é identificada, é possível, com clareza, identificar o conteúdo dos Direitos Humanos. (BRITO FILHO, 2010, p. 34).

Em seguida, indica a razão pela opção da dignidade, ao reproduzir o pensamento de Fábio Konder Comparato, para quem o valor do direito decorre

daquele que o criou, o homem. Para o autor, então, o fundamento não pode ser outro que não o próprio homem, “considerado em sua dignidade substancial de pessoa”. Nesse sentido, é o fato de ser o homem dotado de dignidade, ou como diz Comparato, “um ser cujo valor ético é superior a todos os demais no mundo ”que impõe para si um número mínimo de direitos. Natural então, que a dignidade seja considerada o fundamento base (COMPARATO, apud BRITO FILHO 2010, p.35).

Assim, a dignidade deve ser entendida como princípio que fundamenta as condições para a realização dos direitos fundamentais, e a razão dessa essência é o ser humano. A dignidade, dessa feita, deve ser considerada como atributo do ser

humano, algo que dele faz parte e, portanto, o faz merecedor de um mínimo de direitos (BRITO FILHO, 2010, p. 37).

Ingo Sarlet enfatiza a existência de uma dupla dimensão objetiva e subjetiva

da dignidade, na condição de princípio e norma embasadora de direitos fundamentais (SARLET, 2011, p. 75), podendo ser definida como “norma jurídica fundamental de uma determinada ordem jurídico-constitucional” (Ibid, 2011, p. 79),

constituindo-se fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, norma definidora de direitos, garantias e deveres fundamentais.

O posicionamento do autor acima citado conduz a assertiva de que os direitos fundamentais possuem como fundamento a dignidade da pessoa humana, princípio que possui caráter jurídico-normativo e reconhecimento de plena eficácia na ordem constitucional, o que nos resta concluir que os direitos fundamentais transparecem uma dupla função: defensiva e prestacional (negativa e positiva), e devem corresponder em maior ou menor grau em concretizações desse princípio, sem contar também no exposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos que reconhece a dignidade como bem inerente a todos os membros familiares, com seu fundamento na justiça, liberdade e principalmente, na paz mundial.