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A noção de sentidos tal como é compreendida nesta pesquisa parte dos ensinamentos de Lev Semionovitch Vygotski, (1896 – 1934) que no início do século XX propôs o materialismo histórico dialético como método para a Psicologia, buscando superar “dicotomias resultantes das concepções estritamente objetivistas ou subjetivistas” (GONÇALVES, 2009, p. 126). Vygotski percebe o ser humano como ser histórico e cultural, concebendo sujeito e sociedade como mutuamente constituídos. Como afirmam Zanella et al (2007, p. 28), ao propor esta mudança epistemológica e metodológica, ele contraria “perspectivas que isolam o sujeito de seu contexto, pois o próprio psiquismo é constituído historicamente na complexa e indissociável relação sujeito e sociedade”. A Psicologia proposta por Vygotski assume a complexidade da realidade, onde os fenômenos são interdependentes.

A investigação da vida adulta nesta pesquisa partiu desta concepção de sujeito, constituído social e historicamente e sendo ao mesmo tempo, único, social e histórico. Sendo parte integrante da natureza, em sua relação com ela o homem lhe dá novas formas, conferindo a essas últimas uma significação. Assim, “na atividade humana opera uma dupla mediação: a técnica e a semiótica” (SIRGADO, 2000, p. 58), sendo que a primeira permite a transformação da natureza e, a segunda, o ato de significar o produto de tal transformação. Nas palavras de Aguiar e Ozella (2006, p. 225), sendo o homem “ser social e singular, síntese de múltiplas determinações, nas relações com o social (universal), constitui sua singularidade através das mediações sociais (particularidades/circunstâncias específicas).” Segundo os autores, pela apreensão das mediações sociais constitutivas do sujeito, é possível sair da aparência e ir à busca do processo, do que

não foi dito, ou seja – do sentido. A linguagem é uma dessas mediações, e foi intensamente estudada por Vygotski. Em suas pesquisas sobre o pensamento e a linguagem, afirma ser o sentido de uma palavra predominante sobre o seu significado:

Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido... (VYGOTSKI, 2008, p. 181).

A palavra, por sua vez, é um signo a representar o objeto na consciência, signo este que é, ao mesmo tempo, “produto social a designar a realidade objetiva, construção subjetiva compartilhada por diferentes indivíduos e construção individual, que se dá através do processo de apropriação do significado social e atribuição de sentidos pessoais” (GONÇALVES, 2009, p. 126).

Pino (1993, p. 54) argumenta que os signos são criação humana, o que equivale a dizer que não são naturais em si, portanto as relações criadas entre as coisas não existem naturalmente: “estabelecer uma ligação quer dizer atribuir a uma coisa o poder de significar outra coisa. Portanto, o valor de um signo está no que ele significa, ou seja, naquilo ao qual ele refere: a significação”. Como salienta Namura (2004, p. 113), os sentidos são produzidos “para e a partir de comunidades/cultura particulares, isto é, em instâncias locais e condições específicas sem pretensões de estabelecer leis universais”. Sendo assim o signo “adulto”, por exemplo, tem valor na significação atribuída a ele, e tal significação não existe por si só – ela é construída pelos homens, cultural e historicamente, o que implica também na possibilidade de mudança aí implícita (grifo da pesquisadora). A respeito da significação e do processo de produção de sentidos, Tolfo et al (2005, p. 4) propõem a seguinte explicação:

A significação ocorre nas interações sociais e diz respeito ao processo de produção de sentidos e aos significados por estes veiculados, aquilo que o signo significa para os sujeitos. O significado é um componente indispensável da palavra, o qual é generalizável, portanto, compartilhado socialmente, caracterizando-se na zona mais

estável do sentido, não sendo, no entanto, imutável.

A palavra signo “representa o objeto na consciência”, portanto os signos representam “uma forma privilegiada de apreensão do ser, pensar e agir do sujeito” (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 225). Mas, se a significação de um signo é convencionada pelos homens, seu poder significante vai além do convencionado, na interação comunicativa. Na fala, como relata Pino (1993, p. 54), outras significações podem ser produzidas: “os sujeitos têm o poder de fazer com que as palavras digam mais e outra coisa diferente da que elas dizem convencionalmente” – essa é a noção de sentido. Na transformação do pensamento em palavra, esta última nunca corresponderá diretamente ao primeiro, “há sempre um subtexto oculto em cada enunciado”, afirmam Zanella et al (2007, p. 31). Segundo as autoras, o pensamento se constitui por meio de palavras ou outro signo pelo qual se objetive, “tanto em sua dimensão física, ou seja, pelo som, traço ou imagem que o apresenta, quanto pelos sentidos

produzidos nos contextos de interlocução, sentidos esses que

pressupõem necessariamente algum outro, presente ou ausente”.

Sendo assim, sentido e significado só podem ser compreendidos juntos – pois não existem em separado – e “constituídos pela unidade contraditória do simbólico e do emocional” (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 226). Partindo da compreensão dos significados, através da interpretação, pode-se chegar aos sentidos, sua zona mais instável e profunda. Estes são bem mais amplos que os primeiros, pois representam a produção dos eventos psicológicos do sujeito frente a uma realidade, portanto traduzindo a sua singularidade historicamente construída. Podem ser tanto marcados por sua trajetória individual, quanto, compartilhados por determinados grupos. Cabe ao pesquisador buscar as determinações históricas e chegar aos sentidos atribuídos pelos sujeitos. Como explica Aguiar (2009, p. 131), tais determinações “se configuram no plano do sujeito como motivações, necessidades, interesses”. A partir de suas falas e expressões, busca-se construir “um conhecimento que desvele a realidade pesquisada” (p. 132). Na investigação sobre a vida adulta dos sujeitos desta pesquisa, optou-se por, através de suas falas, determinações históricas e também pelos registros imagéticos por eles produzidos, encontrar os sentidos a ela atribuídos.