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CAPÍTULO V ANÁLISE DE CONTEÚDO, EXTRAÇÃO DOS DADOS E

5.4 Perceções dos Alfabetizandos

5.4.1 Sentidos da Alfabetização

Neste item são apresentados alguns sentidos da alfabetização para além de uma mecanização do aprender ler e escrever, ou seja, a compreensão de que a alfabetização está voltada para um aprendizado significativo, que tenha relação com a vida dos alfabetizandos, que atenda suas necessidades, tornando-os participantes da sociedade em que vivem, podendo fazer relação do aprendido com o contexto em que está inserido.

Em relação a esta questão, Freire (1996 p. 14), afirma que, “formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destreza”. Dessa forma, buscou- se investigar junto às participantes dessa pesquisa o sentido que as mesmas atribuem ao processo de alfabetização.

As colaboradoras desta pesquisa apresentaram um sentido para a alfabetização que denota um significado especial para estas, no que diz respeito ao resgate do desejo de

aprender. Confrontando as falas das participantes percebe-se uma confluência de desejos na busca pela alfabetização.

C8-... ”Meu objetivo é mesmo aprender ler, pra mim ler a bíblia, só isso!” C9-... “Quanto mais a gente aprende melhor, a gente vai pra rua vê as coisa, ponto de ônibus, quanto mais a gente aprende melhor, aprender assinar o nome!”

C 6-... “Eu disse, vou aprender um pouquinho, pelo menos eu leio a bíblia e aprender mais alguma coisa, ler qualquer coisa no ônibus pra gente sair, por que é um pouquinho difícil”...

C 7-...” Não sabia nem assinar o nome..., hoje eu já leio, já escrevo, a bíblia eu já leio, eu sou evangélica”...

Alfabetizar-se para essas mulheres representa possibilidades de realizar práticas do dia-a-dia, como: ler a bíblia, pegar ônibus, aprender assinar o nome, ou seja, atender as necessidades que perpassam a vida cotidiana, em busca de resolver questões que trazem independência, autonomia, conhecimento. Trata-se de conquistas relevantes, pois facilita a locomoção dos indivíduos bem como a interação no contexto em que vive. Nesse sentido, busca-se o pensamento de Soares (2000, p.72), quando a autora se refere à dimensão social do letramento, na perspetiva de que as pessoas usam a leitura e a escrita em um contexto específico e que essas habilidades adquiridas se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais, nas quais os indivíduos se envolvem em seu contexto social.

Para essas colaboradoras o sentido da alfabetização perpassa por um desejo de liberdade, liberdade essa entendida aqui na conquista da independência no que diz respeito a fazer suas próprias atividades cotidianas que envolvam a leitura e escrita sem depender de outros. Dessa forma, a alfabetização para as pesquisadas tem um fim útil, prático, específico.

Também por meio da fala da pesquisada C 9, percebe-se o desejo por um desenvolvimento melhor em seu trabalho, visto que a mesma lida com o público e busca poder estar mais preparada para atender a clientela onde trabalha.

C 9...”Por que a pessoa que trabalha tem que saber ler, número... por que antes agente não era muito cobrada, agora agente tem que ter mais leitura pra saber a comida, pra saber tratar as pessoas”

De acordo com Pinto (1987), o processo de alfabetização deve servir para mudar a situação de trabalho do alfabetizado, pois é preciso que este sinta que a alfabetização abriu novos caminhos para sua existência, ou seja, para seu estar no mundo.

Percebe-se na fala de uma das pesquisadas o sentimento de impotência com a falta da leitura, a colaboradora se expressa apontando como “cegueira” à falta da mesma. C 5...”Por que a gente é cego, a pessoa não sabe pegar um ônibus, tem que pedir aos outros “...

Dessa forma a “visão” está relacionada à questão do conhecer, ter habilidade de leitura, de poder identificar palavras para enxergar o mundo em sua volta e poder interagir com ele. Freire (1996) preconiza que a integração ao contexto deve ser resultado de não apenas estar nele, mas com ele. O autor referido ainda ressalta que a presença no mundo não é de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. A partir dos depoimentos, foi possível perceber o sentimento de tristeza em uma colaboradora ao se reconhecer analfabeta; pode-se constatar observando esta fala:

C 10...”Eu achava a coisa mais linda, mais bonita da minha vida, eu mim achava que ia ser uma pessoa feliz, eu lendo, escrevendo e hoje nada eu sei, nada aprendi, a idade também... Não consegui nada, por isso, já velha”... Esse sentimento é comum entre as mulheres sem letramento, a idade avançada para algumas delas é um fator que as deixa incapaz de aprender. No entanto, “a idade não determina a criatividade das pessoas, nem limita as suas possibilidades de aprendizagem ou execução”. (Lorda, 1988, p.17).

Com esse tipo de pensamento as participantes acabam assumindo ingenuamente uma culpa que não é delas, por questões como idade, saúde debilitada, elas são vítimas de uma sociedade excludente, se colocam como as responsáveis pela não aprendizagem, pelo fato de serem analfabetas, essa afirmação fica clara com esse relato de umas das entrevistadas.

C 1...”Não foi falta de tempo, eu não posso dizer a ninguém que foi falta de tempo, eu acho que mais foi falta de interesse meu”...

C 8...”Não aprendi muito, muito, por que a idade não permitia, mas... risos”. Diante dessas declarações, Freire (2008), já identificava esse tipo de sentimento entre as pessoas que buscam a alfabetização em uma idade mais avançada, pois para ele

os alfabetizandos ouvem tanto deles mesmos que são enfermos, indolentes, que tudo isso os impedem de produzir, que se convencem de sua incapacidade.