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2 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DE RAÇA: DA ANTROPOLOGIA, DA

2.5 RAÇA E COR: SUA RELAÇÃO COM O DIREITO BRASILEIRO

2.5.3 Sentimento da nação brasileira e sua relação com o substantivo raça

Pautando-nos no conceito de povo utilizado no ponto acima, os conceitos de

Nação109 e de nacionalidade aqui utilizados serão baseados no trabalho de José Afonso e Ivo

Dantas, que tomam como fundamento o sentido de que Nacionalidade seria o vínculo jurídico-

político de direito público interno, que liga a pessoa ao Estado como um de seus elementos110

(povo, território e poder soberano).

107 O sentido de povo aqui utilizado difere de população, pois nas palavras de Ingo Sarlet: “população corresponde à soma de todos os indivíduos que se encontram no território estatal e que são sujeitos ao direito estatal (inclusive na condição de titulares de direitos), mas sim, ainda que numa perspectiva atualmente ampliada e inclusiva, compreendendo o conjunto dos cidadãos, ou seja, daqueles que por força do próprio direito estatal são titulares do vínculo jurídico com determinado Estado, que assegura a participação na formação da vontade estatal mediante um conjunto de direitos e obrigações, com destaque para a titularidade de direitos de participação política”. SARLET, Ingo; MARINONI, Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 270. No mesmo sentido vejam-se ainda: DANTAS, Ivo. Teoria do Estado

Contemporâneo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 129.

108 DEMANT, Peter. Direitos para os excluídos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi, (Orgs.). História

da Cidadania. 6. ed. 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2016. p. 343.

109 Mesmo estando ciente da existência de outros posicionamentos sobre o conceito de nação, adotaremos a posição jurídica, pelo viés que o trabalho aborda, para que não fujamos do foco.

110 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 319.

Nesse sentido, a ideia de Nação é formada por um conjunto de pessoas que tenham a mesma tradição histórica, os mesmos valores e aspirações, podendo ser a nacionalidade, em

termos jurídicos, nata ou naturalizada, conforme a Constituição Federal de 1988111 determina

no seu artigo 12, incisos I e II.

Nas palavras de Pontes de Miranda, “os nascidos no território provêm da mesma origem, têm a mesma língua, os mesmos costumes e tradições de seus antepassados, formando

uma comunidade de base sociocultural que denominamos nação.”112 (grifos nossos).

No Brasil, quando observamos a formação de sua composição no elemento humano, temos uma mestiçagem, formada pela reunião de diversas culturas, costumes, idiomas, que no final resultou na etnia brasileira. Dentro dessa composição tão heterogenia, o sentido de nação e de reconhecimento pelas características natas daquele povo faz com que ele seja identificado por qualquer outra nação. Isso acontece independentemente da religião, da crença, da cor, da “raça”, de filosofias, pois o povo brasileiro possui suas próprias características e o sentimento de nação dentro da sua composição.

Ao analisar o texto constitucional, observamos que ele aborda a nacionalidade, elencando os brasileiros natos ou a nacionalidade primária e os naturalizados ou a nacionalidade secundária. No primeiro caso, os critérios são bem objetivos: a) a pessoa humana deve nascer no território nacional – critério ius solis, independentemente de ter pais brasileiros ou estrangeiros, salvo no último caso se os pais estiverem a serviço do país de origem; b) o indivíduo poderá nascer no exterior, desde que seu pai ou sua mãe sejam brasileiros e estejam a serviço do Brasil, ou não estando a serviço do país, que o registro do nascimento seja feito em repartição brasileira competente e caso o registro não seja realizado pelos pais, se a pessoa vier a residir no Brasil, ela poderá solicitar a nacionalidade a qualquer tempo depois da maior idade – critério ius sanguinis.

No segundo caso, dos brasileiros naturalizados ou a nacionalidade secundária, que deve ser feita por requerimento do interessado, há uma divisão em duas classes: a) ordinária e b) extraordinária. Na situação ‘a’, será concedida a naturalização a qualquer estrangeiro que resida no Brasil e que preencha os requisitos previstos na Lei de naturalização n.º 6.964/81 e, para os indivíduos que venham de países de língua portuguesa, ou seja, os originários de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Açores, Cabo Verde, Príncipe, Goa, Damão,

111 DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p.132.

112 MIRANDA, Pontes; CAVALCANTI, Francisco. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1

Diu Macau e Timor, é necessário apenas a residência por um ano sem interrupção e comprovação de idoneidade moral.

Já na situação ‘b’, temos que a nacionalidade brasileira será concedida a qualquer estrangeiro que resida no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos, sem qualquer condenação penal, mas com a condição de que devem requerer a nacionalidade.

Fazendo uma breve análise sobre o contraponto entre raça e nacionalidade, pois o objetivo na tese ora desenvolvida não é discutir sobre nacionalidade, mas demonstrar nesse corte epistemológico, que a relação existente na ideologia da nacionalidade não está ligada ao conceito de raça defendido pela corrente daqueles que acreditam que há raça no Brasil, e que a cor como identificador dessa, não tem qualquer influência no reconhecimento de um nacional brasileiro.

Pelo contrário, pois podemos ter um brasileiro branco, negro, pardo ou de qualquer outro tom de pele, até porque se levarmos em conta a formação da sociedade brasileira no seu contexto histórico, conforme já trabalhado na questão do conceito de raça no Brasil, é público e notório que somos todos mestiços, vindo de uma composição de africanos, portugueses, espanhóis, indígenas, italianos, alemães etc.

Dentro dessa ideia de unidade, independentemente de cor ou raça, temos que a nação nos leva a crer que sentir-se como brasileiro é pensar em um único conjunto formado por diferentes pessoas, mas que possuem um único ideal e vontade de bem comum, como afirma o preâmbulo da norma suprema de 1988.

Nas palavras de Ernest Renan113, “A nação é uma alma, um princípio espiritual [...]

o desejo de viver juntos [...] uma grande solidariedade constituída pelo sentimento dos sacrifícios [...] o desejo claramente expresso de continuar a vida em comum [...] um plebiscito diário...”.

Nesse sentido, o que se defende é a convivência dentro do mesmo território de várias culturas, etnias, valores, tradições e características, misturadas para formação de uma cultura ampla, compondo assim uma única Nação, que possui dentro do seu conceito diversos significados, que se justificam pela possibilidade de um mundo globalizado onde as pessoas podem absorver outras culturas e identidades, sem perder a sua, como vem acontecendo na

113 RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’ une nation? Conferência feita em 11 de março de 1882 no anfiteatro da

Sorbonne. Tradução: Renato de Mello. Disponível em:

<http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/caligrama/article/viewFile/381/334>. Acesso em: 15 de julho de 2017.

América Latina114, pois se todos os homens fossem daltônicos não haveria cores, então não haveria a justificativa de raça por cor.

A composição do Brasil releva um país formado por diversas culturas advindas de vários povos colonizadores e colonizados, formando, assim, uma sociedade que tem o reconhecimento de seus nacionais pelo critério de sangue e de solo, independentemente de cor da pele ou raça, já que a formação miscigenada é um fato concreto.

Nas palavras de Joaze Bernardino,

Não só se constata que o país é miscigenado, mas se avalia positivamente este traço da nacionalidade, uma vez que a miscigenação equivale à assimilação, portanto, vige no imaginário social – partilhado ainda por um número significativo de brasileiros – a idéia de que efetuemos uma integração única entre raças115.

Desse modo, o mestiço é exaltado como fim da tese de existência de várias raças e um símbolo da identidade nacional, podendo inclusive servir como forma de extinção da questão racial no Brasil, e quem sabe o ingresso no caminho do progresso. Nesse sentido, estaríamos trabalhando para a construção de uma sociedade totalmente igualitária, composta indistintamente por grupos de variadas etnias, sem que isso implicasse em consequência social alguma, já que o peso da etnicidade e seus efeitos sociais e políticos seriam reduzidos, restando apenas variações culturais.

Diante disso, as cotas pautadas no sentido de raças utilizando a cor da pele como identificador das mesmas para ingresso nas universidades públicas, concursos públicos e direitos específicos aos negros no Estatuto da Igualdade Racial seriam materialmente inconstitucionais, porque não apresentariam um tratamento igualitários enquanto seres humanos.

O que se defende aqui é justamente a busca de um tratamento igualitário nas ofertas do Estado das mesmas oportunidades para todos, com a prestação de serviços de qualidade, para que todos possam ter a possibilidade de atingir as mesmas expectativas de vida, independentemente de sua cor, e não uma aplicação de ações afirmativas como métodos paliativos para suas falhas e ausências enquanto fornecer do mínimo existencial para garantir a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o Estado poderá oferecer um ensino público de qualidade para aqueles que não podem pagar por uma educação privada, fazendo com que esses

114 Para aprofundar o assunto vide o texto: FREYRE, Gilberto. O fator racial na política contemporânea. In:

Ciência e Trópico. Recife: Massangana, vol. 10, número 1, jan./jun. 1982. p. 20 – 36.

115 BERNARDINO, Joaze. Levando a raça á sério: ação afirmativa e correto reconhecimento. In: Bernardino, Joaze; GALDINO, Daniela. (Orgs.) Levando a raça a sério: ação afirmativa e universidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 16.

possam prestar um vestibular concorrendo em igualdade com aqueles que estudaram em escolas particulares, pois o poder público estaria realizando sua função dentro das expectativas esperadas enquanto provedor dos serviços públicos.

Além de sua atuação enquanto ente público, o Estado deve combater a proliferação de ideias que gerem segregação, preconceito e discriminação a partir de diferentes caraterísticas externas do homem ou nas suas ideologias, crenças. Ou seja, o Estado tem o dever de atuar para repudiar qualquer prática, seja no meio privado, seja no meio público, que leve ao incentivo de atos preconceituosos e de discriminação. Nesse sentido, estará cumprindo o respeito às diferenças e uma convivência harmônica, dentro da mesma base da Nação.

Como visto, a relação entre raça e as garantias do Estado: cidadania, nacionalidade e direitos fundamentais em relação ao indivíduo estão muito além do que a cor da pele representa enquanto homem e sociedade. Então, por que desenvolver um sentido no Estatuto da Igualdade Racial baseado em privilégios a indivíduos por causa da sua cor da pele, enquanto somos uma única raça, a humana? Onde está a igualdade, quando somos tratados diferentemente quando iguais?

2.5.4 Conclusão

Tomamos como base o sentido de que a divisão dos seres humanos em raças prove de um processo político-social que teve sua origem na intolerância dos homens diante de outros homens, juntamente com a ideia de dominação e poder.

Como afirmou Gilberto Freyre, “na inferioridade ou na superioridade de raças pelo critério da forma do crânio já não se acredita: e esse descrédito leva atrás de si muito do que pareceu ser científico nas pretensões de superioridade mental, inata e hereditária, dos brancos sobre os negros.116”

A partir disso surgiu o que se chama de racismo, sem qualquer base científica para divisões em raças, sendo tal preconceito apenas uma possibilidade de difundir o processo de discriminação entre a espécie humana, que seria composta por todos os homens formando apenas uma única raça, a humana. Isso nos leva a acreditar que todos são iguais sem qualquer diferença

116 FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia

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