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DEVOLUTIVA DOS RESULTADOS AOS TRABALHADORES

SEQUÊNCIA DOS TRABALHOS DA DEVOLUTIVA

Após a realização da oficina de teatro espontâneo, os encontros com o subgrupo de trabalhadores continuaram. A questão da “consulta eventual” possibilitou o aparecimento de outras como, acolhimento e reorganização do fluxo de atendimento dos usuários. Na medida em que esse subgrupo avaliava que era necessária a participação de todos os trabalhadores, organizavam-se oficinas com toda equipe, com a participação de usuários.

VI

CONCLUSÃO

O sofrimento psíquico do trabalhador na organização do trabalho foi relatado em momentos diversos, desde experiências agudas e pontuais até um processo contínuo, vivenciado diariamente. O grande envolvimento com o trabalho foi motivo de desgaste porque comprometia a privacidade e a vida pessoal do trabalhador, chegando ao extremo de sonhar com as pessoas e ir ao local de trabalho em dias de feriado e finais de semana, nos quais a unidade não funciona.

A impotência se fez presente em diversas situações do dia-a-dia, desde os atendimentos de rotina, como a consulta eventual, até situações de crise e agravos da saúde do usuário, principalmente nas queixas referentes a saúde mental.

Nesse sentido, Rosa & Labate (2003) apontam semelhanças entre as práticas em PSF e em saúde mental, como a do vínculo, que aproxima o usuário do trabalhador favorecendo o aparecimento de queixas de caráter psíquico. O problema é que por não estarem ainda

preparados para tal demanda, ficam vulneráveis, envolvendo-se pessoalmente nos casos que tratam. O apoio e supervisão das equipes secundárias de atendimento em saúde mental, como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) às equipes de PSF torna-se imprescindível, conforme claramente indicado na publicação do Ministério da Saúde sobre esse assunto (BRASIL, 2004c).

Os espaços de grupo foram vistos como resolutivos, entretanto causadores de sofrimento pela falta de tempo para se dedicarem a eles. A correria esvaziava o sentido do trabalho, gerando um desgaste crescente.

A falta de profissionais é colocada como um ponto isolado de desgaste. Mas a questão vai muito além, envolvendo principalmente a desarticulação entre os trabalhadores que já compõem a equipe, inseridos, sem perceberem, numa lógica capitalista de produção de saúde. Atribuem quase tudo ao gestor, responsabilizando uma única pessoa pelas falhas que são de um sistema econômico e político bem mais abrangente na saúde e na sociedade em geral.

Quanto ao trabalho em equipe, o desejo de integração se contrapõe as dificuldades de superar os obstáculos, impedindo um trabalho mais coeso.

De certa maneira, o trabalhador está inserido contraditoriamente num processo de reestruturação da atenção a saúde, a Estratégia de Saúde da Família (ESF), mas ao mesmo tempo, amarrado por uma lógica ainda taylorista, capitalista e neoliberal.

O pedido de ajuda se repetiu por diversas vezes, veementemente, com pronta aceitação das intervenções pontuais ou contínuas feitas pelos pesquisadores, como um processo de Educação Permanente em Saúde, compreendida como fundamental para o desenvolvimento de uma atuação “crítica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente” (CECCIM, 2005b).

Além disso, Ceccim (2005b) chama a atenção para a formação universitária dos profissionais de saúde, que são ainda incipientes no que diz respeito ao trabalho em saúde. Os gestores reclamam dessa formação, qualificando-a como inadequada. Os docentes também reclamam da falta de compreensão dos gestores na pactuação dos estágios práticos dos alunos nas unidades de saúde. Segundo o autor, as duas reclamações são legítimas e indicam que para uma transformação é necessário uma ação conjunta das duas partes, gestores e universidades, “por mais trabalhoso que isso seja” (CECCIM, 2005b, p. 984).

Durante o desenvolvimento da pesquisa e elaboração do texto final deste trabalho, os resultados parciais foram expostos em alguns congressos. A identificação de trabalhadores de saúde presentes nestes eventos com o sofrimento relatado no trabalho era muito freqüente. O tema tem provocado uma reflexão das próprias vivências dos trabalhadores no seu local de trabalho.

Como já exposto anteriormente, as experiências de trabalho da pesquisadora é que desencadearam o interesse pelo tema. Já no final deste empreendimento, alguns fatos marcaram mais ainda esta vivência. A supervisão de estágio de alunas de 5º ano de Psicologia em uma unidade de PSF, especificamente num trabalho de apoio para os trabalhadores, destacaram mais situações de sofrimento na organização do trabalho, alertando para a urgência de se tomar atitudes firmes sobre a questão. Mas até quando essas coisas continuarão acontecendo sem nenhuma atitude das políticas públicas em respeito a integridade física e psíquica desses trabalhadores?

A proposta apresentada neste trabalho foi na direção de ampliar os espaços de discussão, dar voz ao trabalhador na sua coletividade. A palavra presa na garganta, o sofrimento utilizado como motor para aumento da produção, ficaram como um nó a ser desatado.

A tríade linguagem, trabalho e cooperação como a base na formação do ser humano (CODO, SAMPAIO, HITOMI, 1993) já é uma experiência de sofrimento. A impossibilidade dessa linguagem se materializar nas relações de trabalho cristaliza sofrimentos e naturaliza-os como inevitáveis. É a lógica neoliberal e capitalista que se impõe, passando por cima da característica de ser genérico, livre do ser humano (MARX, 1844/2004).

Felinto (2005) em sua análise do romance “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, sobre a seca do nordeste, aponta que a maior seca da qual o autor fala não é a de caráter climático, mas a pobreza de linguagem, os sons grotescos, guturais das personagens. As personagens Fabiano, Sinhá Vitória e os dois filhos que nem nomes têm, conhecidos como Menino Mais Velho e O Menino Mais Novo, vivem de ruminações, observando com medo as palavras proferidas pelas pessoas, que lhes parecem sem sentido, inúteis.

Por outro lado, eles “intuem que somente o domínio da linguagem pode levá-los a compreender a natureza hostil e a enfrentar de modo menos desigual os falantes da cidade, o patrão, a autoridade injusta do soldado que os rejeita, os reprime, os explora e humilha” (FELINTO, 2005, p.132).

Essa seca também atinge aos trabalhadores de saúde, que sofrem por terem sua voz calada por outros que falam deles e por eles, mas não lhes garantem voz, nem a participação no processo de construção das políticas em saúde. Talvez sejam os mesmos falantes que as personagens de Graciliano Ramos (2005) teriam que enfrentar: o patrão, a autoridade injusta e repressora do gestor da saúde nos níveis federal, estadual e municipal. Não é só isso, mas talvez, a parte mais difícil de superar.

Dejours (1992), citando Marx nos seus manuscritos de 1844, acima mencionados, diz que vencido pela vontade do outro, o trabalhador não mais identifica seus próprios desejos, suas necessidades: “A organização do trabalho aí, aparece como veículo da vontade de um

outro, a tal ponto poderosa que, no fim, o trabalhador se sente habitado pelo estranho” ( DEJOURS, 1992, p.137).

A produção de saúde contextualizada na organização do trabalho regida por uma lógica capitalista repercute de forma importante na vida e no caminhar do trabalhador do PSF, numa arena de lutas desiguais, que descaracteriza o sentido político de participação comunitária. As decisões ficam a mercê de interesses individuais.

Ao invés disso, a política pública na qual o PSF está inserido requer a compreensão do sentido filosófico do que vem a ser política. Para Arendt (2005) é uma redundância falar-se em política que não seja pública, pois o que caracteriza o fazer político é ser coletivo, público. Em suas palavras o verdadeiro conteúdo da vida política é a

recompensadora alegria que surge de estar na companhia de nossos semelhantes, de agir conjuntamente e aparecer em público; de nos inserirmos

no mundo pela palavra e pelas ações, adquirindo e sustentando assim nossa identidade pessoal e iniciando algo inteiramente novo. (ARENDT, 2005, p. 325)

Mas para isso é preciso compreender o emaranhado de dificuldades e entraves que se apresentam num processo coletivo de trabalho. Um movimento de transformação exige que se tenha um olhar para todas essas questões, levando em conta que o trabalhador só se desvencilhará dos mecanismos defensivos quando puder abertamente compartilhar com seus pares outros caminhos mais saudáveis, em coletividade.

VII

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