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Sequências didáticas: o gênero como prática discursiva e objeto de ensino

II- A ESCRITA NO CONTEXTO ESCOLAR: UM PANORAMA DE

2.3 Sequências didáticas: o gênero como prática discursiva e objeto de ensino

Como já explicitamos anteriormente, o trabalho com os gêneros textuais/discursivos contribui para possibilitar que os alunos possam empreender ações de linguagem, de forma competente, eficaz. Essa relevância fica ainda mais evidente pelo fato de que todos os textos manifestam-se linguisticamente em algum gênero. Nesse sentido, afirma Marcuschi (2007, p. 24): “(...) o texto é uma entidade concreta realizada materialmente em algum gênero”.

Perspectiva semelhante, nós encontramos em Santos (2007 a, p. 29): “(...) dentro de uma certa situação sociocomunicativa, um texto se presentifica como gênero com uma forma reconhecível socialmente e uma função comunicativa reconhecível na sociedade”.

Ao assumir a tarefa de assegurar que os educandos se apropriem dos gêneros produzidos nas situações de interação verbal, a escola o toma como objeto e também como instrumento que pode mediar as atividades de ensino, para desenvolver a linguagem, sem desconsiderar, nesse sentido, que o gênero é, por natureza, um instrumento de comunicação. Sobre esse processo de transposição didática, afirmam Dolz, Noverraz, (2004, p. 65):

A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdobramento que se opera em que o gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem.

Para definir os gêneros, sob o ponto de vista de uso e aprendizagem, os autores constroem a metáfora de megainstrumentos. O prefixo “mega” atribui a noção de grandeza, de destacada importância aos gêneros. Já a ideia de instrumento, de acordo com Schneuwly (1994 apud KOCH, 2011b), articula os três elementos principais que caracterizam uma atividade humana: o sujeito, a ação e o instrumento. Nesse sentido, ainda segundo esse autor, o gênero pode ser compreendido como uma ferramenta, de que um sujeito se apropria (o enunciador), para agir discursivamente em uma determinada situação sociocomunicativa.

Com o objetivo de contribuir para que o aluno domine um gênero e, assim, possa ler escrever e falar, adequadamente, numa determinada situação sociocomunicativa, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) propõem a sequência didática, um procedimento voltado para o planejamento do ensino e da aprendizagem de um gênero discursivo. Ao defini-la, apresentam- na como “um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.” (2004, p. 82).

Para demonstrar a estrutura de uma sequência didática, os referidos pesquisadores apresentam o seguinte esquema:

Fonte: Dolz, Noverraz, 2004, p. 82.

A apresentação da situação é a primeira etapa da sequência didática, na qual ocorre a exposição aos alunos de um projeto comunicativo, que se inicia com a primeira produção textual e se efetiva com a escrita do texto final. É o momento em que o professor expõe o contexto de produção do gênero textual/discursivo que será produzido: definição do interlocutor a que o texto será destinado; identificação da finalidade que orientará a escrita do texto; caracterização do gênero; determinação do suporte em que o texto circulará. Assim, como afirmam Dolz, Noverraz, (2004, p. 84), trata-se do “(...) momento em que a turma constrói uma representação da situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser executada.”

Também se constitui na oportunidade para pesquisas sobre conteúdos que serão abordados nos textos, o que pode ocorrer através da leitura ou escuta de exemplares do mesmo gênero textual/ discursivo que será produzido bem como de outros modelos de textos.

Na continuidade da aplicação da sequência, os alunos realizam a produção inicial, demonstrando, de acordo com os citados autores (2004, p. 86), “(...) as representações que têm a respeito do gênero.” Assim, essa etapa possui um papel crucial, pois permite que os alunos possam perceber o que já sabem sobre o gênero que produziram bem como deparar-se com problemas e limitações ao fazerem a atividade de escrita.

Essa primeira produção é muito significativa também para o professor que, guiado por critérios, pedagogicamente, bem definidos e fundamentados, irá “avaliar de maneira bastante precisa em que ponto está a classe e quais as dificuldades encontradas pelos educandos.” (DOLZ, NOVERRAZ, 2004, p. 87).

Nesse sentido, são pertinentes as palavras de Antunes a respeito de um processo avaliativo que, efetivamente, compromete-se com a aprendizagem dos educandos: (2006, p. 166):

Importa para o educador, investir numa avaliação de caráter formativo, que tem “uma função retrospectiva, que sinaliza os ‘achados feitos’, e uma função

prospectiva, no sentido de que nos aponta ‘como devemos prosseguir’, o que fazer, ‘daqui em diante’, por ‘onde ir ‘, ‘a que ponto voltar.

A partir dessas considerações e dos pressupostos que norteiam a aplicação da sequência didática, podemos afirmar que esse procedimento didático-pedagógico vê os “erros” dos alunos como indicativos para o que eles ainda precisam aprender, na sala de aula, bem como para os conhecimentos que o professor ainda precisa construir em conjunto com os discentes, para desenvolver a capacidade comunicativa desses.

Assim, conforme enfatizam Dolz, Noverraz (2004, p. 87):

(...) a produção inicial tem um papel central como reguladora da sequência didática, tanto para os alunos quanto para os professores. (...) Por meio da produção, o objeto da sequência didática delineia-se melhor nas suas dimensões comunicativas e também se manifesta como lugar de aprendizagem necessária das problemáticas.

Na etapa posterior da sequência, que corresponde aos módulos, as dificuldades detectadas na primeira produção serão trabalhadas, individualmente ou em grupos. Os professores, então, devem desenvolver atividades para que elas sejam superadas. Assim, a perspectiva da ação pedagógica, é ir “(...) do complexo para o simples: da produção inicial aos módulos, cada um trabalhando uma ou outra capacidade necessária ao domínio de um gênero. No fim, o movimento leva novamente ao complexo: a produção final” (DOLZ, NOVERRAZ, 2004, p. 88).

É importante lembrar que os módulos não são fixos e podem ser vários, até que o professor leve os alunos a superarem os problemas encontrados na primeira produção textual, tornando-os capazes de dominar o gênero em estudo e de fazer a elaboração final do seu texto.

A última etapa corresponde à produção final, momento em que a sequência didática é concluída. Nela, espera-se que o aluno assuma a autoria do seu texto, mostrando-se capaz de reescrevê-lo, com base nos conhecimentos construídos nos módulos.

O professor, por sua vez, realiza, agora, uma avaliação somativa, que resulta na atribuição de uma nota. Com esse objetivo, é recomendado que ele organize uma grade de correção que explicite o que foi trabalhado nos módulos. A importância da referida grade para a ação do educador é, assim, apresentada por Dolz, Noverraz (2004, p. 91):

(...) permite-lhe centrar sua intervenção em pontos essenciais, aprendidos pelos alunos ao longo da sequência. Assim, serve, portanto, não apenas para avaliar num sentido mais estrito, mas também para observar as aprendizagens efetuadas e planejar a continuação do trabalho, permitindo eventuais retornos a pontos mal assimilados.

Ao tratar da atividade de escrita a partir dos critérios e estratégias pedagógicas que expusemos, a proposta de sequência didática compreende que o ensino da produção textual deve ocorrer de forma processual, ou seja, de maneira contínua, consciente e planejada. O aluno é, pois, estimulado a avaliar, revisar e reelaborar seu texto, contando com a ação mediadora do professor. Nesse sentido, o referido procedimento didático opõe-se a uma prática educativa, por meio da qual, o ato de escrever é improvisado e sem revisão, como caracteriza Antunes (2003). Devido a essa abordagem sociointeracionista da escrita, acreditamos que a sequência didática pode contribuir para a implementação de um processo pedagógico que contribua para o desenvolvimento das competências comunicativo-interacionais dos alunos. Esse fato levou- nos a escolhê-la para realizarmos um trabalho de produção do gênero artigo de opinião, cujo objetivo primordial foi instrumentalizar os educandos a se tornarem produtores proficientes e críticos de textos, ampliando, portanto, o seu domínio da escrita. As bases metodológicas que orientaram essa intervenção é o que apresentaremos no capítulo que segue.

3 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA PRODUÇÃO INICIAL

“É a pesquisa que, na criação, questionando a situação vigente, sugere, pede, força o surgimento de alternativas.” (DEMO).

Nos capítulos anteriores, expusemos os pressupostos teóricos que subsidiaram a nossa pesquisa. Propomo-nos, agora, a apresentar os procedimentos metodológicos a partir dos quais a realizamos. Para tanto, consideramos, inicialmente, o contexto em que ocorreu a nossa investigação, os sujeitos a ela relacionados e a delimitação do corpus a ser analisado. Em seguida, discorremos, de forma mais específica, sobre a aplicação da nossa proposta de intervenção, descrevendo as etapas da sequência didática e analisando a primeira produção textual dos alunos, com foco nos problemas evidenciados.