• Nenhum resultado encontrado

SER ARTISTA, SER PROFESSOR

No documento Artista-professor: cartografia e processo (páginas 150-153)

Um dos problemas que pontuamos é que grande parte das pesquisas de graduação, pós-graduação ou projetos de pesquisa autônomos, realizados por professores-artistas, na área de Artes Plásticas e Artes Visuais discutem a

poética ligada a uma prática do fazer cotidiano do artista, mesmo ele sendo um “Artista etc...” tendo também como profissão, professor. Do outro lado, vemos que muitos seguem com a profissão de professor, mantêm uma atividade artística, mas ao se posicionarem numa pesquisa, não incluem a discussão poética à sua produção. Ou seja, percebemos que o mesmo indivíduo não se percebe contaminado por uma e outra profissão em sua vida cotidiana,

despotencializando conhecimentos que atravessam as atividades de professor e as atividades de artista.

Muitos artistas revelam que se tornaram professor na Universidade para ter uma estabilidade financeira para manter sua produção artística. Esses mesmos artistas-professores criticam o ensino formal das artes e alegam que o

espaço/tempo da sala de aula, as atribuições acadêmicas e administrativas, o fato de ter currículo com disciplinas obrigatórias, incompatibilizam o ensino das artes no que se refere ao processo de criação, a livre escolha do que estudar, o aprofundamento em certas áreas devido à falta de tempo com disciplinas

obrigatórias. Muitos desses mesmos artistas-professores fazem da sala de aula uma local de torturas, e criam dificuldades para que o aluno de artes

desenvolva sua produção artística, desqualificando-os como possíveis produtores de arte e os encorajam para serem professores de artes. Um verdadeiro contra senso! Acreditamos e defendemos que o professor de artes não necessariamente precisa ter uma produção artística para enfrentamento de galerias, mas deve cultivar uma pesquisa onde sua poética possa estar em fluxo permanente. Assim atuando, esse profissional estará com suas dúvidas e incertezas em dia, os problemas e soluções que aparecem em sua produção podem ser compartilhados no plano comum da sala de aula, terá uma visão mais sensível das dificuldades que o outro venha a ter e seu planejamento cria uma circularidade de conhecimentos que potencializa as hecceidades e gera um campo de forças na multiplicidade. Ao perguntar ao artista-professor Vilar se havia uma retroalimentação com os alunos, ele responde:

J.C.V. Sem dúvida. Há sempre uma troca. Quando eu falo da humildade é você estar aberto também a aprender junto com eles. Sempre valorizei esses momentos. Uma das coisas que senti quando me aposentei da UFES, foi quebrar esse vínculo, esse elo, essa troca. Ficar sozinho nesse diálogo em meu ateliê, eu e meu trabalho, essa solidão, é difícil. A

retroalimentação faz a gente crescer. É um crescimento mútuo e permanente, é muito bacana.(p.102)

Outro aspecto que evidenciamos no problema colocado nessa pesquisa é a importância de perceber e valorizar o processo de criação de cada indivíduo em sua formação. O artista-professor, em sua rotina de ateliê, está em

constante debate com seus materiais, seus procedimentos de produção, suas leituras, sua pesquisa. Ao entrar numa sala de aula, muitos esquecem que aquele ambiente pode ser forjado para que tal procedimento também ocorra com todos ali presentes, fazendo de sua aula um “sistema-poético-educacional” como nos sugere Edmilson Vasconcelos citado anteriormente. O que

percebemos é que o aluno, ao entrar no curso superior, traz uma carga de conhecimento que tem que ser acertativa, ou seja, ele está condicionado a fazer o que o professor manda. Muitos professores de um curso superior na área de Artes mantêm esse padrão, não promovem e, muitas vezes, impedem que o aluno seja produtor de seus pensamentos e conhecimentos. “Seu

território mais parece concebido para enterrar as forças do desejo do que para expandi-las” escreve Rolnik (2014, p. 118).

Ao promover, em sala de aula, espaço de ação e pensamento, onde é dada a possibilidade de produção de seu trabalho, o artista-professor com seus alunos geram um sistema rizomático de conhecimento considerando a multiplicidade presente, potencializando e fortalecendo os territórios existentes. Quando Cecília Almeida Salles nos desafia (2011, p.67); “[...] o estudo do

encadeamento de gestos artísticos para se obter uma determinada forma nos aproxima de uma série de operações lógicas, recuperando, assim, fragmentos de um raciocínio”, parece nos mostrar uma metodologia possível de ser

aplicada em sala de aula, promovendo uma sensibilização imediata para que os alunos se empoderem, com seus ainda parcos recursos técnicos e de conhecimento específico, mas possibilitando, de imediato, perceberem seus rastros, suas pegadas, sua singularidade.

Sabemos que toda produção em arte advém de rotina e disciplina diária para chegar à criação. Se o professor-artista estabelece esse critério em sala de aula é evidente que a formação num curso acadêmico ganha contornos de pesquisa produtiva, de desenvolvimento acelerado do conhecimento e produção do objeto artístico. “As imagens geradoras que fazem parte do percurso criador funcionam como sensações alimentadoras da trajetória, pois

são responsáveis pela manutenção do andamento do processo e,

consequentemente, responsáveis pelo crescimento da obra”. (Salles, 2011, p. 63). Se é dada a possibilidade ao aluno de permanecer em constante

retroalimentação com sua produção em sala de aula, fica evidente que suas dúvidas técnicas, conceituais e de conhecimento histórico-artístico vão

demandar maior aprofundamento e consequentemente gerar outras obras em cadeia finita ilimitada, constituindo sua linguagem, seu modo particular de dialogar com o mundo. Quando, em 1976, o artista Vilar assume a profissão de professor, ele estabelece a permanência e a pesquisa como fundamental para o desenvolvimento da linguagem:

J.C.V.– [...] Eu compartilhava o que produzia com meus alunos. O fato de utilizar a sala de aula como espaço de trabalho, não era e não é arbitrário, desde que o fim seja a pesquisa, e é o que eu fazia. Como já te disse e acredito até hoje, eu sou professor de escultura, eu tenho que ser escultor para saber as dificuldades, os meandros do trabalho. O professor não precisa seguir uma carreira de enfrentamento de galerias e todo o circuito de arte, mas ele precisa desenvolver uma poética, e penso que os alunos também. (p.116)

Ao que tudo indica as contaminações do ser artista no ser professor são

possíveis e podem ser compartilhadas com seus alunos sendo o espaço/tempo de um curso superior o local ideal para iniciar a pesquisa na produção artística. Considerando também que o tempo de produção do objeto de arte guarda em si um tempo contínuo e não linear, o artista-professor deve criar um ambiente propício onde possa potencializar o pensamento e a ação.

No documento Artista-professor: cartografia e processo (páginas 150-153)

Documentos relacionados