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Ser respeitado/reconhecido pela trajetória profissional

7.4. O modelo de ação para a esfera profissional: projetos dos docentes

7.4.2. Ser respeitado/reconhecido pela trajetória profissional

Um segundo tema que surgiu enquanto meta no modelo de ação da esfera profissional foi o de ser respeitado/reconhecido pela trajetória profissional. Esse tema agrupou os objetivos de manter o reconhecimento profissional já conquistado (item 23), não cometer erros profissionais (item 28) e continuar a investir na produção intelectual por meio da escrita de artigos e livros (itens 37 e 38) como elementos construtores desse respeito/reconhecimento. Esses objetivos são percebidos como auxílio para todo o sistema de atividades, e principalmente para a esfera profissional. Apenas a produção de artigos é percebida com um potencial maior de dificultar os objetivos da esfera pessoal/social.

O propósito de ser respeitado/reconhecido (item 23) ficou obscurecido diante de outros objetivos admitidos mais facilmente, decrescendo na hierarquia de valores durante a classificação no ISA: “É importante, mas não é tanto... não estou buscando pedestal” (Osvaldo, 58 anos). Mas, ser reconhecido profissionalmente se mostra indispensável à atividade docente, sendo um dos elementos de percepção do bem-estar no trabalho, como apontado por Pizzio e Klein (2015).

A gente precisa disso. Todo mundo que tem exposição pública precisa disso (...). Eu preciso ser respeitado e reconhecido, porque no meu trabalho eu sou anulado se não for assim... Quem é que vai querer ser parceiro meu num projeto de pesquisa se eu não for respeitado? Então, não é a jactância do problema, é a necessidade. Se alguém disser a você que não precisa disso está mentindo ou não entendeu. (Sérgio, 64 anos)

Diante de uma trajetória profissional sólida, a maioria considerou já ter consquistado o respeito/reconhecimento profissional, como ilustram esses excertos: “isso eu já tenho é só

manter” (Elsa, 55 anos); “Já alcancei. Então, isso hoje para mim não faz mais...não preciso mais militar aí” (Lourdes, 68 anos). Ainda que já se reconheça a si mesmo, dentro da trajetória

legitimamente como necessidade dentro de outras perspectivas relacionais com os discentes e pares, sendo associada enquanto uma justificativa para a continuidade do trabalho.

Então não está na hora de eu ir! Se os alunos ainda estão muito satisfeitos comigo, por que que eu tenho que ir [me aposentar]? Mas, o que eu não quero é ficar de bengala no corredor e os alunos: “E aquela velhinha? Não vejo a hora, porque aquela velhinha é muito chata”. Entendeu? (Lourdes, 68 anos)

Eu, graças a Deus, de colegas a alunado tenho recebido a demonstração do apreço, do reconhecimento, a consideração (...). Eu fico até assim incomodado, não é falsa modesta, mas o nível da avaliação que eles fazem, quer dizer, não é uma coisa pontual ali ou uma coincidência, é uma constante. Quer dizer, isso me motiva [a continuar] e me faz ter prazer no que faço. (Osvaldo, 58 anos)

No tocante aos discentes, os docentes se sentem reconhecidos por meio das avaliações formais e informais que costumavam receber. Ao mesmo tempo, esse tipo de avaliação se mostra instável, tendo que ser sustentada a cada semestre.

Agora aquela coisa do reconhecimento, o aluno chega e diz: professor, com você eu consigo entender, você debulha a coisa toda. (Osvaldo, 58 anos)

Normalmente, as notas que os alunos me dão é nove, nove e alguma coisa. Eu me sinto bem avaliada. (Lourdes, 68 anos)

Às vezes os alunos perguntam e você não sabe... Quer dizer, você não saber tudo é uma coisa, você nunca saber nada é outra coisa, não é? [sobre manter-se atualizado] (Elsa,

55 anos)

No tocante aos pares, os relatos revelam que o clima no ambiente de trabalho oscila entre a competição e o reconhecimento. Para alguns professores, a atribuição da responsabilidade de montar e avaliar disciplinas novas ou ser participado da contratação de ex- alunos também foi percebida como um tipo de reconhecimento da atuação profissional.

muita gente reconhece (...) e agradecem muito a mim. (...) tem muita gente que é professor no departamento (...) que foram ex-alunos (...) para mim é uma satisfação.Eu tive essa pontinha aí na formação deles (Alberto, 72 anos).

Em contraste, dificuldades nos aspectos relacionais do cotidiano de trabalho e no estabelecimento de parcerias em pesquisa e publicação com os colegas intra-departamento

foram apontadas indicando fragilidades da atuação do coletivo de trabalho, coadunando com a literatura (e.g., Bendassolli & Soboll, 2011; Mancebo, 2007; Pizzio & Klein, 2015). A rede de parcerias tende a ocorrer com os próprios orientandos, colegas seletos, professores de outros departamentos e em redes externas (nacional e internacional).

...que não tenha ninguém botando areia, está entendendo? (...) você está em sintonia com uma pessoa que você trabalha junto, você faz junto, faz em harmonia... Isso já é suficiente [para o cansaço do trabalho valer a pena], entendeu? (Elsa, 55 anos)

...era para ser um trabalho interligado! (...) tem professores que se acham mais sabidos (...) o pedantismo acadêmico existe em todas as áreas. Eu prefiro ficar distante disso.

(Ayres, 64 anos)

Eu me senti usada... trouxe o material (...) e ele se apropriou... porque é uma constante, não somente dita por mim, mas por outras pessoas. (Flor, 68 anos)

...quando ele aposentou, disputa pelo laboratório dele, pelo espólio, digamos assim.

(Lourdes, 68 anos)

Na área, especificamente, eu considero que eu sou um pesquisador solitário. Deve fazer uns quinze anos que eu não assino nem um paper, nem um documento com um colega de departamento (...)O meu grupo não tem conversa. É assim amigável, mas não é...

[parceria]. (Sérgio, 64 anos)

Especificamente com relação aos professores mais jovens, os relatos apontam para a existência de conflitos pela diferença de valores entre as gerações. Os docentes mais antigos sentem a falta de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido na instituição e o descaso com a memória institucional.

Os alunos chamam a disciplina em que eu estou de Jurassic Park, por que são com os professores acima de 50 anos. Aí, tem os [professores] mais novos, que chegaram agora e alimentam esse tipo de coisa. De uma forma ou de outra, eu acho que é desrespeitoso, não é? Existe isso, sim. (Ayres, 64 anos)

...os jovens professores, ali de 28 a 32 anos (...) a relação com a experiência é uma relação absolutamente desastrosa nessa geração. É uma relação de desprezo da experiência (...) é muito individualista (...) a gente entregou a universidade para esses caras em um patamar elevadíssimo, muito maior do que o Rio Grande do Norte poderia esperar. E, eu gostaria de sentir um rasgo assim de reconhecimento por isso, por um lado, não para mim, mas para a instituição... (Sérgio, 64 anos)

É um negócio impressionante, como nós não preservamos a nossa memória. (...) tudo o que eu representei para o departamento estava lá nas paredes com as placas, que eu fui paraninfo, patrono, de não sei quantas turmas... Perdi a conta! Retiraram todas as placas da parede. (...) Você joga no lixo uma memória?! Não só minha, mas também de colegas, de outros departamentos! (Alberto, 72 anos)

Nesse contexto de fragilidade, o objetivo de não cometer erros profissionais foi associado em complementaridade à obtenção do respeito/reconhecimento, a depender do momento da trajetória profissional.

Em qualquer área da vida, se você fizer tudo certo, no dia em que você faz uma coisa errada, (...), então, isso aparece muito mais (...). Veja assim... Um professor... ele trabalhou a vida toda, toda, toda, foi bem avaliado, um notaço! Se um aluno, de graduação (...), vai na ouvidoria para falar mal de um professor, parece que tem uma acolhida, sabe? (...) quando a gente vai atrás de saber dos motivos, vê que na maioria das vezes foi só imaturidade do aluno. (Elsa, 55 anos)

Não cometer erros profissionais para mim é: faça bem o seu serviço, e você será reconhecido por isso (...) ...nesses 36 anos (...) nunca fui chamado a atenção, nunca recebi uma advertência, nunca tive uma falta registrada, uma falta ética... e pretendo continuar assim... para mim é até mais [importante] do que os títulos (Osvaldo, 58 anos) Para mim, não está mais tão forte. Acho que o que eu tinha de cometer de erro já cometi. Não tem muita importância não. Porque eu já estou encerrando praticamente minha vida. (Alberto, 72 anos)

A produção intelectual também foi percebida como um dos aspectos construtores do reconhecimento, mas os sentidos dados perpassam por vários níveis. Para os que gostam de escrever, a produção intelectual é um prazer, uma atividade natural, que independe do compromisso com os outros:

Já tenho vários [livros escritos]. No computador, eu tenho pelo menos uns oito prontos. (...) é uma necessidade assim de vida, de expressão. (Osvaldo, 58 anos).

Isso aqui eu adoro! [escrever artigos]. Não para aumentar minha produção... é porque eu sou fascinado! (...)No final, que você emite seu relatório, que você cruza as variáveis... É como se tivesse tido.... O dedo da criação! (Ayres, 64 anos)

Eu quero escrever um trabalho de fôlego sobre [temática de interesse pessoal]. (...) para mim hoje, é muito importante, (...), mas realizar essa pesquisa sem um compromisso com publicação, sem um compromisso com meus alunos. (...) é um acerto de conta comigo mesmo. Antes de eu morrer, eu tenho que fazer isso. (Sérgio, 64 anos)

Para os docentes pesquisadores, a produção intelectual significa uma responsabilidade pessoal de manutenção do respeito/reconhecimento adquirido. Essa produção não se restringe a publicação de artigos e livros, se estendendo à participação em congressos da área de estudo com trabalhos e compondo comissão científica, elaboração de pareceres e cumprimento dos compromissos com órgãos reguladores (CAPES, CNPQ etc.).

Quem trabalha na pós-graduação não pode deixar de produzir! como é que você vai ficar na pós-graduação se você não tem produtividade, não é? (...) E quem trabalha na pós-graduação em áreas diferentes, como é o meu caso, (...) então, eu tenho que contribuir com a produção científica de duas áreas. (Lourdes, 68 anos)

Se eu não publicar um artigo por ano, em uma revista importante, eu não sou nada.

(Sérgio, 64 anos).

Em outro nível, a produção intelectual tem a função de conceder a visibilidade profissional e as pontuações necessárias para as promoções. Os relatos expressaram a necessidade de investir mais na escrita, processo que é dificultado pelas outras demandas de trabalho, por requerer articulação com o tempo de outros coautores, um ambiente propício para concentração (geralmente, o espaço doméstico) e alguns sacrifícios pessoais. Alguns dos professores que fizeram sua carreira mais voltados à sala de aula classificaram a produção intelectual como metas mais distantes.

Eu gostaria de escrever mais artigos... (...) porque daria visibilidade à produção enquanto professor pesquisador e viria a aumentar a questão da pontuação, já visando às promoções futuras. (Osvaldo, 58 anos)

Eu gostaria de ter espaço [de tempo] para produzir. Porque você (...), em sala da aula da pós-graduação... eu tenho monitoria, eu tenho pesquisa, tenho extensão, oito orientandos de mestrado e sala de aula de graduação?? Sinceramente! Agora, se eu reduzisse para ficar só na pós-graduação eu teria tempo para produzir mais… porque a produção está quase zero... E só dá conta disso... das atividades, da pressão, sabe?

(Flor, 68 anos)

De igual modo, escrever artigo e livro, ou seja, isso aqui é exatamente o que tem tomado tempo de cuidar dessas coisas [da saúde, da alimentação]. Ah, estou concentrada, eu estou ótima! Mas, já que estou concentrada, vou continuar aqui...e perco o horário do almoço, como um lanche, me ocupo e as outras coisas vão ficando de lado... (Elsa, 55

Escrever artigos e aumentar minha produção intelectual, eu acho que é importante, mas não é meu foco (...) eu não vou me estressar por conta disso. (Paulo, 64 anos)

Cansado disso aqui, de escrever artigo (...) livro, também não. (...) Não está no meu horizonte por enquanto. (...) Você para escrever tem que ter boa leitura, um bom conteúdo, do que você quer fazer. Mas, as coisas mudam muito rápido... você tem que avançar em leituras que você não tem conhecimento. Então, ao tentar fazer isso e construir, o cansaço batia. (...) Por isso que eu me desliguei logo! Quer saber? Não vou me esquentar com isso. Não é mais meta minha, então eu vou tocar as coisas que eu estou fazendo e fazer bem feito, e isso aí quem quiser vá assumindo! (Alberto, 72 anos)