• Nenhum resultado encontrado

Serra da Piedade: ambiente histórico e paisagístico versus mineração

2. SOCIEDADE CIVIL: ATORES SÓCIO-POLÍTICOS

3.1 APRESENTAÇÃO DOS CASOS: HISTÓRIA, SENTIDOS, VALORES E

3.1.1 Serra da Piedade: ambiente histórico e paisagístico versus mineração

O primeiro caso escolhido para a análise refere-se aos procedimentos instaurados junto ao Ministério Público, Federal e Estadual, denunciando atividade de mineração na Serra da Piedade. Insta salientar, de início, as peculiaridades, simbologias e historicidade que se verificam nessa Serra.

A Serra da Piedade encontra-se nos municípios mineiros de Caeté e Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte, distando aproximadamente 50 (cinqüenta) quilômetros desta capital.

Ilustração 1: Localização Serra/Santuário Serra da Piedade.

FONTE: Dossiê Serra da Piedade: Berço da Padroeira de Minas Gerais, Brasil – Patrimônio Histórico,

Religioso, Geológico e Ambiental – documento elaborado pelo Movimento SOS Serra da Piedade (Março-2009).

Os primeiros apontamentos referentes à Serra da Piedade remontam aos séculos XVII e XVIII, período de início da ocupação do território mineiro pelos bandeirantes. Verifica-se que, no século seguinte, são realizadas importantes visitas por vários viajantes estrangeiros que imprimem suas visões sobre o local. A referência religiosa e mística da Serra da Piedade é revelada pela lenda que aduz que Nossa Senhora com o menino Jesus no colo revelou-se para duas meninas. Uma dessas recebeu o milagre de conseguir falar. Diz a crença que após a

revelação a garota, muda desde nascença, começa a falar e a contar a história do ocorrido. Com a lenda da aparição inicia-se a construção de uma pequena capela no topo da Serra para homenagear Nossa Senhora da Serra da Piedade.

Ilustração 2: Frente da Ermida antes do reboco (Fonte: Vigília na Serra da Piedade).

FONTE: Dossiê Serra da Piedade: Berço da Padroeira de Minas Gerais, Brasil – Patrimônio Histórico,

Religioso, Geológico e Ambiental – documento elaborado pelo Movimento SOS Serra da Piedade (Março-2009).

Constantes peregrinações e romarias começam a se dirigir ao local do milagre, sendo revelado por devotos o acontecimento de vários outros. Com o aumento de número de visitantes e peregrinos no local, constrói-se uma Igreja com maior estrutura. Em tempos recentes, conforme verificado no documento intitulado “Serra da Piedade: berço da padroeira de Minas Gerais”, o Santuário Serra da Piedade recebe grande aglomeração de fiéis em datas importantes do calendário da Igreja Católica como, por exemplo, no jubileu.

Ilustração 3: Concentração de romeiros durante o jubileu.

FONTE: Dossiê Serra da Piedade: Berço da Padroeira de Minas Gerais, Brasil – Patrimônio Histórico,

Religioso, Geológico e Ambiental – documento elaborado pelo Movimento SOS Serra da Piedade (Março-2009).

Marca-se, ainda, que no ano de 1958, “o Santo Padre João XXIII (...) dignou-se, pelas Letras Apostólicas “Haeret animis” a dar à SS. Virgem, invocada sob o título de Nossa Senhora da Piedade, as prerrogativas litúrgicas de Padroeira do Estado de Minas Gerais.” (Documento Serra da Piedade: berço da padroeira de Minas Gerais, p.11). Em tempos recentes, verifica-se que o conjunto arquitetônico do Santuário da Serra da Piedade compreende, além da Igreja Nossa Senhora Serra da Piedade, a casa dos Romeiros, Convento e um restaurante.

Ilustração 4: Santuário Serra da Piedade.

FONTE: Dossiê Serra da Piedade: Berço da Padroeira de Minas Gerais, Brasil – Patrimônio Histórico,

No mesmo platô em que se encontra esse conjunto arquitetônico, vê-se instalado o Observatório Astronômico Frei Rosário, da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, e as antenas e instalações do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA.

Como se vê, ao longo dos séculos foi-se agregando valor histórico e simbólico à Serra da Piedade. Historicamente o lugar está marcado por referências místicas, sagradas e paisagísticas que são cultivadas pelos atores sociais locais e regionais. Por isso é que esses atores sociais prontamente se insurgem contra o pedido de ampliação da atividade mineraria formalizado pela empresa Brumafer Mineração Ltda.

O acionamento do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal foi uma das primeiras providências tomadas pelos atores sociais locais. Os procedimentos administrativos cíveis presididos pelas instituições ministeriais iniciaram-se por representação do Movimento SOS Serra da Piedade50, tendo como intuito a preservação da Serra da Piedade e a estagnação do avanço das atividades de extração de minério de ferro no local.

O mencionado movimento e os cidadãos interessados na preservação deste bem natural noticiaram aos órgãos ministeriais a existência de extração mineral no local, relataram os danos já causados, bem como os riscos futuros e solicitaram atuação do Parquet junto aos órgãos ambientais, para que não fossem concedidas novas licenças à mineradora e não se renovassem as outorgas já existentes.

O Movimento SOS Serra da Piedade trouxe ao processo prova do tombamento da Serra da Piedade e as demais formas de proteção da área. Esse movimento mostrou-se fortemente articulado com outros atores, pelo que provocou uma concreta articulação tanto entre os entes ministeriais como entre esses e atores políticos, como as Secretarias de Estado e a Arquidiocese de Belo Horizonte.

A partir dos documentos colacionados pode-se constatar significativo conhecimento técnico dos cidadãos que subsidiaram a atuação do MPF e do MPE. Com efeito, verifica-se a apresentação de mapas cartográficos, pareces técnicos e jurídicos, além de constantes informações sobre o encaminhamento e o andamento do caso nos órgãos ambientais, nos órgãos de proteção ao patrimônio histórico e cultural e na Assembléia Legislativa.

Após várias reuniões de representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal, além de reiterados encontros com membros da sociedade civil interessada, o IPHAN, o MPE e o MPF

ajuizaram Ação Civil Pública contra a empresa BRUMAFER, a Fundação Estadual do Meio Ambiente e o Estado de Minas Gerais.

Esta ação judicial tinha, entre outros objetivos, o de recomposição paisagística da área tombada e de não concessão/renovação de licenças ambientais. Ajuizada a ação, o Poder Judiciário concedeu liminar, que determinou a não concessão de licença e a paralisação do empreendimento até decisão final.

O ajuizamento da mencionada ação não alterou a postura ativa da sociedade civil na busca da preservação da Serra da Piedade. Tanto é assim que, em meados de 2006, ela noticiou a promulgação da Lei n.16.133/2006 que, além de outros temas, reduzia o perímetro de proteção da Serra estabelecido pela Lei n. 15.178/04. Observando a inexistência de correta técnica legislativa na elaboração da Lei n.16.133/2006, o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública com o fim de ver declarada a inconstitucionalidade e ilegalidade dessa última norma. Julgada procedente a ação, manteve-se incólume a área de preservação definida na anterior Lei n. 15.178/2004.