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Entrevista de referência

5.2 SERVIÇO DE REFERÊNCIA DIGITAL VIA CHAT

Matteson, Salamon e Brewster (2011), ao publicarem revisão de literatura sobre o uso de chat no atendimento de referência em bibliotecas, iniciam o artigo fornecendo a seguinte definição:

Nós definimos serviço de referência de biblioteca via chat com um serviço síncrono de respostas por computador, onde usuários do serviço fazem perguntas, as quais são respondidas por empregados de bibliotecas ou agentes contratados. (MATTESON; SALAMON; BREWSTER, 2011, p. 172, tradução nossa)

Sobre a definição acima, há que se fazer uma ressalva, pois generaliza a equipe de atendimento via chat a praticamente qualquer trabalhador da biblioteca, como se em meio digital o serviço de referência não exigisse sequer as competências básicas de atendimento do bibliotecário. Porém, vários autores discordam dessa opinião, como Echeverría Aguilar e Donoso Vegas (2005, p. 19). Mais adiante serão comentados trabalhos, os quais indicam que a influência das competências do bibliotecário de referência via chat pode ser tão significativa a ponto de influenciar a satisfação dos usuários.

Antes de prosseguir com a apresentação da pesquisa de Matteson, Salamon e Brewster (2011) é necessário discorrer sobre a estrutura básica de atendimento por chat em serviço de referência descrito na figura 3.

Fonte: Wasik (2008, p. 125, tradução nossa), com adaptações.

Na figura 3, percebe-se que há etapas no atendimento por chat que se integram a outras partes do serviço de referência digital, ou até mesmo a outros serviços. O recurso de encaminhar o usuário para o preenchimento de pedido de pesquisa através do formulário web ou do e-mail da biblioteca, ou a outro serviço precisa ser uma opção criteriosa, pois pesquisas mostram que os usuários têm a expectativa de receber respostas em tempo real. Ademais, como diz Wasik (2008, p. 124) repassar o atendimento é muito mais rápido do que despender energia, superar obstáculos na comunicação e utilizar a entrevista de referência como os manuais recomendam.

Avaliar o serviço

Sim

Não

Sugerir serviço/fonte de informação alternativos, encaminhar solicitação de

pesquisa para a biblioteca. Encontrou

alguma resposta? Enviar resposta,

apresentar página ou realizar instrução passo a

passo para a resposta.

Fazer pesquisa Sabe a resposta? Identificação do usuário Mensagem inicial Comando para iniciar a sessão Saudação do bibliotecário Sim Não

Em linhas gerais, uma sessão de chat segue a estrutura citada por Wasik (2008), abaixo:

1. Saudação ao usuário quando entra na fila de atendimento do chat; 2. Leitura da questão inicial do usuário;

3. Condução da entrevista de referência/clarificação da necessidade de informação;

4. Demonstração de páginas da web ou instrução para uso de fontes de informação;

5. Questionamento para saber se a necessidade de informação foi suprida; 6. Encerramento da sessão.

(WASIK, 2008, p. 124, tradução nossa)

Retomando o texto de Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 172-173), como introdução ao artigo, os autores trazem informações históricas sobre a experiência do atendimento via chat em bibliotecas dos Estados Unidos. Segundo os autores, as primeiras experiências de chat que apareceram na literatura foram as da North Carolina State University e da University of Michigan Shapiro Undergraduate Library, ambas na mesma época, em meados de 1996, usando o software CU-SeeMe, o qual permitia a comunicação síncrona integrada de chat e vídeo. Outros quatro serviços via chat como os da Silkeborg Bibliotek Library, SUNY-Morrisville e Temple University que surgiram em 1998, e o da University of North Texas, inaugurado em 1999, também merecem destaque por ainda se encontrarem em funcionamento em 2006.

Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 173) relatam que a rápida evolução da tecnologia da comunicação nos anos 90 possibilitou que os serviços de referência passassem a ser providos por softwares de chat mais eficientes, com recursos de co-browsing, pushing de webpages17, armazenamento de mensagens, gerenciamento de estatísticas e relatórios. Mas, como havia à época softwares gratuitos que eram de fácil uso e bastante conhecidos do público, por questão de economia, muitas bibliotecas optaram por usar os softwares gratuitos de mensagem instantânea (MSN da Microsoft, AIM da American Online, etc.), abrindo várias contas em diversos serviços individuais e que foram sendo substituídos por serviços agregadores com interface única e sem necessidade de download de software.

Três temas se destacam nas pesquisas analisadas por Matteson, Salamon e Brewster (2011, 176-179) por serem mais frequentes:

1. Motivação dos usuários para a escolha do chat: dentre vários motivos para usar o serviço de referência via chat estão: a conveniência, a curiosidade, a recomendação de outros

17 Co-browsing: função que permite ao atendente visualizar a tela do cliente.

usuários e a dificuldade de se fazer perguntas pessoalmente.

2. Percepção dos usuários sobre serviços de chat: em geral, os usuários de biblioteca declaram que estão dispostos a usar serviços de referência via chat, sendo que a razão para o não uso entre os mais jovens é desconhecer a existência do serviço.

3. Satisfação dos usuários com os serviços de chat: as pesquisas mostram que o grau de completude das respostas influencia diretamente na satisfação dos usuários. Perguntar se a questão foi completamente respondida, convidar o usuário a retornar ao serviço e usar mecanismos de compensação da linguagem não verbal, especialmente as reticências, são comportamentos importantes para elevar a satisfação do usuário com o atendimento.

Como parâmetro para analisar o grau de completude das respostas, Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 179) dizem que poucas questões foram respondidas parcialmente quando o atendimento não era terceirizado e feito por bibliotecário da própria instituição, e que os operadores de serviços de referência por consórcio foram responsáveis pela alta porcentagem de encaminhamentos.

Em termos de encaminhamento de questões, há que se considerar que os estudos de Kwon e Wikoff, citados por Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 179), foram baseados em transcrições de serviços de chat de consórcios de bibliotecas públicas e que o elevado percentual de encaminhamentos foi sobre questões de interesse local (problemas com a conta na biblioteca, circulação de materiais, dentre outros assuntos administrativos), às quais o operador não sabia informar por não ser da mesma instituição do usuário.

O importante é salientar a distribuição balanceada de tipos de questões de referência nos estudos, o que sugere que “[...] os usuários de serviços de chat não associam esse meio de comunicação com um ou somente poucos tipos de necessidade de informação. Em vez disso, os usuários do serviço estão dispostos a expressar uma variedade de necessidades de informação através do chat” (MATTESON; SALAMON; BREWSTER, 2011, p. 179, tradução nossa).

Não há dúvida das vantagens em se disponibilizar serviços de referência via chat através de consórcio, em termos de custos, mas se for considerada a satisfação dos usuários com relação às respostas como o principal benefício, a questão é problemática. A partir do momento em que as bibliotecas disponibilizam uma ferramenta de chat com o propósito de fornecer informações, as pesquisas mostram que a expectativa dos usuários é de receber respostas completas e em tempo real.

Matteson, Salamon e Brewster (2011) também comentam sobre pesquisas que investigavam as interações de chat como processo de comunicação envolvendo elementos

estilísticos, contextuais e de qualidade.

Os elementos estilísticos oferecem recursos que auxiliam na expressão das intenções através da compensação da comunicação não verbal por meio de “[...] uso de abreviações, contrações, acrônimos, emoticons, fragmentação de frases, pontuação, sentenças em maiúsculo, fontes, gírias, coloquialismos e mensagens prontas” (MATTESON; SALAMON; BREWSTER, 2011, p. 180, tradução nossa). Por meio desses elementos, realizaram-se vários tipos de análises, como os estudos de linguística de Maness e comunicação interpessoal de Radford, as comparações entre serviços de referência por chat e face a face de Desai, sobre as características de chat descritas por Lee e os indicadores de formalidade e informalidade na interação entre bibliotecário e usuário de Walter e Mediavilla.

Não é muito nítida a diferença que Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 180) fazem entre os elementos estilísticos e contextuais se observados sob o aspecto da comunicação. Os estudos que abordavam elementos contextuais traziam inferências sobre: vulnerabilidade dos interlocutores, gratidão excessiva, autodepreciação, humor leve, identidade de grupo, identificação de falas que revelavam a política da biblioteca/serviço, processos de compartilhamento de significados, pressupostos de verdade e reciprocidade, organização sequencial da interação, dentre outros elementos.

Em se tratando dos elementos de qualidade, Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 181) comentaram as pesquisas de White et al., Pomerantz et al. e Radford. Os estudos de White et al. consideraram como uma medida eficiente de qualidade a análise da acurácia e a completude da resposta; a manutenção do foco no objetivo principal da questão; o tratamento dispensado pelo bibliotecário, como paciência e solicitude em atender; os intervalos (lag and

down time) entre a pergunta e a resposta; o tempo gasto com enfileiramento; bem como a

frustração do usuário e problemas técnicos. Pomeratz et al., por sua vez, elencaram 13 elementos que precisavam ser avaliados e que foram agrupados nas seguintes categorias: características das respostas oferecidas, comportamento e tratamento do bibliotecário ao interagir e satisfação dos usuários. E de uma forma sucinta, Radford esclareceu que a medida mais segura para averiguar a qualidade das sessões é perguntando diretamente aos usuários do serviço.

Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 181-182) resumem os estudos sobre os elementos de estilo, contextuais e de qualidade relacionados ao “processo de resposta a questões” afirmando que, em geral, as pesquisas que abordam elementos estilísticos mostram que os usuários utilizam mais linguagem informal do que os bibliotecários no início das sessões de chat, mas com o progresso da conversa a tendência é o bibliotecário espelhar o

modo de se comunicar do consulente gerando maior afinidade e familiaridade, principalmente com o discurso dos mais jovens. A outra descoberta dos estudos das características de estilo é que o uso de recursos de respostas prontas (scripted word) disponíveis nos sistemas de chat diminui a satisfação do usuário com a transação, enquanto que a compensação da linguagem não verbal é apontada como positiva nesse aspecto. Referindo-se aos elementos de contexto, as investigações revelam que as transações de referência por meio da comunicação virtual síncrona são tão complexas em termos de interação humana quanto as face a face, possuindo em comum a criação “[...] de entendimentos construídos socialmente através de dispositivos linguísticos, semânticos e conversacionais, sob a imposição de normas culturais, sociais, institucionais e individuais [...]” (MATTESON, SALAMON E BREWSTER, 2011, p. 180, tradução nossa). Já os estudos sobre elementos de qualidade levam em conta tanto a adequação das respostas, quanto a eficiência no uso do tempo da sessão e a influência do comportamento do bibliotecário na qualidade da interação.

Três estudos citados por Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 182-183), cujos autores são Walter e Mediavilla, Van Duinkerken, Stephens e MacDonald analisaram transcrições de chat em busca de evidências da presença/ausência das competências recomendadas no guia para o desempenho comportamental de provedores de serviços de referência e informação, cujo autor é Reference (2011). O quarto estudo, que é o de Luo, utilizou-se de entrevistas para verificar as competências no atendimento ao usuário por chat.

Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 182-183, tradução nossa) mencionam que Walter e Mediavilla, após analisarem 114 transcrições, concluíram que houve baixa aderência dos bibliotecários aos padrões comportamentais do guia feito por Reference (2011); a maioria das transações analisadas mostravam frases de saudações amistosas e comunicação clara, mas que os provedores habitualmente não procuravam instigar o usuário para obter mais informações, nem verificavam se a informação tinha sido claramente compreendida. Do mesmo modo, Van Duinkerken, Stephens e MacDonald, examinaram 1.435 transações de chat em busca da aplicação do mesmo guia, e perceberam, através dos dados, uma forte evidência dos comportamentos do guia elaborado por Reference (2011) associados com as categorias “acessibilidade e interesse”, mas encontrou resultados não tão marcantes nas demais categorias, como a de “escutar e indagar” (reformulação da necessidade de informação do usuário e aplicação de perguntas abertas e fechadas de forma apropriada na entrevista de referência), “pesquisar” (investigação das tentativas de busca já realizadas pelo usuário, auxiliando-o na delimitação de seus temas), e “acompanhamento” (verificar se a pergunta foi totalmente respondida, incentivar o usuário a retornar ao serviço, convidar o usuário a ligar ou

visitar a biblioteca).

Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 182, tradução nossa) descrevem, ainda, o trabalho de Luo sobre competências para atendimento de referência via chat. Dentre as “competências gerais” estão as competências relacionadas à entrevista de referência; das “competências de destaque” cita-se, por exemplo, a capacidade de trabalhar sob pressão e sobre as “competências específicas” para chat encontram-se as habilidades de comunicação

online.

Matteson, Salamon e Brewster (2011, p. 183, tradução nossa) comentam que é patente o interesse que as bibliotecas acadêmicas têm em disponibilizar serviços de referência por chat aos seus usuários, pois em apenas dois anos, de 2002 a 2004, nos Estados Unidos, 22% das bibliotecas acadêmica de saúde relataram que haviam implantado o serviço. Nessa busca de disponibilizar serviços por chat entram questões tecnológicas, barreiras e facilidades que são descritas nos estudos e podem ser úteis ao processo de implementação. No trabalho de Dee, em termos de tecnologia, num período inferior a 12 meses, registrou-se a tendência em adotar programas comerciais de chat em conjunto com os de instant messenger, 39% superior àquelas bibliotecas que só usavam os chats comerciais. Segundo a pesquisa de Huston, as barreiras para implantar essa modalidade de serviço de referência estão relacionadas, principalmente, com a “[...] falta de bibliotecários bem treinados, suporte técnico e pouca requisição dos estudantes/usuários para criar o serviço”. As facilidades para criar o serviço por chat são atribuídas ao “[...] apoio dos bibliotecários e administradores do novo serviço e a crença de que ele é necessário” (MATTESON; SALAMON; BREWSTER, 2011, p. 183, tradução nossa).

E para finalizar, Matteson, Salamon e Brewster (2011) destacam as principais conclusões encontradas em 15 anos de pesquisa sobre o tema, período que corresponde a 1995 a janeiro de 2010:

A. Geralmente, o serviço de chat é bem recebido e os usuários relatam altos níveis de satisfação;

B. Os usuários têm a expectativa de que suas perguntas sejam respondidas eficientemente e eficazmente em tempo real;

C. Os serviços de chat recebem variados tipos de questões e na maioria dos casos analisados nos estudos, respostas completas ou parciais foram providas;

D. Usuários de serviços de chat se sentem confortáveis com a natureza informal da comunicação;

E. O ambiente de chat é rico em contexto, mesmo sem os sinais não verbais disponíveis nas interações face a face, e usuários e bibliotecários fazem uso de muitos dispositivos de estilo e contexto em suas interações para construir relacionamentos e compartilhar significados;

F. Os usuários de chat frequentemente perguntam por, ou estão dispostos a receber instrução de biblioteca via chat, e bibliotecários empregam várias técnicas para essa

atividade, tais como sugerir fontes e termos de pesquisa, explanar sobre como usar recursos, ou modelar passo a passo com o usuário as formas de pesquisar informações;

G. Prover serviço de biblioteca via chat requer na mesma medida o desenvolvimento tanto de competências em comunicação quanto em referência. Guias profissionais, tais como o guia para o desempenho comportamental de provedores de serviços de referência da e informação da Reference and User Services Association são úteis para estabelecer melhores práticas para operadores de chat e quando usados mostram correlação com o aumento da satisfação dos usuários.

H. Embora as estatísticas de uso possam ser baixas em relação aos outros meios de contatar a biblioteca, os serviços de chat são usados regularmente.

(MATTESON; SALAMON; BREWSTER, 2011, p. 185, tradução nossa)

No Brasil, os trabalhos acadêmicos sobre serviço de referência por chat são poucos. Na maioria das vezes o assunto é tratado de forma periférica, como sendo apenas uma extensão do serviço de referência virtual. Porém, três trabalhos precisam ser citados por apresentarem relatos de experiência no contexto das bibliotecas universitárias. O primeiro é o artigo de Maranhão et al. (2010), que descreve de maneira resumida algumas informações sobre a experiência da Divisão de Bibliotecas e Documentação da PUC-Rio, como o histórico da implantação do serviço, o programa utilizado e as estatísticas de atendimento. O segundo, de Santana et al. (2010), traz o relato da biblioteca da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo e o terceiro, de Ferreira et al. (2012), aborda a experiência da Biblioteca de Engenharia e Arquitetura da Universidade de Campinas, ambos seguem estrutura semelhante ao artigo de Maranhão et al. (2010).