• Nenhum resultado encontrado

O Serviço Social no contexto do terceiro setor: ampliação do espaço socioocupacional para o trabalho profissional

CAPÍTULO 2 O TERCEIRO SETOR E A CONSTITUIÇÃO DE UM NOVO ESPAÇO SOCIOOCUPACIONAL PARA O SERVIÇO SOCIAL

2.3 O Serviço Social no contexto do terceiro setor: ampliação do espaço socioocupacional para o trabalho profissional

Entre as principais transformações ocorridas na contemporaneidade, destacam-se as do mundo do trabalho, que alteram a organização e as relações de trabalho e afetam consideravelmente a vida das classes trabalhadoras, principais usuárias das políticas sociais. Processa-se uma reorientação do Estado, que passa a atuar de uma perspectiva de Estado de

bem-estar social para uma orientação neoliberal, sendo o principal responsável pelas respostas às seqüelas da questão social. Por último, sendo as políticas sociais mediações entre o Estado e as classes sociais, pode-se concluir, então, que estas também se modificam em suas orientações e funcionalidade. E, se a política social cria o espaço para surgimento e expansão do Serviço Social, a sua diminuição e precarização repercute na profissão de forma negativa, visto que

As mudanças nas funções e responsabilidades sociais do Estado, por via de alterações nas políticas sociais, rebatem direta e radicalmente na coluna vertebral da profissão: no tipo e quantidade de demandas dirigidas ao profissional, nas condições de trabalho do assistente social, na modalidade interventiva, na eventual tendência ao aumento do desemprego e subemprego profissional, na descaracterização da profissão (MONTAÑO, 2002, p. 246).

Nesse processo, o Estado tem diminuído os custos, que considera elevados, inserindo-se aí o trabalho profissional, incentivando a atividade voluntária, a auto-ajuda e a ajuda mútua. Os assistentes sociais como agentes destes serviços, estão entre os custos e, conseqüentemente, podem ser recortados, de forma a diminuir as despesas do Estado com a área social.

[...] remete, tendencialmente, no contexto de focalização, descentralização e precarização das políticas sociais, à clara precarização das condições de

trabalho do assistente social, sua terceirização e/ou sua substituição por agentes de menor preparo e salários mais baixos (ou voluntários), precarizando/reduzindo as demandas por assistentes sociais [...] (MONTAÑO, 2002, p. 249).

Considerando-se serem as políticas sociais a base de sustentação funcional do Serviço Social, suporte material privilegiado da ação profissional87, se estas são modificadas, no atual contexto socioeconômico e político, pode-se concluir que a profissão tende a sofrer transformações relevantes no que se refere a sua demanda, campo de atuação, vínculo

empregatício, tempo de trabalho, salário e outros, tendo em vista que esse mercado aberto no

terceiro setor não tem compensado a retração do mercado na órbita do Estado. Concretamente,

Não parece compensar em relação à quantidade dos postos de trabalho para os assistentes sociais criados na sociedade civil. Não compensa no tipo de vínculo empregatício: instável, flexível, sujeito a financiamento externo de projetos pontuais. Não compensa no tipo de prática demandada: dirigida cada vez mais à gestão de recursos humanos (RH), mais do que à implementação de serviços sociais, e voltada geralmente para uma prática voluntarista/assistencialista [...] (MONTAÑO, 2002, p. 249).

Um outro ponto abordado por Montaño (2002) é que a prática desenvolvida pelos assistentes sociais vem ocorrendo muito mais numa perspectiva conciliadora e doutrinadora, por intermédio de atividades de administração de benefícios sociais e a coordenação de novos métodos de organização do trabalho, tais como os círculos de controle de qualidade (CCQ), alterando-se as atribuições e os papéis desses profissionais.

Se a política social como instrumento do Estado intervencionista, constitui-se em instância privilegiada que possibilita a criação de espaço de intervenção profissional e, conseqüentemente, o mercado de trabalho para o Serviço Social, atribuindo-lhe funcionalidade e legitimidade, é evidente que as reformas do Estado, a precarização e os recortes das políticas sociais e a suposta passagem dos serviços assistenciais sociais do Estado para o setor privado, seja ele mercantil ou do terceiro setor, não significam nem de longe uma

87 O assistente social depende da política social para desempenhar suas atribuições, ou seja, a política social

transferência de práticas profissionais dos assistentes sociais para esse setor. Significam sim, como bem coloca Montaño (2002), que a assistência social vem sendo paulatinamente substituída por uma outra atividade: a ação filantrópica88.

O que parece se processar na verdade, é uma tendencial perda paulatina do espaço profissional-ocupacional do assistente social (fundamentalmente no âmbito estatal), que deixa lugar para - porém não evolui em - um aumento das práticas filantrópicas e voluntárias (no interior do chamado terceiro setor) (MONTAÑO, 2002, p. 248).

De um modo geral, a descentralização administrativa, a privatização e a

transferência para o terceiro setor das respostas às seqüelas da questão social têm repercutido negativamente na profissão, contribuindo para o aumento tendencial do nível de desemprego profissional, para uma maior precarização das condições de trabalho e para o agravamento das condições de emprego/subemprego (MONTAÑO, 2002).

O vínculo contratual do profissional de Serviço Social nas ONGs aponta para a existência de uma multiplicidade de contratos e para uma maior instabilidade profissional nessas instituições. Entre 1991 e 1996, verificou-se um elevado número de contratos como também um significativo número de demissões, mostrando o elevado nível de rotatividade desse setor (MONTAÑO, 2002).

Apesar do aumento da demanda nas instituições do terceiro setor, os gastos com os serviços oferecidos têm se mantido. Não houve um acréscimo do número de profissionais contratados, o que se reflete nas suas condições de trabalho e na qualidade dos serviços, criando uma sobrecarga profissional.

Ainda segundo a pesquisa (Montaño, 2002), nas entidades filantrópicas, e especialmente nas ONGs, os salários oferecidos a esses profissionais eram bem inferiores aos de outros profissionais, e a carga horária predominante era de 20 a 25 horas semanais. Quarenta por cento dos entrevistados trabalhavam num sistema de rodízio/escala, explicitando o trabalho flexibilizado.

Pesquisas como essas estimulam questionamentos sobre a inserção do Serviço Social nesse novo espaço profissional que se amplia para a profissão. É fundamental que ao

88 Para Yazbek (2004), a filantropia, no Brasil, faz parte de nossa história, e a presença do setor privado na

provisão social não é novidade na trajetória das políticas sociais brasileiras. Mas, inegavelmente, nos anos mais recentes, essa presença, além de se diversificar, em relação às tradicionais praticas filantrópicas, vem assumindo uma posição de crescente relevância no incipiente sistema de proteção social do país.

se ocupar esse lugar, tenha-se a capacidade de fazer uma leitura crítica desse novo padrão de intervenção social, que, além de contribuir para o aumento da precarização das relações de trabalho profissional, tem estimulado, em maior ou menor grau, a substituição do trabalho profissional pelo trabalho voluntário89. Em muitos casos, o próprio profissional de Serviço Social tem ocupado essa posição, na esperança de ter seu trabalho reconhecido para um futuro contrato. Entre as dezesseis entrevistadas, nove assistentes sociais relataram que, antes de serem contratadas, realizaram algum tipo de trabalho voluntário na instituição. Destas, uma foi contratada após seis anos de serviço, e outra está há quatro anos na instituição à espera de um contrato.

Em que medida a inserção profissional do Serviço Social no terceiro setor (ONGs, entidades filantrópicas etc.) tem se mostrado vantajoso para a profissão, seja nas suas condições de trabalho ou para a sua prática profissional? É refletindo sobre tudo que foi apresentado até o momento que uma pesquisa sobre as condições e relações de trabalho no

terceiro setor na cidade do Natal se propõe como importante contribuição para o desvelamento das contradições existentes nesse espaço socioocupacional e suas repercussões (positivas ou negativas) na profissão de Serviço Social.

89 Nesse contexto, o projeto de mobilização do voluntariado integra-se às estratégias neoliberais de

desresponsabilização do Estado para com as necessidades sociais, tornado-se um elemento importante na investida em favor do desmonte dos direitos sociais universais, transformando os direitos em benefícios eventuais. Portanto, o atuação do voluntariado vai na contramão da luta pela preservação, efetivação e ampliação dos direitos sociais universais (IMAMOTO, 2002).

CAPÍTULO 3 - RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO PARA O ASSISTENTE