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CAPÍTULO II O SERVIÇO SOCIAL ENTRE O PENSAMENTO CONSERVADOR E O CRÍTICO

2.3 SERVIÇO SOCIAL E O MARXISMO

Na análise de Netto (1989), existe um denominador comum entre o marxismo e o Serviço Social: ambos são impensáveis fora da sociedade burguesa e possuem como base a questão social. Para o autor:

[...] a “questão social” [...] se põe logo nos primeiros momentos da revolução industrial; Marx confronta-se com ela, teórica e politicamente, ainda no espaço do capitalismo concorrencial, “clássico”; o serviço social, por seu turno, só pode ser tomado como profissão a partir do trânsito do capitalismo concorrencial a idade do monopólio, ao estágio imperialista (p. 90).

Embora exista este denominador comum apresentado por Netto (1989), entre Serviço Social enquanto profissão e o Marxismo enquanto teoria social há diferenças enormes entre ambos. A começar no fato de que, para o marxismo, a questão social só é ultrapassada com a eliminação da sociedade capitalista. O Serviço Social, por sua vez, embrionariamente, surge vocacionado para administrar a questão social. A profissão surge enquanto uma estratégia do Estado no capitalismo monopolista, no trato das manifestações da questão social. Observem que, apesar de o marxismo e o Serviço Social possuírem a sociedade burguesa e a questão social como ponto em comum, ambos possuem características que o diferenciam exatamente neste ponto, a partir do momento que analisamos o Serviço Social em seu processo de origem, desenvolvimento e institucionalização.

A vertente cultural revolucionária de Marx é totalmente adversa a vertente a qual o Serviço Social se vinculou nas suas origens. Assim:

Tal vertente é antípoda àquela a que se prende o serviço social - prefigurada pela reação à Revolução Francesa, com a polêmica pós- revolucionária dos saudosos do Antigo Regime. Trata-se do veio

ideal aberto pelos ideólogos da Restauração, em cujo desenvolvimento haveriam de confluir componentes reacionários e ingredientes conservantistas. Quando estes se adensam e se contemplam numa plasmagem própria, emerge a vertente conservadora, na qual se inscreve o serviço social: é uma das suas concretizações profissionais, quando ela, na passagem do capitalismo concorrencial à idade do monopólio, transita para a intervenção, a gestão e a administração institucionais de variáveis que concorrem na “questão social”. Na vertente conservadora, tal como ela se constituiu sob a lente do estilo de pensar positivista, cristaliza-se a auto-representação do ser social funcional aos marcos do capitalismo consolidado (NETTO, 1989, p.92).

Para Netto op.cit., essas duas vertentes teóricas são desenhadas num cenário de excludência. Se o marxismo fundou uma teoria social de cariz histórico, ontológico e dialético; o Serviço Social, enquanto uma profissão se institucionaliza e se afirma ancorado a vertente teórica do conservadorismo.

Trata-se de uma vertente que fundou as chamadas ciências sociais como disciplinas autônomas e particulares, embasadas no suposto de que a sociedade se estrutura segundo níveis a que se atribui uma especificidade que permite e legitima saberes (também específicos) que se constelam em “ciências” especiais - a economia, a sociologia, a antropologia, a psicologia etc. (NETTO 1989, p. 93).

O autor vem apontar que essa relação de excludência entre essas duas vertentes passa por modificações no século XX, onde as chamadas ciências sociais, oriundas da vertente conservadora, atravessam um contato diverso com a tradição marxista. E explica ainda, que essa mudança é dada a partir da influência da tradição marxista nos movimentos de libertação nacional, como também pela crise das ciências sociais acadêmicas, ambos operados no cenário dos anos 50 do século XX.

Para Netto (1989), essa incorporação do marxismo pelas ciências sociais críticas influenciou na interlocução do marxismo com o Serviço Social, uma vez que, “confrontados com os impasses que se cronificavam na sua intervenção profissional, e para os quais não obtinham clarificação nas referências tradicionais de que dispunham, os assistentes sociais mais inquietos voltaram-se para aquelas correntes críticas” (p. 96). Essa aproximação se singularizou por três traços:

Em primeiro lugar, tratou-se de uma aproximação que se realizou sob exigências teóricas muito reduzidas - as requisições que a comandavam foram de natureza sobretudo ídeo-políticas, donde um cariz fortemente instrumental nessa interlocução. Em segundo lugar, e decorrentemente, a referência à tradição marxista era muito seletiva e vinha determinada menos pela relevância da sua contribuição crítico-analítica do que pela sua vinculação a determinadas perspectivas prático-políticas e organizacional- partidárias. Enfim, a aproximação não se deu às fontes marxianas e/ou aos “clássicos” da tradição marxista, mas especialmente a divulgadores e pela via de manuais de qualidades e níveis discutíveis (NETTO, 1989, p. 97).

Santos (2007), discutindo sobre a aproximação entre o marxismo e o Serviço Social apresenta que o primeiro momento se deu no Movimento de Reconceituação. Com uma apropriação ideológica do marxismo, a profissão objetivava romper com suas bases de origem tradicional, apropriando-se de recortes, capturando elementos ídeo-políticos do marxismo.

A autora chama a atenção para um caráter problemático dessa apropriação, “remeto aos equívocos registrados na história do marxismo, desde a sua gênese, passando pela Segunda e Terceira Internacionais que generalizaram como oficiais determinadas interpretações e desenvolvimento da obra marxiana” (SANTOS, 2007, p. 73).

Dessa primeira aproximação resultaram posições messiânicas e fatalistas16. A

apropriação do marxismo como doutrina pragmático-científica caiu como uma luva para o momento de ruptura. As interpretações equivocadas gestadas no processo de revisão crítica do Serviço Social levaram a uma militância política, feita a partir do entendimento de que através da consciência teórica resultaria na luta de classe. A ideia de que deveria existir uma identidade entre teoria e prática e que esta deveria moldar a teoria, provocou uma imagem do assistente social como o agente da mudança social.

O segundo momento de aproximação se deu ainda na década de 1980 através de uma apropriação epistemológica. Aqui, apesar de leituras marxianas clássicas como a de Gramsci, expressam-se leituras influenciadas pelo

16 De acordo com Iamamoto (2008), o messianismo privilegia uma prática individualista e voluntarista

de, transformação societária. Já o fatalismo implica uma prática fadada a atender somente o interesse do capital.

epistemologismo. Prova disso foi à elaboração do currículo para o curso de Serviço Social, o qual se pautou em três eixos: História, Teoria e Método. Essa apropriação epistemológica também se expressou no Código de Ética de 1986, o qual retrata o marxismo como um modelo que se aplica na prática.

Ainda na década de 1980 houve a necessidade de superar esses equívocos, Santos (2007) assinala esse momento como sendo o de apropriação ontológica da vertente crítico- dialético. Este salto pode ser visto no Código de Ética de 1993, na Lei que Regulamenta a profissão e nas Diretrizes Curriculares. “[...] a apreensão dessas mediações tem dois pressupostos basilares: a concepção da profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho capitalista e do seu objeto como sendo as diversas expressões da questão social no capitalismo dos monopólios” (Idem, ibidem, p. 79).

Nos anos 1980 do Movimento de Intenção de Ruptura do Serviço Social, a presença na sociedade dessa vanguarda marxista vai intimidar os conservadores dentro da profissão. Os conservadores não tinham coragem de assumir suas posições, assim, na hora que passavam a serem criticados, se recolhiam. O conservadorismo e o ecletismo então passam a fazer parte da profissão, formando o caldo cultural do Serviço Social (NETTO, 2011).

É no âmbito da adoção do marxismo como referência analítica que se torna hegemônica no Serviço Social a abordagem da profissão como componente da organização da sociedade inserida na dinâmica das relações sociais participando do processo de produção e reprodução das relações sociais (IAMAMOTO, 2009).

Vale salientar que a apropriação do marxismo vai se restringir a um pequeno grupo de profissionais ligado a produção de conhecimento. Desta forma, a relação teoria/prática tenderá a reproduzir a dicotomia e será terreno fértil para o conservadorismo e o ecletismo. E ainda, mesmo no interior desse grupo de teóricos, iremos encontrar interpretações diferenciadas sobre o marxismo, sendo assim, as manifestações da ofensiva pós-moderna aparecem em pelo menos duas vias:

[...] a primeira consiste na revitalização do conservadorismo por meio da absorção sincrética do irracionalismo pós- moderno. A segunda [...] aparece junto aos segmentos da vertente marxista que, na década de 1990, apresentam uma apropriação epistemológica desta teoria social (SANTOS, 2007, p. 85).

Sabe-se que a entrada do marxismo no Serviço Social se realizou num momento histórico específico. A efervescência política dos movimentos sociais na década de 1980 possibilitou a leitura do marxismo e este ganhou espaço dentro das produções teóricas das profissões como aconteceu com o Serviço Social. No entanto, sabemos que a aproximação desta profissão com o marxismo se deu de forma heterogênea, o que provocou muitos equívocos e questionamentos, superados na década de 1990, com o debate do Projeto Ético- Político Profissional, objeto de discussão do nosso próximo item.

2.4 PROJETO ÉTICO- POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL COMO UM ELEMENTO