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Serviços de educação, saúde, acolhimento e assistência social

4.3 Resultados

4.3.5 Como acontecem as violações em diferentes contextos?

4.3.5.5 Serviços de educação, saúde, acolhimento e assistência social

item são públicos. Notadamente o Serviço Único de Saúde (SUS), Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Centros de Atendimento de Assistência Social (CRAS) e Unidades de

Acolhimento Institucional (abrigos). Também há referências a escolas públicas de ensino médio e de ensino superior. Embora os dados disponíveis não permitam detalhar o perfil socioeconômico das vítimas, fica claro que elas se localizam nos estratos mais pobres da população. A maioria das violações teria ocorrido enquanto a vítima estudava ou procurava atendimento médico-hospitalar. Em seguida, por ordem decrescente de número de denúncias, estão as violações que teriam acontecido durante atendimento por órgãos de assistência social e, em menor número, estão aquelas praticadas contra menores de idade em Unidades de Acolhimento Institucional.

A reclamação mais recorrente diz respeito à não utilização do nome social por agentes públicos de educação, saúde e assistência social. Por um lado, as vítimas reportam grande constrangimento em serem tratadas publicamente em desacordo com sua autopercepção de gênero e, por outro, os suspeitos parecem bastante insensíveis a esse respeito. As denúncias contêm vários relatos que demonstram essa insensibilidade, como nos seguintes exemplos: uma servidora de um órgão municipal de assistência social recusou-se a tratar as vítimas pelo nome social alegando que “elas não eram operadas”; a vítima, ao renovar sua Carteira Nacional de Habilitação, foi surpreendida com perguntas como “tem pênis ou vagina”; o médico que não atendeu o pedido da vítima para chamá-la pelo nome social e agiu “como se o ocorrido não tivesse o menor significado”; a vítima cuja escola se negou a colocar seu nome social na lista de presença e a permitir o uso do banheiro feminino, causando constrangimentos que a fizeram desistir do curso.

A recusa em utilizar o nome social para referir-se a pessoas trans traduz um apego ao modelo binário de gênero que se verifica em variados contextos de violência, com destaque para as relações de consumo. Porém, quando essa recusa provém de agente público é ainda mais grave porque denuncia a inépcia (ou descaso) do Estado brasileiro em gerir os serviços prestados à população e em orientar/avaliar a atuação de seus servidores. Foram referidos casos em que o agente público, mesmo tendo experiência em atender cidadãs e cidadãos trans e com conhecimento das leis que regulamentam o uso do nome social, se recusaram a fazê-lo.

O uso de nome em desacordo com a autopercepção de gênero enseja, especialmente no ambiente escolar, a exposição da vítima ao ridículo. As escolas aparecem nas denúncias como ambientes hostis em que as vítimas são expostas a escárnio público, a agressões verbais

e a violência física. A violência na escola frequentemente se ampara na inação dos responsáveis, como no seguinte exemplo:

Os fatos ocorrem a três meses, diariamente . . . na rua e dentro da Escola Estadual [nome da escola omitido]. Nas agressões físicas são jogados pedaços de madeira e pedras em direção à vítima. . . . a diretora tem conhecimento da situação e não toma nenhuma providência . . . os pais não têm conhecimento dos fatos.

É importante destacar que em ambiente escolar, muitas vezes, as vítimas são crianças ou adolescentes e, nesses casos, a negligência dos responsáveis descumpre, cumulativamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A ação ou omissão de agentes públicos que deliberadamente desrespeitam o ECA prenunciam o que o futuro reserva aos jovens trans. O próprio Conselho Tutelar, instituído pelo Art. 131 do ECA – in verbis: “O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei” -, ao ser acionado por um grupo de adolescentes que teriam sofrido violência por parte de integrantes de uma igreja evangélica, informou que “não poderiam averiguar os fatos pois os adolescentes deveriam mesmo frequentar a igreja para que não tenha pecado e não seja tentado pelo demônio”.

As Unidades de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes, comumente chamadas de abrigos, também são espaços públicos de sofrimento para pessoas trans. As denúncias relatam que as jovens travestis e transexuais abrigadas são expostas continuamente e por períodos prolongados a violações de vários tipos. Os suspeitos são: outros abrigados, funcionários e “educadores”. Nesses espaços, além de escárnio, agressões verbais, violência física e negligência dos responsáveis, foram relatados casos de discriminação, como em: “A instituição [Unidade de Acolhimento Institucional] proíbe que a vítima deixe transparecer sua identidade de gênero, proibindo por exemplo que use roupas femininas. A vítima se encontra em estado de depressão”.

Também há casos em que os Centros de Atendimento de Assistência Social (CRAS), paradoxalmente, se negam a prestar assistência à população trans. Há denúncias em que os suspeitos são agentes públicos que não demonstram constrangimento algum em dizer que “viado não tem direito a nada”, negando-se a conceder uma cesta básica, ou ainda que “não arrumava emprego para travesti”, indicando um ponto de prostituição.

As denúncias que tratam de atendimento médico-hospitalar a pessoas trans revelam amplo desconhecimento dos profissionais de saúde envolvidos. Ao buscar por serviços médicos, algumas vítimas relatam que os médicos teriam dito, por exemplo: “eu não atendo esse tipo de coisa” ou que a vítima tomasse o remédio que quisesse, que se automedicasse. A negligência no atendimento médico-hospitalar chega a colocar em risco a própria vida das vítimas, como na denúncia em que uma transexual procurou a emergência de um hospital público e o suspeito teria afirmado “que não iria atendê-la, pois se está naquela situação foi ela mesma que procurou”. Mesmo quando o atendimento é prestado, nota-se o despreparo do setor em tratar da saúde das travestis e transexuais. A denúncia em que “[nome da vítima omitido], transexual . . . ficará 30 dias internada . . . e está num quarto destinado a homens, ocasionando constrangimento tanto à vítima quanto aos outros pacientes” exemplifica claramente essa situação.