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Em relação ao setor ambiental alguns aspectos merecem uma análise específica por conta de suas implicações: primeiro, a presença de duas agendas, uma científica e outra política; segundo, a existência de dois objetos referentes; terceiro, a multiplicidade de atores envolvidos; e por fim, a relação entre politização e securitização que o tema enseja. As duas agendas nas quais atuam os principais atores securitizadores, embora distintas, são interdependentes (Buzan et al., 1998, p. 71) e cada uma contribui na formação da outra, ainda que sejam construções sociais que se encontram em campos de interesse diferentes. A agenda científica, constituída por uma comunidade epistêmica geralmente vinculada às ciências naturais e a atividades não governamentais é dotada de autoridade para realizar avaliações confiáveis acerca dos potenciais riscos de um problema ecológico e dos argumentos que permeiam os debates. Ela é construída fora do núcleo político, a partir de questões apontadas pelos atores envolvidos, e dá suporte à agenda política e aos movimentos de securitização. Esse fato se deve à dificuldade de avaliar os efeitos cumulativos ambientais e a geração de ameaças futuras, sendo os cientistas os mais aptos a fazerem prognósticos nesse setor. Para Buzan et. al., (1998), as comunidades espistêmicas legitimam a agenda política a partir da agenda científica, compilando as informações para reduzir as incertezas dos cidadãos e Estados diante da complexidade do Sistema Internacional.

A partir das evidências fornecidas (causas, consequências e possíveis soluções) pela agenda científica, o tema poderá ser inserido na agenda política que, por sua vez, optará pela politização, securitização ou, ainda, dessecuritização. Pode-se afirmar que a agenda política forma na esfera pública preocupações acerca desses movimentos. Para Buzan et. al, (1998, p. 72). “[...] esta agenda é essencialmente governamental e intergovernamental e consiste no processo de decisões de políticas públicas que indica ou define como lidar com as preocupações ambientais”. Ainda segundo os autores, ela reflete os graus de politização e securitização na consciência pública e governamental de questões que se encontram na agenda científica; na aceitação da responsabilidade política de lidar com elas e nos problemas de gerenciamento político que surgem (problemas de cooperação internacional e institucionalização) (Buzan et.al., 1998, p. 72). A Figura 7 expõe as agendas do setor ambiental.

Figura 7 - As agendas do setor ambiental

Fonte: BUZAN et.al., 1998, p. 72

Outro aspecto ímpar do setor ambiental se refere à composição multifacetada do objeto referente, cujas faces se inter-relacionam e se condicionam mutuamente. O objeto de referência do setor ambiental está relacionado com a preservação da biosfera como um suporte sistêmico sobre o qual todas as atividades humanas se desenvolvem (BUZAN, 1997

apud BUZAN et al., 1998, p. 76). São, portanto, dois objetos referentes: o meio ambiente e a

Problema ambiental Agenda científica Agenda política securitização desecuritização politização

atividade humana, cujas interações levam frequentemente a divergências. O ser humano e suas atividades ao mesmo tempo em que são objetos a serem protegidos, representam uma potencial ameaça ao meio ambiente, já que o crescimento acelerado tanto da população quanto da economia mundial vem excedendo a capacidade do ecossistema, colocando em perigo a continuidade de sua existência. As mudanças climáticas captam claramente esse paradoxo, considerando que o modo de vida contemporâneo que causa o aquecimento global é também o objeto que precisa ser protegido através da transformação das estruturas globais. O dilema torna-se então inferir se as estruturas existentes devem ser mudadas voluntariamente ou se é preferível uma mudança imposta violentamente e de forma aleatória à medida que as crises ambientais se desenvolvem. O problema é ainda mais premente, porque a ação sobre a mudança climática exige ao mesmo tempo medidas de curto e longo prazo, na qual a lógica de prevenção e gestão prevalece. O debate sobre a securitização em relação a tal tema tem oscilado entre uma posição e outra.

A terceira particularidade do setor ambiental é a presença de uma multiplicidade de atores, contrariando o entendimento de Wæver (1995, p. 57) de que “segurança se articula apenas [...] pelas elites”. A Escola justifica esse aspecto alegando que a diversidade de agentes se deve ao fato de a securitização ambiental ainda ser uma inovação. Nos outros setores os movimentos de securitização foram sedimentados ao longo do tempo em tipos concretos de organizações, como os Estados e o Sistema das Nações Unidas. No entanto, esse não é o caso do meio ambiente, onde “ainda são indeterminados os tipos de estruturas políticas e as preocupações que irão gerar” (Buzan et al., 1998, p. 71). As tentativas de securitizar o ambiente são descritas como tendo um potencial de transformação, exigindo e incluindo novas instituições, o que contrasta com o caráter conservador dos outros setores. Buzan et. al. (1998, pp. 77-79) tipificam os agentes do setor ambiental, de acordo com sua atuação e percepção quanto às ameaças. Existem os atores líderes ou condutores (lead actors), atores de veto ou oposição (veto actors) e e atores de apoio (support actors).

Atores líderes ou condutores têm um forte compromissso com as ações internacionais voltadas para a proteção do meio ambiente e conduzem as ações internacionais específicas (PORTER & BROWN, 1991 apud BUZAN et al., 1998, p. 77). Esses atores podem ser os Estados, mas não necessariamente, às vezes se manifestam sob a forma de ONG’s e comunidades epistêmicas ambientais globais.

Eles [os atores condutores] levantam conhecimento sobre determinada questão financiando pesquisas e informando a opinião pública em Estados alvo (mobilizando a agenda científica). Para esse propósito, eles podem fazer uso de comunidades epistêmicas ambientalistas para apoiar sua posição no exterior. Esses atores podem tomar ações unilaterais (de condução, por exemplo), ou eles podem usar diplomacia para adicionar a questão à agenda de organizações internacionais, ou para isolar atores de veto (PORTER & BROWN apud BUZAN et al., 1998, p. 77).

Embora a maioria das ações dos condutores seja dirigida para a esfera da politização, são eles os responsáveis pelos atos de securitização no setor ambiental. Geralmente são apoiados pelos atores de suporte que, embora afetados pelos efeitos das mudanças ambientais, não dispõem de recursos para liderar e conduzir ações no Sistema Internacional, ou seja “ainda não acumularam uma constelação de poder global” (Idem, p.78). Em outros termos, a questão central na qual se concentram ainda não se tornou um dispositivo consciente para a sociedade como um todo.

Os atores de veto ou oposição são aqueles que se movimentam tanto no âmbito político quanto no de segurança, mas que não conseguem enxergar como útil as ações dos agentes securitizadores dentro de um determinado setor (Idem, 77). São essencialmente atores dessecuritizadores, podendo ser o Estado, empresas, lobistas que tentam desviar as questões ambientais das agendas políticas e de segurança. Esses atores precisam atentar para a agenda científica e fazer uso de seu potencial tecnológico, pois através de tais meios, eles construirão o discurso51 que pode levá-los a lograr êxito. Tanto os atores condutores quanto os de veto são determinados por fatores estratégicos, agem de forma a evitar prejuízos em relação aos seus interesses no setor. A Suécia e a Noruega, por exemplo, podem ser considerados atores condutores no que diz respeito a ações relativas a chuvas ácidas, uma vez que são extremamente prejudicadas por elas, outro exemplo é o agronegócio brasileiro que age contra a inserção do problema do desmatamento da Floresta Amazônica nas agendas política e de segurança do país (VIEIRA, 2006, pp. 34-35).

Como atores funcionais do setor ambiental, podem ser citados os atores econômicos, que exploram o meio ambiente no exercício de suas atividades; ou governos e suas agências, que desenvolvem atividades agressoras ao meio ambiente com suas empresas estatais (mineradoras e petroleiras). No último caso, o ator funcional desempenha um papel ambíguo, já que os governos também são responsáveis por estabelecer regras ambientais para os demais

51 Para a Escola de Copenhague, tanto a securitização como a dessecuritização são concretizadas a partir do

setores, inclusive o econômico, e por institucionalizar a segurança ambiental, através de órgãos e regimes. Pode ser também aquele ator que influencia a dinâmica do sistema de forma positiva como as organizações não governamentais e entidades financeiras que subsidiam projetos de desenvolvimento sustentável.

A quarta peculiaridade do setor ambiental se refere ao fato de muitos movimentos de securitização resultarem em politização, aspecto problemático para a Escola, que argumenta que “transcender um problema de segurança politizando o mesmo, não pode acontecer através do enquadramento nos termos de segurança, apenas longe de tais termos” (WÆVER, 1995, p. 56). Para a Copenhague, uma vez que o antagonismo amigo-inimigo foi inscrito num contexto, é difícil retornar a um debate aberto. Não obstante, as politizações de várias questões ambientais que se seguiram ao apelo de segurança, “securitizações falhas”, parecem reforçar o argumento sugerido por Edkins de que há uma tendência para politizar através da securitização (EDKINS, 1999 apud TROMBETTA, 2008, p. 11). Tal fato, ratifica a assunção de que a securitização no setor ambiental assume uma forma própria, diferente da securitização dos demais setores. O Quadro 8 resume os aspectos que envolvem o setor ambiental.

Quadro 8 - O setor ambiental, segundo Buzan et al., 1998.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Buzan et al. 1998.

SETOR AMBIENTAL

Agendas Política Científica

Atores

Atores condutores (securitizadores) Estados, Instituições, comunidades epistêmicas (Haas, 1990) Atores de veto. Estados, empresas, lobistas, etc. Atores de suporte. Atores afetados pelos efeitos das mudanças ambientais. Atores funcionais. ONGs, atores do setor econômico,etc.

Objeto(s) referente(s) Atividades humanas. Meio ambiente (planeta, biosfera, etc.). Ameaças Naturais, não resultantes da atividade humana. Originadas das atividades humanas. Meios para conter as