• Nenhum resultado encontrado

ENFRENTAMENTO, RESSIGNIFICAÇÕES.

3.3 Seu Alípio: agricultor experimentador

Um dos participantes do grupo estratégico foi seu Alípio. Ele desenvolve de forma muito criativa e experimentadora os sistemas deles. Certa vez seu Alípio recebeu umas manivas de um pessoal que estava prestando assistência técnica ao quilombo, isso por volta de 2008 a 2009, ele teve um cuidado de escolher uma área apropriada para o plantio da mandioca e plantar as manivas. Logo após o tempo de desenvolvimento, ele fez colheita, em seguida o processo para obtenção da farinha.

O que chamou atenção é que nessa época a equipe já não estava mais assistindo a comunidade pois o projeto havia encerrado. Na época, eu cursava agronomia e acompanhava a equipe, então, ele fez questão de me chamar e fazer o relato de como aquela variedade se desempenhou e sobretudo a qualidade da farinha extraída da mesma. Além de tudo isso, ele me entregou alguns quilos da farinha para que pudesse entregar a técnica que o tinha passado a maniva. Nesse processo todo,

ele chegou à conclusão de que aquela maniva não era tão adequada para a fabricação de farinha.

Contar esse fato foi para posicionar seu Alípio na pesquisa como um agricultor

experimentador.

As visitas realizadas com seu Alípio, teve como finalidade compreender como seu Alípio organiza as estratégias para produzir em seus diversos espaços. Além de conseguir manter um quintal muito produtivo, seu Alípio também planta na roça da caatinga e na vazante. Perceba que ele consegue se organizar de forma que de acordo as mudanças que ocorrem ele possa restabelecer seus fazeres agrícolas em seus diversos moldes.

Ele mostrou como vai conseguindo manejar água para conseguir manter uma pequena irrigação. Conta que já abriu juntamente com o grupo familiar dois poços artesianos. Mas um a vazão não é boa e o outro ainda não foi instalado a energia elétrica para que possa funcionar. Ele diz que tem consciência de que não pode utilizar água do poço público que abastece o quilombo para irrigar planta. Sendo ele busca meios próprios, juntamente com seus familiares no intuito de cultivar o ano todo. No quintal de seu Alípio, próxima à sua casa, encontra – se uma diversidade de plantios. Desde frutíferas, pastagem a criação de pequenos animais. Seu Alípio estrategicamente planta Capim elefante, mais conhecido como anapier, para conseguir alimentar o gado na época mais seca. O capim fica ao lado do plantio de mandioca. Na verdade, é uma área que ele separou no quintal de casa. Ele utiliza a pouca água alternando através do sistema de irrigação para diversas culturas.

Mesmo com tantas criticas feita aos pacotes tecnológicos, é possível perceber que as comunidades conseguem aproveita-los de forma ressignificativa. Isso evidencia a capacidade e dinâmica de inovação por parte dos agricultores e agricultoras. Mas para além desses apontamentos, também é possível observar a grade produção de conhecimento proveniente desse processo de ressignificação construída por um povo .

Figura 31: Se Alípio mostrado a diversidade de seu quintal.

Valéria Pôrto (2019)

especificadamente lamentou muito. Pois em uma área depois de seu quintal, ele plantou um milho, confiante no desenvolvimento desse cultivo a partir da água das chuvas, mas ele relatou que a chuva chegou um pouco tardia e o milho não vingou. Assim como também relatou sobre a roça da caatinga, no qual mostrarei mais à frente.

Os sistemas existentes no quilombo as vezes se confluem, trazendo para as famílias inúmeras possibilidades de sustento. No quintal de seu Alípio ele mostra com muito entusiasmo tudo que ele cultiva. A mandioca e suas variedades se adaptam aos cuidados desenvolvidos por ele. O feijão catador está sendo irrigado por um sistema de gotejo montado por ele mesmo e assim segue fazendo o mesmo com a mandioca. O capim elefante, conhecido como Anapier, como mencionado anteriormente é para ajudar na alimentação animal no período mais crítico. Podemos pontuar essas ações como estratégias.

Figura 32: plantio de mandioca de seu Alípio no quintal.

Silene (Março/ 2019)

Sendo o agricultor que é, conta com pesar a perca do milho. Mas por outro lado ele se alegra pelo o que consegue manter seu sistema de quintal e como tudo que é produzido contribuiu diretamente para a sustentabilidade dele, dos filhos e netos. Esse

senhor possui uma família grande dentro do território, na qual é muito conhecida sobretudo por esse perfil de agricultor familiar.

Ele falou de forma enfática sobre a casa de farinha e sua utilidade dentro do quilombo. A casa já existe há mais de 30 anos. Porém, tem ficado parada, pois não existe mais a mesma demanda de fabricação de farinha de antes. Ele lamenta e conta que o tempo mudou. Não é possível produzir com as mesmas condições de antes. Ele conta que antes as chuvas eram regulares e que era possível plantar e aguardar pela colheita. Assim como o próprio o custo de produção era praticamente zero. Hoje, de uma forma ou de outra já se utiliza alguns insumos externos, por exemplo, a irrigação.

Logo após esse momento em seu quintal, seguimos para uma roça localizada depois da estrada principal que corta o quilombo, dividindo as casas da beira da lagoa das casas da beira da caatinga. Para ele, o milho e o feijão plantados na época chuvosa, não teve uma produção satisfatória. Segundo ele, faltou chuva no período correto. Mas mesmo assim foi possível encontrar algumas vagens de feijão, coquinhos de melancia (melancia pequena). E muito maxixe espalhado pela roça.

Mesmo seu Alípio já estando com seus 74 anos, ele conta de como ainda se encanta com a agricultura local. Se mostra aberto aos novos processos de ressignificação a partir de novos conhecimentos e adaptações viáveis introduzidas com inovação tecnológica social.

É muito instigante ver as roças quilombolas e perceber que processo indutivos ou impositivos dos grandes pacotes tecnológicos, não afetou os nossos modelos de roças tradicionais diversificadas. As roças são todas consorciadas, ou seja, dificilmente se implantaria um modelo monocultor, de apenas uma cultura prevalecer, como geradora de renda e sustento familiar. Esse dia mostrado nas imagens foi um momento rico e prazeroso da pesquisa, pois pude compreender num grau mais elevado o papel enquanto pesquisadora de meu povo. E essas evidências devem chegar através de nossos escritos e nossas falas nos espaços acadêmicos reforçando

assim o chamado de o estado que se comprometa em executar políticas públicas direcionadas ao agricultor (a) tradicional.

Figura 33: Percurso comentado e colheita.

Valéria Pôrto (Março/2019)