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CAPÍTULO 4: EXPERIMENTAÇÕES DA SEXUALIDADE: PREVENÇÃO E

4.1. Sexualidades: alguns apontamentos

Para compreender o universo que permeia as ideias dos jovens interlocutores deste trabalho e suas experimentações no âmbito da homossexualidade, é preciso também trazer alguns apontamentos sobre sexualidade.

Não pretendo fazer aqui uma analogia sobre sociologia e sexualidade e nem traçar o histórico tão complexo do pensamento social sobre o sexo, mas apenas contextualizar a sexualidade como experiência sócio-cultural. E, a partir daí, buscar entender as percepções desses indivíduos sobre suas práticas e abordagens como jovens e gays vivenciando conflitos, desejos e valores de forma diversa, porém compartilhando com certos grupos, códigos, escolhas, sentimentos de pertença e experiências em comum.

Para entender todas essas questões, acredito ser importante compreender as dinâmicas da sexualidade, pensadas como constituição histórica relacionada às questões sociais e políticas, “aprendida” de muitos modos por todos os sujeitos (LOURO, 2001).

A sexualidade é entendida aqui como construída de formas diversas através das culturas e do tempo, confrontando as noções essencialistas sobre o tema,

compreendendo que os atos sexuais são entendidos como uma ação orientada por sentidos subjetivos e significados sociais variados, dependendo do contexto cultural onde ocorrem .

Dessa forma, o comportamento sexual, como indica Parker (2000), pode ser visto como intencional, mas essa intencionalidade é conformada no âmbito de contextos específicos de interações sociais culturalmente estruturadas. E como construção social:

[...] a sexualidade humana implica, de maneira inevitável, a coordenação de uma atividade com uma atividade corporal, aprendidas ambas através da cultura. [...] Construída socialmente pelo contexto cultural em que está inscrita, essa sexualidade extrai sua importância política daquilo que contribui, em retorno para estruturar as relações culturais das quais depende na medida em que as “incorpora” e as representa (BOZON, 2004, p. 14).

E ao pensar nos processos de construção da sexualidade, não podemos deixar de contextualizar as questões de gênero, pois na maioria das sociedades e suas culturas a sexualidade se produziu num processo binário identificando as designações do ser homem e ser mulher, no qual a produção dos roteiros sexuais se daria a partir dessa compreensão (GAGNON, 2006).

Nesse sentido, foram se configurando o entendimento e o aprendizado sobre como vivenciar a sexualidade a partir dos referenciais femininos e masculinos. E, como explica Foucault (2007) nos últimos três séculos, nosso aprendizado sobre os relacionamentos sexuais passou a ser direcionado principalmente pela Igreja Católica, pelas Instituições de ensino e pela família, que configuraram os ditos discursos sobre o sexo e a necessidade de falar sobre como se vivencia a sexualidade, o que possibilitou a configuração de normas a serem seguidas para esse aprendizado, de modo que as atitudes fora dos preceitos considerados ideais dentro do padrão ético e cristão, ou seja, a experimentação sexual para a reprodução e com normas bem definidas, eram consideradas “anômicas”.

A vivência da sexualidade diz muito sobre nós mesmo, nossos corpos e nossa cultura. Como sabemos, as idealizações sobre “como se deve” viver sexualmente mudam com o tempo e com as transformações sociais. A fixidez dos construtos sobre masculinidade e feminilidade é entendida como algo cambiante

diversas expressões da sexualidade não como normas, mas como experimentações

e possibilidades inerentes aos desejos e aos contextos sociais em que se realizam. Desse modo, pode-se construir um conhecimento sobre sexualidade

buscando interpretá-la como tem se configurado, a partir de um recorte contextual e de um determinado grupo, para então compreender a vivência atual, mas que carrega consigo um aprendizado secular das normas, valores e crenças que foram construídas ao longo da história. Sobre como aprendemos a nos relacionar sexualmente e como projetamos nossa realidade nesse processo.

Um exemplo atual sobre os contextos de mudança nos comportamentos sexuais é o pensar a sexualidade em tempos de Aids, levando em conta que mudamos a forma como entendemos o sexo e aprendemos novos códigos para vivenciar o prazer, alterando práticas antes consolidadas e produzido novas forma de relacionamento (LOURO, 2001).

Ao pensar na sexualidade, tratando-se de juventudes, deve-se considerar também que se trata de um período em que as experimentações sexuais estão relacionadas às construções identificatórias. As possibilidades dessas configurações estão associadas ao modo como esses jovens se percebem e percebem o mundo à sua volta, como explica Figueiredo (2006, p. 9):

Reconhecer a sexualidade como construção social assemelha-se a dizer que as práticas e desejos são construídos culturalmente, dependendo das diversidades dos povos, concepções de mundo e costumes existentes.

Tomando como referencial essa abordagem sociológica da sexualidade como aprendida socialmente e compartilhada a partir de diferentes realidades, acredito que possamos pensá-la como “Culturas sexuais”, de modo a estender suas possibilidades de acordo com as experiências trazidas pelos jovens em suas narrativas. Algumas apontam para os desafios do exercício da sexualidade tendo que considerar a experiência da homossexualidade; já em outras, há possibilidades de recriar mecanismo de vivenciar essas questões driblando as interdições das normas do sexualmente ”aceitável” reinventando o prazer:

Eu me sinto homem, eu sou heterossexual, eu tenho namorada, mas eu gosto sim de transar com homens, eu vejo um cara, eu tenho tesão nele naquela hora, mas não posso ficar com ele, mesmo que ele saque e que ele também está de olho em mim, mas eu não posso porque as pessoas são muito preconceituosas, ninguém aceita que você tenha uma mulher mas pode ficar com um cara também. Isso me deixa confuso, eu fico mal porque eu não tenho direito de ser quem eu quero, eu tenho que ser o que a sociedade quer. Que doido isso né, como nós vivemos assim e achamos que é normal? (C., 23 anos).

Eu não sinto uma necessidade de ter uma estrutura fechada, eu entendo que é necessário eu apresentar algumas questões que dizem respeito a minha sexualidade e aí eu acho que é momentâneo. Apesar de ser, de existir uma constante, eu fico com um número bem maior de meninos do que meninas, mas eu acho que no momento que eu estiver com vontade de beijar, de estar com uma menina eu posso estar com uma menina e nem por isso necessariamente eu tenho que me reconhecer como bissexual ou tenho que dizer que eu sou gay porque fico com a maioria de meninos eu sou gay. (P., 19 anos).

Para mim, sou totalmente hetero. Apenas tenho esse lado meu que gosto de transar com homens. Eu gosto disso. Eu gosto só do sexo. (F., 22 anos).

Não, gostar não, eu gosto assim de [pausa/silêncio] está entendendo? É pronto eu gosto de fazer sexo. Mas eu acho que todos nós gostamos de fazer sexo [...]eu vou para uma festa hetero[sexual] eu vejo uma menina às vezes atrai sabe?, “ô menina bonita” dá vontade de beijar, mas o desejo que eu tenho pelo homem é mais forte com certeza do que por uma mulher (E., 27 anos).

Diante dessas e muitas outras falas nas quais esses jovens dialogam com suas identificações e experiências sexuais, aparecem os conflitos de ter que acionar certas “explicações” para o que sentem. E nesse dilema da aceitação ou recusa (POLLAK, 1990), a vivência da homossexualidade vai costurado a produção de subjetividade desses sujeitos e, como diz Foucault (2007), vinculando o que somos a uma verdade sexual inapelável.

É preciso considerar que as falas desses sujeitos, mesmo trazendo os dilemas quanto aos usos que fazem do corpo, o modo como sentem prazer e como interpretam a si mesmos, remetem à possibilidade das experimentações sexuais sem ter necessariamente que optar pela busca de alguma “conformação regulatória” para suas vivências. A sexualidade é exercitada na medida dos desejos e possibilidades que eles constroem sobre si e suas experiências.

muitas vezes socialmente acionadas devido a uma implicação das normas da heteronormatividade e todo um processo de questionamentos e receios sobre sexo, desejo e orientação sexual, ainda sim se permitem buscar o prazer com quem quiserem.

Nesse sentido, entendo que eles não estão vivendo a sexualidade como meros receptores, atingidos por instâncias externas e manipulados por estratégias alheias. Pelo contrário, eles estão bricolando entendimentos de si e resignificando as práticas sexuais como desejam (WEEKS, 2001, p. 25).

Para conduzir melhor estas reflexões, trago para o texto as narrativas dos jovens sobre suas experiências sexuais, buscando interpretar com eles como essas experiências estão se relacionando com a possibilidade do sexo seguro.

Intento construir com eles os roteiros sexuais, os quais devem ser entendidos como “um modo de refletir sobre sexualidade” (GAGNON, 2006, p. 14), considerando que as condutas sexuais podem seguir certos roteiros que estão:

Implicados na aprendizagem do significado dos estados internos, na organização das seqüências de atos especificamente sexuais, na decodificação das situações novas, no estabelecimento de limites para as respostas sexuais e na vinculação de sentidos provenientes de aspectos não sexuais da vida à experiência especificamente sexual (GAGNON, 2006, p.219).

A proposta de Gagnon traz subsídios para construir uma interpretação das ações sexuais, tomando como hipótese a ideia de que o roteiro oferece uma orientação para uma situação sexual ou potencialmente sexual. Essa, explica o autor, não ocorre isoladamente, trata-se de uma partilha de códigos socialmente identificados “que permite que dois ou mais atores participem de um ato complexo que envolva a dependência mutua” (p.220).

A partir dessa orientação, fui tecendo com meus interlocutores um diálogo sobre as experiências do cotidiano. Tentei seguir essa proposta tanto nas entrevistas quando nos grupos focais, íamos conversando sobre os lugares onde moram, onde costumam ir, com quem vão, o que geralmente gostam de fazer e o que buscam nesses locais, para então começarem a narrar algumas experiências sexuais, quem são seus parceiros, como e onde costumam se relacionar, entre outros questionamentos.

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