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SIGILO FISCAL

No documento 5851 (páginas 34-39)

Essa restrição ao direito fundamental à privacidade que dá origem ao sigilo fiscal encontra previsão no artigo 3º, inciso II, da Lei nº 9.964/2000, o qual sujeita o contribuinte a autori- zar acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, às in- formações relativas à sua movimentação financeira, ocorrida a partir da data de opção do parcelamento.

Trata-se de uma limitação temporária do direito, durante o período de parcelamento, à qual corresponde uma ampliação do poder estatal no controle e na fiscalização do parcelamento. A restrição tem a ver com direito eminentemente relativo, que a fim de que o Estado possa ter maior controle e fiscalização, com acompanhamento fiscal específico. Dessa forma, na linha da jurisprudência pacífica sobre o tema35, considero que pode a lei condicionar a adesão ao programa ao acesso à movimenta- ção financeira do contribuinte, desde que por tempo limitado

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“Não prospera a alegação de que a legislação do REFIS viola o direito constituci- onal à privacidade, porquanto teria determinado a quebra do sigilo bancário dos optantes, pois é certo que o sigilo bancário não é um direito absoluto, mas sim um direito disponível, razão porque pode a lei condicionar a adesão ao programa à liberdade de acesso à movimentação financeira do contribuinte. Confira-se: AMS 200034000465885, Rel. Juiz Federal Cleberson José Rocha (conv.), 8ª Turma do T.R.F. da 1ª Região, DJ de 14/01/2011." (TRF 1ª Região, AMS 200134000037372, Relator Juiz Federal André Prado de Vasconcelos, 6ª Turma Suplementar, e-DJF1 de 20/07/2011).

ao do parcelamento e apenas no que tiver correlação com a fiscalização da solvência do interessado. Logo, não pode fazê- lo para simplesmente bisbilhotar a vida financeira do contribu- inte, nem pode repassar os dados a outros órgãos estatais ou privados.

CONCLUSÃO

A renúncia a direitos fundamentais deve ser, prima facie, admitida. A evolução da liberdade no Estado de Direito impõe o respeito às escolhas do indivíduo, na autodeterminação de seu plano de vida e no desenvolvimento de sua personalidade, como destinatário da proteção e da efetividade dos direitos fundamentais, em contraposição a uma postura estatal pura- mente paternalista e excessivamente intervencionista.

Nos parcelamentos fiscais, concessões exigidas do con- tribuinte constituem situações claras de renúncia, num quadro de compromisso bilateral com o Estado. A declaração de von- tade expressa no regime de parcelamento para confessar a dívi- da, desistir de ação judicial, renunciar ao direito nela invocado e abrir mão de sigilo fiscal resulta em enfraquecimento da pro- teção de direito fundamental do contribuinte, de forma pontual e temporária, correspondente a uma ampliação da margem de atuação da entidade pública.

A decisão sobre a validade dessas renúncias exige um processo de ponderação de princípios que permite orientar uma solução racional, com ensejo, é verdade, a diversos resultados, a partir da interpretação que se atribui a enunciados constituci- onais abertos. Há limites que não podem ser ultrapassados e outros cuja superação deve sopesar os fins estatais e o nível de sacrifício ao direito.

No caso do parcelamento, interessam principalmente os limites do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, das regras constitucionais, da segurança jurídica e da prevenção a

desequilíbrio da concorrência, bem como a ponderação con- forme o princípio da proporcionalidade.

Em relação à confissão, a manifestação de vontade do contribuinte não tem qualquer influência na formação e consti- tuição do crédito tributário. Logo, ao confessar um crédito que, por qualquer motivo, sofra de ilegalidade ou de inconstitucio- nalidade, nada impede que o interessado promova sua impug- nação administrativa ou judicial, na medida em que o ato con- fessional não tem poder para suprir um vício de formação ou ressuscitar o crédito extinto por qualquer razão, como, por exemplo, pela prescrição.

Dessa forma, é possível discutir os aspectos jurídicos do tributo objeto de confissão, como a constitucionalidade da norma instituidora do tributo, mas não os fáticos, ressalvada a verificação do valor exato da dívida.

No tocante à desistência da ação judicial e à renúncia ao direito nela questionado, somente operam efeitos no plano pro- cessual após a declaração expressa do litigante interessado, por meio de advogado investido de poderes próprios, razão pela qual não decorrem automática ou tacitamente da adesão ao parcelamento.

Para compatibilizar essa restrição com a Constituição Fe- deral, é preciso submetê-la ao princípio da proporcionalidade.

Na fase de adequação, a restrição em causa mostra sua aptidão na busca da realização de parcelamentos que benefici- em o maior número possível de contribuintes, na medida em que contribui sensivelmente para evitar a sonegação e a ina- dimplência, bem como a insegurança jurídica e o desequilíbrio na concorrência entre os agentes econômicos.

Na fase da necessidade, não haveria outra medida de se- melhante eficácia, que confira estabilidade à contratação do parcelamento como um ato jurídico transacional, de concessões mútuas, especialmente naqueles regimes de parcelamento os quais chamamos de excepcionais, por conferirem maiores van-

tagens ao contribuinte, com diminuição ou perdão de multas e outras remissões.

Na fase da proporcionalidade em sentido estrito, o fim perseguido pelo Estado e maneira de implementá-lo são guar- dam uma relação de proporção razoável e apropriada às restri- ções na esfera jurídica do contribuinte, contanto que se respeite o direito do contribuinte de impugnar o débito e, assim, não incluí-lo no parcelamento, sem prejuízo de inserir outros que não pretenda discutir.

Portanto, é possível concluir que as gravosas renúncias ao direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário como condição ao parcelamento justificam-se nas hipóteses em que os parcelamentos excepcionais, de adesão limitada no tempo, confiram maiores vantagens aos contribuintes, de modo a auto- rizar a ampliação da atuação estatal para organizar de forma sistemática as adesões e os tributos incluídos, sem a inconveni- ente concomitância de ações judiciais, desde que se resguarde ao interessado a faculdade de escolher ou não inserir no parce- lamento o débito objeto de ação judicial.

Outrossim, no caso de posterior revogação do parcela- mento ou exclusão do contribuinte, considerando, de um lado, os efeitos definitivos gerados pelas renúncias e, de outro, o princípio de que a revogabilidade deve nortear a renúncia a direito fundamental, mostra-se adequada a solução segundo a qual o contribuinte retoma a capacidade jurídica de impugnar o débito que confessara, mesmo que tenha desistido ou renuncia- do ao direito em que se fundava a ação, ressalvando, entretan- to, a impossibilidade de suscitar a matéria fática confessada e as questões inseridas nos efeitos da coisa julgada em relação à sentença que apreciou fictamente o mérito pelo artigo 269, in- ciso V, do Código de Processo Civil.

Por fim, no tocante à sujeição do contribuinte a autorizar acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, às infor- mações relativas à sua movimentação financeira, ocorrida a

partir da data de opção do parcelamento, trata-se de uma limi- tação temporária do direito eminentemente relativo, que a fim de que o Estado possa ter maior controle e fiscalização, com acompanhamento fiscal específico. Considero que pode a lei impor a condição, desde que por tempo limitado ao do parce- lamento e apenas no que tiver correlação com a fiscalização da solvência do interessado.

REFERÊNCIAS

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MCCRORIE, Benedita, “O paternalismo estadual e a legitimi- dade da defesa da pessoa contra si própria”, in Responsa- bilidade e Cidadania, Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga: Edição Departamento de Ciências Ju- rídicas Públicas, 2012, p. 91-101.

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SILVA, José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional posi- tivo”. São Paulo: Malheiros, 1999.

SILVA, Virgílio Afonso da. “A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares”. São Paulo, 2004. Tese de Livre Docência em Direito – Universidade de São Paulo.

No documento 5851 (páginas 34-39)

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