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SIGMUND FREUD E AS IDEIAS SOBRE A SEXUALIDADE NA PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE

Sigmund Freud, médico austríaco interessado em estudos neurológicos, nasceu na região da Moravia, atual República Tcheca, mas mudou-se ainda jovem para Viena, onde cursou a faculdade de medicina e desenvolveu suas pesquisas na área da neurofisiologia e posteriormente sobre a psicanálise.

Em sua obra, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, publicada em 1905 Freud trata da questão dos desvios da sexualidade, que segundo este autor, seriam de dois tipos: os desvios do objeto e os desvios do objetivo. Os primeiros estariam relacionados à escolha do/a parceiro/a, sendo a escolha heterossexual a norma e a homossexual o desvio, a inversão, como nomeia o próprio Freud (1973). Os desvios do objetivo estariam relacionados às formas de obtenção de satisfação sexual. Esta, só seria alcançada plenamente através da relação sexual genital, considerando-se assim, todas as outras formas como etapas preliminares ou preparatórias, mas nunca o objetivo em si.

Segundo Freud (1973):

Considera-se objetivo sexual normal a união dos órgãos genitais no ato conhecido como cópula, que conduz ao alívio da tensão sexual e a uma extinção temporária do instinto sexual – satisfação análoga ao saciar a fome. [...] As perversões são atividades sexuais que ou (a) se estendem, num sentido anatômico, além das regiões do corpo que se destinam à união sexual ou (b) demoram-se nas relações imediatas com o objeto sexual, que devem normalmente ser atravessadas rapidamente no caminho em direção ao sexo final (p.40-41).

No trecho acima, o autor deixa claro que o sexo que considera normal está vinculado apenas aos órgãos genitais e que qualquer prolongamento ou substituição dessas regiões anatômicas é considerado como perversão. Podemos notar que essa ideia de sexualidade está fortemente vinculada com a reprodução biológica como objetivo da relação sexual. O sexo é visto como algo instintivo, como a fome, a sede e outras necessidades fisiológicas do ser humano. A função sexual é parte da

estrutura fisiológica do corpo humano, portanto, os desvios do objeto, ou seja, a escolha de uma pessoa do mesmo sexo como objeto de desejo constituía uma anormalidade visto que o objetivo da função sexual seria a reprodução biológica, o que não seria possível entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, as práticas sexuais não reprodutivas (como sexo oral, sexo anal, masturbação) são consideradas apenas como preliminares ou mesmo como perversões.

É interessante notar a permanência destas concepções na contemporaneidade, quando a ideia de relação sexual ainda esta fortemente vinculada à penetração vaginal e as outras formas são vistas como relações incompletas ou mesmo anormais.

Freud também utiliza conceitos da biologia para explicar comportamentos sexuais considerados perversos tais como o sadismo:

No que diz respeito à algolagnia ativa, o sadismo, as raízes são fáceis de reconhecer no normal. A sexualidade da maioria dos seres humanos masculinos contém um elemento de agressividade – um desejo de subjugar; sua importância biológica parece situar-se na necessidade de vencer a resistência do objeto sexual por meios diversos do processo de galanteio Assim, o sadismo corresponderia a um comportamento agressivo que se tornou independente e exagerado e, por deslocamento, usurpou a posição de liderança (FREUD, 1973 p. 49-50).

É possível perceber no trecho acima, que Freud estabelece um diálogo com as ideia de Darwin a respeito dos caracteres sexuais secundários masculinos que estão relacionados à agressividade nos comportamento de conquista da fêmea para alcançar o intento principal, do ponto de vista biológico, que seria a reprodução e com isso a produção de descendentes. Esse objetivo é considerado importante tanto do ponto de vista individual, visto que aquele indivíduo pode perpetuar suas características, quanto do ponto de vista da espécie que pode se manter, sendo bem sucedida na competição com outras espécies no ambiente.

Em relação à sua proposta sobre as etapas de desenvolvimento da sexualidade, Freud também toma como referência a biologia, visto que analisa a constituição da sexualidade em paralelo com etapas do desenvolvimento infantil. A tese de Freud é que a origem das perversões, neuroses ou do desenvolvimento de uma sexualidade normal está na infância. Para tanto, volta suas pesquisas para a

sexualidade infantil com o objetivo de descrever suas características em diferentes etapas a fim de estabelecer um padrão útil para a análise da sexualidade adulta.

Um dos grandes divulgadores da obra de Freud no Brasil, o médico Antônio Austregésilo, destaca que “Segundo a idade, a sexualidade apresenta estados evolutivos diferentes” (AUSTREGÉSILO, 1934 p.18, grifo nosso), apontando para as etapas da sexualidade infantil associadas a um processo de evolução ontogenética. O mesmo autor também compara aspectos da sexualidade infantil humana com espécies próximas buscando estabelecer aspectos de uma filogênese.

As obras e autores apresentados neste capítulo constituíram o contexto histórico e social no qual emergiu o campo da Educação Sexual no Brasil. Na emergência desse campo foram construídas práticas discursivas, que produziram regimes de verdade (FOUCAULT, 2012) fundamentados na produção biomédica europeia em circulação no Brasil. Assim como se acumulou um importante capital cultural e simbólico que corroborou para estruturar o campo da Educação Sexual no Brasil como um campo científico2. Desta forma pode-se traçar um certo panorama das ideias que fundamentaram as primeiras produções sobre Educação Sexual na Bahia captando seus enunciados e as relações desses com a produção acadêmica deste campo intelectual mais amplo representado pelos autores e obras discutidos neste capítulo.

1.4. IDEIAS EM CIRCULAÇÃO NA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA