• Nenhum resultado encontrado

6.10 Percepção de saúde bucal

6.10.1 Significado de saúde bucal

Acesso a uma prótese total de boa qualidade

Para alguns indivíduos entrevistados ter saúde bucal significa ter uma prótese de boa qualidade, pois consideraram que o problema estético estava resolvido já que a usavam:

“É assim ter uma dentadura...ser bem arrumada, bem cuidada, esse negócio”. (sexo masculino)

“Agora, ter saúde da boca eu não sei...acho que tem que ter uma dentadura, porque sem dentadura não é bonito, não”. (sexo feminino)

“Parar de comer as coisas que faz mal e se a gente puder colocar uma dentadura pra ficar mais melhor, pra não atrapalhar a gente conversar, eu acho que é muito importante”. (sexo feminino)

“Pra mim ter saúde da boca é ter uma boa alimentação e uma dentadura bem limpa, bem escovada”. (sexo masculino)

Segundo Silva (1999), pode haver uma tendência do indivíduo em minimizar os problemas protéticos, se sua aparência é satisfatória e a prótese não está quebrada. O uso da prótese visa à superação de uma falha no rosto. Busca-se a prótese como um recurso de retorno à imagem que se queria continuar tendo e que é exigida por uma sociedade impregnada da ideologia, que valoriza, basicamente, as possibilidades produtivas do sujeito e sua conformidade a um determinado padrão estético. A reconstrução da aparência estética por meio da prótese resolverá o problema emocional, que havia se criado, desde que atenda às expectativas do indivíduo.

De acordo com Wolf (1998), algumas vezes busca-se, dramaticamente, na prótese, o retorno à juventude da face. A reposição de dentes por meio de prótese visa a um retorno à aparência anterior, demonstrando que a preocupação com a estética é maior do que com a função dos dentes.

Não ter mau hálito

Verificou-se que, entre os idosos entrevistados, alguns consideraram que saúde bucal é não ter mau hálito:

“É não ter mau cheiro na boca”.(sexo masculino)

“É uma maravilha, para poder conversar e não ter mau hálito”.(sexo masculino)

“É uma coisa maravilhosa, saúde da boca é uma coisa importante. Quando a gente vai conversar com uma pessoa e ela tem mau hálito na boca, a gente sente ruim, porque é triste, terrível, dá vergonha de conversar com as pessoas. Pra mim é não ter mau hálito”.(sexo feminino)

O mau hálito foi considerado por estes indivíduos como um odor desagradável e indesejável. De acordo com Rodrigues (1980), pessoas com odor desagradável são consideradas marginalizadas. As práticas higiênicas exigidas pela nossa cultura são puras convenções simbólicas e, também, práticas simbólicas, necessárias para disfarçar o cheiro do corpo.

Pesquisas realizadas por Wolf (1996) demonstram que entre os fatores que mais perturbam as pessoas está a possibilidade de ter halitose e de exibir, para os outros, dentes com resíduos de alimentos. Esse dados colaboram com a compreensão de que a boa aparência e a demonstração de cuidados corporais indicam concordância com as normas de boa apresentação e interação social. A boa aparência é, assim, elemento facilitador para as trocas sociais, pois o indivíduo aprendeu a avaliar-se segundo a apreciação dos outros; aprendeu que sua imagem conta mais que a experiência, a

habilidade, os afetos e o caráter, uma vez que será julgado, inicialmente, pela visibilidade exterior.

Para Martins (1998) a preocupação em ter o hálito agradável vêem de vários anos. O homem primitivo mastigava madeira que continha fragrância para perfumar seu hálito e, talvez, suavizá-lo. Ainda hoje é comum entre os indivíduos usar substâncias para bochecho ou balas, que são capazes de perfumar o hálito, quando se tem um encontro mais íntimo.

Segundo Tárzia et al. (1998), são comuns os registros de que as crianças possuem hálito agradável e adocicado, enquanto o dos idosos é azedo e desagradável. Logo, a halitose senil é um fato real. A incidência de redução do fluxo salivar com ocorrência de saburra e halitose é quase três vezes maior no idoso que no adulto. O aumento da saburra pode estar relacionado com o fato de cada vez mais os indivíduos estarem ingerindo alimentos industrializados, pastosos e liqüefeitos, e isto tem como conseqüência uma ingestão menor de fibras que não provocam um atrito na língua e não conseguem promover uma auto-higiene. Outro fator que causa baixa produção de saliva, e como conseqüência a halitose, é o uso freqüente de medicamentos.

Cuidar bem dos dentes

Para a maioria dos idosos entrevistados, a saúde bucal é representada pela higiene e cuidado com os dentes. Este hábito demonstra a importância dada aos dentes e conhecimento de que há necessidade de cuidado diário e tratamento constante:

“Andar com os dentes arrumados, que é perigoso dar doença.... e a boca é uma coisa que tem que andar limpa”.(sexo feminino)

“Eu entendo assim, é acabar de alimentar e escovar, lavar a boca bem lavada e escovar a dentadura”.(sexo feminino)

“É eu cuidar, escovar direitinho nas horas certas e sempre passar pelo médico e dentista, né?”.(sexo masculino)

“A gente sempre escovar os dentes, escovar não só os dentes, quem tem dente, só os dentes mesmos, porque a boca está comum, mas eu tenho que escovar a boca e a dentadura”.(sexo masculino)

“É ter a escova e pasta”.(sexo masculino)

“Acho que é escovar, né? Nos horários de acordo, almoço, na janta, no café da manhã, eu acho assim, né? E também palitar de vez em quando, eu acho que é certo, né?”.(sexo feminino)

“É zelar, ter cuidado, escovar, escovar a língua, escovar a gengiva, tirar a dentadura, além de escovar a dentadura, escovar a gengiva com pasta”.(sexo feminino)

Estas percepções estão de acordo com o estudo realizado por Martins (1998), pois demonstram que o interesse pela limpeza dos dentes esteve sempre presente em maior ou menor grau na história da humanidade. Em muitas sociedades, a limpeza dos dentes tem sido reconhecida como um hábito social desejável, bem como uma forma de afastar as doenças. Através da história da higiene bucal, observa-se que os motivos que levam os indivíduos a realizarem são: a busca de aliviar o incômodo causado pela impactação dos alimentos, a tentativa de se tornar mais sensual através de hálito perfumado, as exigências religiosas, a vaidade e o cuidado com a saúde corporal.

De acordo com Wolf (1998), em nossa cultura, as regras sociais preconizam, entre outras coisas, uma aparência corporal que se aproxima da estética higienista. A imagem que o sujeito tem de si será sempre em referência a um padrão ideal imposto pelas exigências sociais, pois as imagens vão passando, lenta e sorrateiramente, da organização social para a organização corporal. A aquisição de hábitos, costumes e traços adequados são recompensados pela cultura, e estar fora dos padrões ideais pode significar uma ofensa aos outros que, em contrapartida, podem rejeitar socialmente o ofensor.

Segundo Giddon (1987), a manutenção da saúde bucal pode resultar num aumento da auto-estima e em uma efetiva interação social, o que aumenta a qualidade de vida dos indivíduos.

Preservar os dentes naturais

Para alguns idosos, saúde bucal se tem quando se consegue preservar os dentes naturais, logo, estes indivíduos possuem certa consciência da importância dos dentes em suas vidas:

“Uai! Tem que ter.... eu creio o seguinte, tem que ter uma arcada perfeita, né? E tá bem cuidada. Ë isso que eu acho que é uma boa arcada”.(sexo masculino) “É uma coisa importante na vida da gente, né? Eu tenho maior medo de ficar

sem meus dentes e ter que por dentadura”.(sexo feminino)

“Eu acho que é os dentes que é o principal, ter os dentes legal, eu acho”.(sexo masculino)

No estudo desenvolvido por Dolan (1992), que objetivava conhecer a higiene bucal de idosos, foi observado que esses indivíduos têm maior preocupação com seus dentes por um período mais longo, o que raramente ocorria cinco há cinco anos.

Porém, segundo Marinelli e Sreebny (1982), para os indivíduos idosos as preocupações com a saúde odontológica se apresentam em décimo quarto lugar numa lista das vinte queixas mais comuns nesta faixa etária, na qual os primeiros postos foram ocupados por artrite, hipertensão e ansiedade. Os cuidados com a higiene bucal no âmbito doméstico são considerados intrusivos, pois competem com outras atividades que o indivíduo considera mais urgentes ou agradáveis.

Não ter doença na boca

Apenas um idoso entrevistado relatou que saúde bucal significa não ter doença. Isto demonstra que este indivíduo compreende a correlação entre as complicações orgânicas que podem advir da falta de saúde bucal:

A noção de saúde e doença, segundo Barthes (1982), é também uma construção social, pois o indivíduo é doente segundo a classificação de sua sociedade e de acordo com critérios e modalidades que ele fixa. Para Bernd et al. (1992), o limiar entre a saúde e doença bucal, para grande parte dos pesquisados, deve ser aquele problema que o impede de produzir ou desenvolver suas atividades diárias.

De acordo com Locker (1997a), saúde é um estado percebido subjetivamente e a validade da autopercepção não deve estar baseada na sua associação ou ausência de associação com os indicadores clínicos. A percepção é uma medida mais de “saúde” do que de “morbidade”, que é a base das avaliações clínicas, e, portanto, é necessário reconhecer que medidas de saúde e medidas de doenças são qualitativamente diferentes e têm implicações diferentes. Saúde é uma responsabilidade tanto individual quanto social, e deve ser mais assegurada por ações colaborativas em todos os níveis da sociedade.

Para Costa & Teixeira (1999), o conceito de doença pode significar incapacidade para o trabalho. Se a alteração ou problema de saúde não é suficiente para impedir a capacidade de desempenho das tarefas cotidianas, é visto como um incômodo que irá passar.

Portilho & Paes (2000) afirmam que, quando se questiona o que é saúde e o que é doença, obtêm-se respostas variadas, visto que o significado destes termos depende da concepção que se tem do ser humano e da sua relação com o ambiente. Desta forma, busca-se sair da análise abstrata de saúde, como equilíbrio perfeito, e de doença como desordem, para um enfoque nas crenças individuais sobre o porquê e como se adoece; isto é, o seu significado no meio onde se vive e, afinal, conhecer as formas terapêuticas nas quais as pessoas acreditam que possam produzir a cura. Procura-se, então, compreender que saúde e doença são reflexos da vida social no corpo dos indivíduos.

Sentir gosto dos alimentos – comer bem

Alguns idosos examinados relataram que ter saúde bucal é poder sentir o gosto dos alimentos, comer bem:

“Sentir gosto da comida”.(sexo masculino)

“É comer bem. Estou comendo muito pouco, é isso aí, alimentar melhor”. (sexo masculino)

“Pra mim é tudo, tem que ter paladar, sentir gosto das coisas....”.(sexo feminino)

Para Ettinger (1987), os atos de mastigar, sentir o gosto dos alimentos são essencialmente prazerosos e emocionalmente necessários para o bem-estar do indivíduo e sua qualidade de vida. Segundo Morigushi (1990), a perda dos elementos dentais influi sobre a mastigação, digestão, gustação, pronúncia e aspecto estético. Pode levar a um menor prazer em alimentar-se, associada à diminuição do paladar. Em seus estudos, Castelhanos et al. (1993) demonstram que o paladar possui um papel relevante para a qualidade de vida na terceira idade e suas alterações podem trazer transtornos no controle de dietas e conseqüentemente na nutrição do idoso.

Werner (1998) observou que pode haver diminuição no prazer de comer devido à mudança do paladar. Estas mudanças parecem ser específicas e alguns tipos de percepção gustativa podem, inclusive, se desenvolver à medida que a pessoa envelhece. A percepção do gosto salgado e do azedo é reduzida, porém a do doce e/ou ácido não apresenta alteração significante. A diminuição sensorial do paladar pode estar relacionada à diminuição do olfato, uma vez que o potencial discriminatório do olfato na pessoa idosa tende a diminuir. Altera também a sensação de prazer ao comer.

De acordo com Brunetti & Montenegro (2002), o paladar possui papel importante para a qualidade de vida na terceira idade e suas alterações podem trazer grandes transtornos no controle de dietas e conseqüentemente na nutrição do idoso. A má higiene pode determinar considerável diminuição da percepção gustativa, pela simples presença física

de matéria alba, fragmentos e restos de alimentos sobre os corpúsculos gustativos, dificultando, assim, a estimulação dos quimiorreceptores orais. Estes autores relatam, ainda, que pode haver uma diminuição da sensibilidade gustativa após colocação de prótese total, pois a estimulação dos receptores do tato, da temperatura e da sensibilidade gustativa pode estar prejudicada pela simples presença da base física da prótese.

Para Campostrini & Zenóbio (2002) estados sócio-econômico, psicológico (depressão, demência), sistêmico e uso de medicamentos tornam os indivíduos mais susceptíveis à perda do apetite o que, conseqüentemente, pode levar à má nutrição. O consumo inadequado de nutrientes pode aumentar o risco de doenças, devido a diminuição da função imunológica e aumento da suscetibilidade à infecção.

Não possuir dentes

Alguns indivíduos relataram que ter saúde bucal é não possuir dentes:

“É arrancar os dentes”.(sexo masculino)

“Graças a Deus, não tenho mais nenhum dente, eu tirei tudo”. (sexo feminino)

A falta de dentes muitas vezes leva a sentimentos de insegurança, impotência, não plenitude e vazio. Porém, neste estudo, alguns idosos relatam que ter saúde bucal é não possuir dentes, porque o tratamento odontológico é considerado sinônimo de exodontias e acreditam que com a extração, a saúde será recuperada. Essa visão equivocada mostra o desconhecimento sobre o conceito de saúde, já que a perda dos dentes elimina os problemas imediatos, mas a falta deles acarreta outros problemas, que alguns ainda não perceberam. Isto também pôde ser observado no trabalho realizado por Fiske et al. (1995) em relação aos sentimentos dos idosos com a perda dos dentes, pois alguns sentiram alívio, já que tinham muitos problemas dentais e sentiam muitas dores.

Vargas (2002) observou em seu estudo com pacientes adultos que foram atendidos no Centro de Saúde Boa Vista, situado na Regional Leste do município de Belo Horizonte, que a maioria dos indivíduos entrevistados demonstraram-se incomodados com a ausência de seus dentes, porém alguns relataram ter se adaptado às condições adversas que a perda dentária ocasionou em seu dia-a-dia. No entanto, os resultados do estudo desenvolvido por Bergendal (1989) mostraram que a maioria dos indivíduos entrevistados percebiam a perda dentária e uso de dentaduras, como tão importantes em termos de ajuste social quanto casamento e aposentadoria.

Segundo Seger (1992), pacientes idosos reagem à perda dos dentes de duas formas distintas: alguns se mostram inconformados, com sentimentos de impotência, incapacidade e ansiedade, buscam evitar essa perda a qualquer custo e dispõem-se a qualquer sacrifício para restaurar a estética, enquanto outros reagem de maneira conformista e depressiva, encarando a perda dos dentes como algo inerente à idade e a cultura. Mostram -se, portanto, passivos diante da situação e do tratamento.

Fiske et al. (1998) observaram em seus estudos que alguns pacientes nunca aceitam a perda de seus dentes e consideram uma indignidade ter que viver sem eles. Identificaram também, uma perda da auto-confiança e até mesmo sentimento ou complexo de inferioridade por não possuírem dentes. Para Mendonça (2001), a responsabilidade da perda dentária não pode ser considerada como cultural, pois o cidadão usuário, ao procurar as instâncias de saúde bucal, credita nelas o restabelecimento de um estado de saúde.

De acordo com MacEntee et al. (1997) e Cañada-Madinazcoitia et al. (2001), muitos idosos aceitam como normais as conseqüências do envelhecimento, as alterações patológicas de seu estado físico, bem como as perdas dentárias e acham natural terem que se adaptar à nova realidade. Isto ocorre, especialmente quanto mais baixa for a condição sócio-econômica do indivíduo.

Documentos relacionados