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Significado intemporal e significado intemporal aplicado para elocuções-tipo

No documento Significado e linguagem em Paul Grice (páginas 51-56)

4. Significado de palavras e significado do locutor

4.4 Significado intemporal e significado intemporal aplicado para elocuções-tipo

Para tratar os estádios III e IV, como segundo passo, Grice vai tentar explicar o significado intemporal e significado intemporal aplicado para elocuções-tipo estruturadas, completas e incompletas.

De maneira a lidar com as elocuções-tipo estruturadas, Grice sugere os seguintes dispositivos:94

(1) “S1 (S2)” (ler “S1-com-S2”) denota uma frase da qual S2 é uma sub-frase. Uma frase é uma sub-frase de si mesma (S2 pode ser idêntica a S1).

(2) v(S1(S2)) (ler “v-de-S1-com-S2”) é uma elocução particular (elocução- espécime) de S1(S2) proferida por U. v(S1(S2)) é uma elocução completa, ou seja, não faz parte de uma elocução v(S3(S1(S2))).

(3) O significado normal (standard) de uma frase é consequente com o significado dos seus elementos. Torna-se então necessário invocar a noção de “procedimento resultante”:

Um procedimento para uma elocução-tipo x é um procedimento resultante se é determinado por (a sua existência infere-se de) um conhecimento de procedimentos (1) para elocuções-tipo particulares que são elementos em x, e (2) para qualquer sequência de elocuções-tipo que exemplifique um ordenamento particular de categorias sintácticas (uma forma sintáctica particular).95

De seguida, Grice propõe a seguinte definição de significado intemporal no idiolecto de U:

D5: “Para U, S significa „* p‟” = df. “U tem um procedimento resultante para S, nomeadamente proferir S se, para algum A, U pretende que A que p”. (D5 é similar a D2.)

94 Cf. GRICE, H. P. - op. cit. p. 129. 95 GRICE, H. P. - op. cit. p. 129.

Grice nota que uma adaptação de D3 talvez explicasse o significado intemporal numa língua.

E para o significado intemporal aplicado, Grice sugere a seguinte definição:

D6: “S2 em v(S1(S2)) significa „* p‟” = df. “( A) ( q) (U quer-dizer com v(S1(S2)) que *´q, e U pretende que A reconheça que U quer-dizer com v(S1(S2)) que *´q pelo menos parcialmente com base no pensamento de A de que U tem um procedimento resultante para S2, nomeadamente (para um A´ adequado) proferir S2 se U pretende que A´ que p)” (D6 é similar a D4´).

Segundo Grice, a noção de procedimento resultante não ficou completamente esclarecida, e para esclarecer a noção de “significado de uma palavra” e a sua ligação com “significar que” deve-se ter em consideração os «procedimentos fundamentais dos quais descende um procedimento resultante»96. Para começar, tome-se o domínio das frases categóricas afirmativas constituídas por um substantivo (ou descrição definida) e por um adjectivo (ou expressão adjectival). Tome-se de seguida em consideração os seguintes elementos:97

(1) Suponha-se que é uma frase indicativa. É necessário ser-se capaz de aplicar as ideias de uma versão indicativa de (que será o próprio ), uma versão imperativa de , uma versão optativa de , etc., versões a que Grice dá o nome de variações de humor (mood variations). A aplicação destas caracterizações estaria a cargo de uma determinada teoria linguística.

(2) É necessário ser-se capaz de aplicar uma noção tal como a de predicação de (adjectival) sobre (nominal). “Smith é delicado”, “Smith sê delicado”, “Deixe o Smith ser delicado” e “Oh, aquele Smith pode ser delicado” seriam predicações de “delicado” sobre “Smith”. Mais uma vez, a aplicação destas caracterizações estaria a cargo de uma determinada teoria linguística.

96 GRICE, H. P. - op. cit. p. 130. 97 Cf. GRICE, H. P. - op. cit. p. 130.

(3) Assumam-se como garantidas duas espécies de correlação: correlação R (referencial) e correlação D (denotativa). Pretende-se ser capaz de falar de um dado objecto particular como sendo um correlato R de (nominal), e de cada membro de alguma classe como sendo uma correlato D de (adjectival).

Suponha-se agora que U tem os seguintes procedimentos (P):98

P1: Proferir a versão indicativa de se (para algum A) U pretende que A pense que U pensa… (o espaço vazio é preenchido pela versão infinitiva de , por exemplo “Smith to be tactful”.

Fazendo algumas substituições, obtemos:

P1´: proferir a versão imperativa de se (para algum A) U pretende que A pretenda…

Estes procedimentos criam correlações entre humores (moods) e especificações de “ †”.

P2: proferir uma predicação de sobre correlacionada com se (para algum A) U quer que A um correlato R particular de seja um elemento específico de um conjunto particular de correlatos D de .

Suponha-se também que as seguintes correlações se mantêm para U:

C1: o cão de Jones é um correlato R de “Fido”.

C2: qualquer coisa coberta de pêlo é um correlato D de “felpudo”.

Uma vez que U tem os procedimentos iniciais P1 e P2, pode-se inferir que U tem o seguinte procedimento resultante (determinado por P1 e P2):

RP1 (Resultant Procedure 1): proferir a versão indicativa de uma predicação de sobre se U pretender que A pense que U pensa que um correlato R particular de é um elemento específico de um determinado conjunto de correlatos D de .

A partir de RP1 e C1 pode-se inferir que U tem

RP2: proferir a versão indicativa de uma predicação de sobre “Fido” se U pretender que A pense que U pensa que o cão de Jones é um de um determinado conjunto de correlatos D de .

A partir de RP2 e C2 pode-se inferir que U tem

RP3: proferir a versão indicativa de uma predicação de “felpudo” sobre “Fido” se U pretender que A pense que U pensa que o cão de Jones é um elemento específico de um conjunto de coisas cobertas de pêlo.

E sabendo-se que “Fido é felpudo” é a versão indicativa de uma predicação de “felpudo” sobre “Fido”, pode-se inferir que U tem

RP4: proferir “Fido é felpudo” se U pretender que A pense que U pensa que o cão de Jones é coberto de pêlo. (Deste ponto de vista pode-se também dizer que RP4 é um interpretante de “Para U, „Fido é felpudo‟ significa „o cão de Jones é coberto de pêlo‟”.)

Por esta altura, Grice ainda não ofereceu uma explicação para as afirmações de significado intemporal relacionadas com elocuções-tipo incompletas. Não existem condições para que se defina “x (incompleta) significa „…‟”. Grice considera até que não é

possível dar uma definição até que seja dada a categoria sintáctica de x. Pode-se, no entanto, dar uma definição adequada para x adjectival (e.g. “felpudo”):

D7: “Para U, x (adjectival) significa „…‟” = df. “U tem o seguinte procedimento: proferir uma predicação de x sobre correlacionada com se (para algum A) U pretende que A † que um correlato R particular de é…” (os espaços representados pelas reticências são preenchidos pela mesma expressão).

Qualquer procedimento específico cuja forma seja esta é um procedimento resultante. «Por exemplo», diz Grice,

Se U tem P2 e também C2, pode-se inferir que ele tem o procedimento de proferir uma predicação de “felpudo” sobre correlacionada com † se (para algum A) U pretende que A † que um correlato R particular de é um [elemento] de um conjunto de coisas cobertas de pêlo, ou seja, para

U, “felpudo” significa “coberto de pêlo.”99

Grice pode agora dar uma definição da noção de elocução-tipo completa:

D8: “x é completa” = df. “Um definiens completamente expandido de “x significa „…‟” não contém qualquer referência explícita a uma correlação, senão aquela envolvida ao falar-se de um correlato R de alguma expressão referente que ocorra dentro de x”. (Pode esperar-se que o definiens expandido para a elocução-tipo completa “Ele é felpudo” contenha a expressão “um correlato R particular de „ele‟”.)

Falta agora explicar como funciona, para Grice, a noção de correlação.

No documento Significado e linguagem em Paul Grice (páginas 51-56)

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